O SONETO PSICOGRAFADO

Não sou de mesa branca nem de terreiro, mas sou bruxo, e "que las hay, las hay"... Portanto, não poderia deixar de registrar neste SONETÁRIO BRASILEIRO alguns exemplos tirados do famoso livro PARNASO DE ALÉM-TÚMULO (1932), creditado à mediunidade de Chico Xavier. É claro que não posso concordar que um Bocage, o maior autor de sonetos sacanas em língua portuguesa, tenha-se arrependido e, no célebre soneto ditado na agonia final, feche com a chave "Rasga meus versos, crê na eternidade!": ora, para crer na eternidade não é preciso rasgar nada, nem deixar de fazer versos! Pelo contrário: é mais confortador criar sabendo que a obra pode perdurar indefinidamente. Acho, pois, muito estranho que não se publiquem sonetos sacanas psicografados (sequer no caso de Emílio de Meneses), o que me cheira a censura doutrinária. Pessoalmente, depois de morto pretendo continuar a compor meus versos desbocados, e quero transmiti-los para o lado de cá sem necessidade dum "nihil obstat". Mas isso tem tempo, já que não espero morrer tão cedo. Deixo, por enquanto, minha resposta em soneto aos "arrependidos" e minha homenagem aos imortais falecidos, junto com meu respeito aos crentes divergentes e a devida gratidão aos psicógrafos, sem os quais, etc. Benditos sejam! [GM] SONETO 235 CONVICTO Não pensem que pretendo renegar aquilo que em soneto tenho escrito. Posar de arrependido, de contrito, é ponto a que jamais quero chegar. Bocage e Kafka ocupam seu lugar ainda que "Me rasguem!" tenham dito. O meu lugar, minúsculo, restrito, ficou inda menor após cegar. Portanto, palmo a palmo, é meu terreno, do qual não abro mão nem na agonia, malgrado todo o torpe e todo o obsceno. Palmilham-no outros pés, minha mania. No verso pode ter metro pequeno. Na língua, não se esgota nem se expia.
Glauco Mattoso AJUDA E PASSA [Alberto de Oliveira] Estende a mão fraterna ao que ri e ao que chora: O palácio e a choupana, o ninho e a sepultura, Tudo o que vibra espera a luz que resplendora, Na eterna lei de amor que consagra a criatura. Planta a bênção da paz, como raios de aurora, Nas trevas do ladrão, na dor da alma perjura; Irradia o perdão e atende, mundo afora, Onde clame a revolta e onde exista a amargura. Agora, hoje e amanhã, compreende, ajuda e passa; Esclarece a alegria e consola a desgraça, Guarda o anseio do bem que é lume peregrino... Não troques mal por mal, foge à sombra e à vingança, Não te aflija a miséria, arrima-te à esperança. Seja a bênção de amor a luz do teu destino. DO ÚLTIMO DIA [Alberto de Oliveira] O homem, no último dia, abatido em seu horto, Sente o extremo pavor que a morte lhe revela; Seu coração é um mar que se apruma e encapela, No pungente estertor do peito quase morto. Tudo o que era vaidade, agora é desconforto. Toda a nau da ilusão se destroça e esfacela Sob as ondas fatais da indômita procela, Do pobre coração, que é náufrago sem porto. Somente o que venceu nesse mundo mesquinho, Conservando Jesus por verdade e caminho, Rompe a treva do abismo enganoso e perverso! Onde vais, homem vão? Cala em ti todo alarde, Foge dessa tormenta antes que seja tarde: Só Jesus tem nas mãos o farol do Universo. REDIVIVO [Alphonsus de Guimaraens] Sou o cantor das místicas baladas Que, em volutas de flores e de incenso, Achou, no Espaço luminoso e imenso, O perfume das hóstias consagradas. Almas que andais gemendo nas estradas Da amargura e da dor, eu vos pertenço, Atravessai o nevoeiro denso Em que viveis no mundo, amortalhadas. Almas tristes de freiras e sorores, Sobre quem a saudade despetala Os seus lírios de pálidos fulgores; Eu ressurjo nos místicos prazeres, De vos cantar, na sombra onde se exala Um perfume de altar e misereres... SINOS [Alphonsus de Guimaraens] Escuto ainda a voz dos campanários Entre aromas de rosas e açucenas, Vozes de sinos pelos santuários, Enchendo as grandes vastidões serenas... E seguindo outros seres solitários, Retomo velhos quadros, velhas cenas, Rezando as orações dos Septenários, Dos Ofícios, dos Terços, das Novenas... A morte que nos salva não nos priva De ir ao pé de um sacrário abandonado, Chorar, como inda faz a alma cativa! Ó sinos dolorosos e plangentes, Cantai, como cantáveis no passado, Dizendo a mesma Fé que salva os crentes!... NADA [Antônio Torres] Nada!... Filosofia rude e amara, Na qual acreditei, com pena embora De abandonar a Crença que esposara, — A minha aspiração de cada hora. Crença é o perfume dalma que se enflora Com a luz divina, resplendente e rara Da Fé, única Luz da única Aurora, Que as trevas mais compactas aclara. Revendo os dias tristes do Passado, Vi que troquei a Fé pela Ironia, Nos desvios e excessos da Razão; Antes, porém, não fosse tão ousado, Pois nem sempre a Razão profunda e fria Alivia ou consola o Coração. MINIATURAS DA SOCIEDADE ELEGANTE [Artur Azevedo] I Adriano Gonçalves de Macedo, Homem de cabedais e alma sem siso, Penetrou no seu quarto com um sorriso Às dez horas da noite, muito a medo. Uma carta de amante — era um segredo — Ia abri-la, e, assim, era preciso Que a sua esposa, dama de juízo, Não na visse nem mesmo por brinquedo! Dona Corália Augusta Colavida Estaria nessa hora recolhida? Levantou a cortina, devagar... Mas, que tragédia após esse perigo... Viu que a esposa beijava um seu amigo, Sobre o divã da sala de jantar. II No belo palacete do Furtado, Palestrava a galante Mariquita Com um pelintra afetado, assaz catita, Bacharel delambido e enamorado. De sobre a grande cômoda bonita, Toma o moço um livrinho encadernado, Revirando-o nas mãos, interessado, Mas a jovem retoma-o, muito aflita: — "Esse livro, Antonico, é meu breviário!" Diz inquieta. E ele, cínico e falsário, Arrebata-o às frágeis mãos trementes: Abriu-o. Mais o olhava e mais se ria... Era um compêndio de pornografia, Recamado de quadros indecentes. III Dom Castilho, notável latinista, Realizara alentada conferência, Sobre rígido assunto moralista, Protegido dos membros da regência. Foi um sucesso. E a esposa Ana Fulgência, Nele via uma grande alma de artista, Louvando-lhe a utilíssima existência De homem probo e notável publicista. Que primor de moral! e os companheiros Escritores, poetas, conselheiros, Foram levar-lhe um abraço camarada. Numa corrida louca, esses senhores Foram achá-lo em seus trajes menores, No apartamento escuro da criada... HOMO II [Augusto dos Anjos] Após a introspecção do Além da Morte, Vendo a terra que os próprios ossos come, Horrente a devorar com sede e fome Minhas carnes em lúbrico transporte, Vi que o "ego" era o alento flâmeo e forte Da luz mental que a morte não consome. Não há luta mavórtica que o dome, Ou venenada lâmina que o corte. Depois da estercorária microbiana, De que o planeta triste se engalana Nas grilhetas do Infinitesimal, Volve o Espírito ao páramo celeste, Onde a divina essência se reveste Da substância fluida, universal. EGO SUM [Augusto dos Anjos] Eu sou quem sou. Extremamente injusto Seria, então, se não vos declarasse, Se vos mentisse, se mistificasse No anonimato, sendo eu o Augusto. Sou eu que, com intelecto de arbusto, Jamais cri, e por mais que o procurasse, Quer com Darwin, com Haeckel, com Laplace, Levantar-me do leito de Procusto. Sou eu, que a rota etérica transponho Com a rapidez fantástica do sonho, Inexprimível nas termologias, O mesmo triste e estrábico produto, Atramente a gemer a mágoa e o luto, Nas mais contrárias idiossincrasias. RAÇA ADÂMICA [Augusto dos Anjos] A Civilização traz o gravame Da origem remotíssima dos Árias, Estirpe das escórias planetárias, Segregadas num mundo amargo e infame. Árvore genealógica de párias, Faz-se mister que o cárcere a conclame, Para a reparação e para o exame Dos seus crimes nas quedas milenárias. Foi essa raça podre de miséria Que fez nascer na carne deletéria A esperança nos Céus inesquecidos; Glorificando o Instinto e a Inteligência, Fez da Terra o brilhante gral da Ciência, Mas um mundo de deuses decaídos. ESPÍRITO [Augusto dos Anjos] Busca a Ciência o Ser pelos ossuários, No órgão morto, impassível, atro e mudo; No labor anatômico, no estudo Do germe, em seus impulsos embrionários; Mas só encontra os vermes-funcionários No seu trabalho infame, horrendo e rudo, De consumir as podridões de tudo, Nos seus medonhos ágapes mortuários. No meio triste de cadaverinas Acha-se apenas ruína sobre ruínas, Como o bolor e o mofo sob as heras; A alma que é Vibração, Vida e Essência, Está nas luzes da sobrevivência, No transcendentalismo das esferas. CONFISSÃO [Augusto dos Anjos] Também eu, mísero espectro das dores No escafandro das células cativas, Não encontrei a luz das forças vivas, Apesar de ingentíssimos labores. Bem distante das causas positivas, Na visão dos micróbios destruidores, Senti somente angústias e estertores, No turbilhão das sombras negativas. Foi preciso "morrer" no campo inglório, Para encontrar esse laboratório De beleza, verdade e transformismo! A Ciência sincera é grande e augusta, Mas só a Fé, na estrada eterna e justa, Tem a chave do Céu, vencendo o abismo!... ATUALIDADE [Augusto dos Anjos] Torna Caim ao fausto do proscênio. A Civilização regressa à taba. A força primitiva menoscaba A evolução onímoda do Gênio. Trevas. Canhões. Apaga-se o milênio. A construção dos séculos desaba. Ressurge o crânio do morubixaba Na cultura da bomba de hidrogênio. Mas, acima do império amargo e exangue Do homem perdido em pântanos de sangue, Novo sol banha o pélago profundo. É Jesus que, através da tempestade, Traz ao berço da Nova Humanidade A consciência cósmica do mundo. HORA EXTREMA [Auta de Souza] Quando exalei meus últimos alentos Nesse mundo de mágoas e de dores, Senti meu ser fugindo aos amargores Dos meus dias tristonhos, nevoentos. A tortura dos últimos momentos Era o fim dos meus sonhos promissores, Do meu viver sem luz, sem paz, sem flores, Que se extinguia em atros sofrimentos. Senti, porém, minhalma sofredora Mergulhada nas brisas de uma aurora, Sem as sombras da dor e da agonia... Então parti, serena e jubilosa, Em demanda da estrada esplendorosa Que nos conduz às plagas da harmonia! ADEUS [Auta de Souza] O sino plange em terna suavidade, No ambiente balsâmico da igreja; Entre as naves, no altar, em tudo adeja O perfume dos goivos da saudade. Geme a viuvez, lamenta-se a orfandade; E a alma que regressou do exílio beija A luz que resplandece, que viceja, Na catedral azul da imensidade. "Adeus, Terra das minhas desventuras... Adeus, amados meus..." — diz nas alturas A alma liberta, o azul do céu singrando... — Adeus... — choram as rosas desfolhadas, — Adeus... — clamam as vozes desoladas De quem ficou no exílio soluçando... TERCEIRO SONETO [Batista Cepelos] Sirva-vos de escarmento a dor que trago Na minhalma infeliz e sofredora, Este padecimento com que pago O desvio da estrada salvadora. Aqui somente ampara-me esse vago Pressentimento de uma nova aurora, Quando terei os bens, o brando afago Da Luz, que está na dor depuradora. Agora, sim! depois de tantos anos De tormentos, em meio aos desenganos, Espero o sol de novas alvoradas De existências de pranto e de miséria, Para beber no cálix da matéria As essências das dores renegadas! A SEPULTURA [Cruz e Souza] Como a orquídea de arminho quando nasce, Sobre a lama ascorosa refulgindo, A brancura das pétalas abrindo, Como se a neve alvíssima a orvalhasse; Qual essa flor fragrante, como a face Dum querubim angélico sorrindo, Do monturo pestífero emergindo, Luz que sobre negrumes se abistasse; Assim também do túmulo asqueroso, Evola-se a essência luminosa Da alma que busca o céu maravilhoso; E como o lodo é o berço vil de flores, A sepultura fria e tenebrosa É o berço de almas — senda de esplendores. ANJOS DA PAZ [Cruz e Souza] Ó luminosas formas alvadias Que desceis dos espaços constelados Para lenir a dor dos desgraçados Que sofrem nas terrenas gemonias! Vindes de ignotas luzes erradias, De lindos firmamentos estrelados, Céus distantes que vemos, dominados De esperanças, anseios e alegrias. Anjos da Paz, radiosas formas claras, Doces visões de etéricos carraras De que o espaço fúlgido se estrela!... Clarificai as noites mais escuras Que pesam sobre a terra de amarguras, Com a alvorada da Paz, ditosa e bela... ORAÇÃO AOS LIBERTOS [Cruz e Souza] Alma embriagada do imortal falerno, Segue cantando, no horizonte claro, O teu destino esplendoroso e raro, Cheio de luzes do porvir eterno. Mas não te esqueças desse mundo avaro, O escuro abismo, o tormentoso Averno, Sem as doces carícias do galerno Das esperanças — sacrossanto amparo. Volve os teus olhos ternos, compassivos, Para os pobres Espíritos cativos Às grilhetas do corpo miserando! Abre os sacrários da Felicidade, Mas lembra-te do orbe da impiedade, Onde venceste a carne soluçando. BELEZA DA MORTE [Cruz e Souza] Há no estertor da morte uma beleza Transcendente, ignota, luminosa, Beleza sossegada e silenciosa, Da luz branca da Paz, trêmula e acesa... É o augusto momento em que a alma, presa Às cadeias da carne tenebrosa, Abandona a prisão, dorida e ansiosa, Sentindo a vida de outra natureza. Um mistério divino há nesse instante, No qual o corpo morre e a alma vibrante Foge da noite das melancolias!... No silêncio de cada moribundo, Há a promessa de vida em outro mundo, Na mais sagrada das hierarquias. À DOR [Cruz e Souza] Dor, és tu que resgatas, que redimes Os grandes réus, os míseros culpados, Os calcetas dos erros, dos pecados, Que surgem do pretérito de crimes. Sob os teus pulsos, fortes e sublimes, Sofri na Terra junto aos condenados, Seres escarnecidos, torturados, Entre as prisões da Lágrima que exprimes! Da perfeição és o sagrado Verbo, Ó portadora do tormento acerbo, Aferidora da Justiça Extrema... Bendita a hora em que me pus à espera De ser, em vez do réprobo que eu era, O missionário dessa Dor suprema! TUDO VAIDADE [Cruz e Souza] Na Terra a morte é o trágico resumo De vanglórias, de orgulhos e de raças; Tudo no mundo passa, como passas, Entre as aluviões de cinza e fumo. Todo o sonho carnal vaga sem rumo, Só o diamante do espírito sem jaças Fica indene de todas as desgraças, De que a morte voraz faz seu consumo. Nesse mundo de lutas fratricidas, A vida se alimenta de outras vidas, Num contínuo combate pavoroso; Só a Morte abre a porta das mudanças E concretiza as puras esperanças Nos países seráficos do gozo! EU MESMO [Emílio de Meneses] Eu mesmo estou a ignorar se posso Chamar-me ainda o Emílio de Meneses, Procurando tomar o tempo vosso, Recitando epigramas descorteses. Como hei de versejar? Rimas em osso São difíceis... contudo, de outras vezes, Eu sabia rezar o Padre-Nosso E unir meus versos como irmãos siameses. Como hei de aparecer? O que é impossível É ser um santarrão inconcebível, Trazendo as luzes do Evangelho às gentes... Sou o Emílio, distante da garrafa, Mas que não se entristece e nem se abafa, Longe das anedotas indecentes. AOS MEUS AMIGOS DA TERRA [Emílio de Meneses] Amigos, tolerai o meu assunto, (Sempre vivi do sofrimento alheio) Relevai, que as promessas de um defunto São coisa inda invulgar no vosso meio. Apesar do meu cérebro bestunto, O elo que nos unia, conservei-o, Como a quase saudade do presunto, Que nutre um corpo empanturrado e feio. Espero-vos aqui com as minhas festas, Nas quais, porém, o vinho não explode, Nem há cheiro de carnes ou cebolas. Evitai as comidas indigestas, Pois na hora do "salva-se quem pode", Muita gente nem fica de ceroulas... MINHA VIDA [Hermes Fontes] Não pude compreender o meu destino Na amargura invencível do passado, Que amortalhou meu sonho peregrino Nas trevas de um martírio irrevelado. Do sofrimento fiz o apostolado, Como fizera de minha arte um hino, Procurando o país indevassado Do ideal luminoso de Aladino. E fui de vale em vale, serra em serra, Buscando a imagem fúlgida, incorpórea, Do que chamamos — a felicidade. Mas só colhi os frutos maus da Terra, As promessas pueris da falsa glória, E o triste engano da celebridade. VOLTANDO [Luís Guimarães Júnior] Após a longa e frígida nortada Da existência no mundo de invernia, Busquei contente a paz que me sorria No fim da áspera senda palmilhada. Voltei. Nova era a vida, nova a estrada Que minhalma extasiada percorria; Divinal era a luz que resplendia, Em revérberos lindos de alvorada. De volta, e os mesmos seres que me haviam Ofertado na Terra amores santos, Envoltos em ternuras e em carinhos, Novamente no Além me ofereciam Lenitivo às agruras dos meus prantos, Nas carícias risonhas dos caminhos. [SONETO ERRANTE] [Olavo Bilac] Por tanto tempo andei faminto e errante, Que os prazeres da vida converti-os Em poemas das formas, em sombrios Pesadelos da carne palpitante. No derradeiro sono, instante a instante, Vi fanarem-se anseios como fios Da ilusão transformada em sopros frios, Sobre o meu peito em febre, vacilante. Morte, no teu portal a alma tateia, Espia, inquire, sonda e chora, cheia De incerteza na esfinge que tu plasmas!... Impassível, descerras aos aflitos Uma visão de mundos infinitos E uma ronda infinita de fantasmas. AOS DESCRENTES [Olavo Bilac] Vós, que seguis a turba desvairada, As hostes dos descrentes e dos loucos, Que de olhos cegos e de ouvidos moucos Estão longe da senda iluminada, Retrocedei dos vossos mundos ocos, Começai outra vida em nova estrada, Sem a idéia falaz do grande Nada, Que entorpece, envenena e mata aos poucos. Ó ateus como eu fui — na sombra imensa Erguei de novo o eterno altar da crença, Da fé viva, sem cárcere mesquinho! Banhai-vos na divina claridade Que promana das luzes da Verdade, Sol eterno na glória do caminho! O LIVRO [Olavo Bilac] Ei-lo! Facho de amor que, redivivo, assoma Desde a taba feroz em folhas de granito, Da Índia misteriosa e dos louros do Egito Ao fausto senhoril de Cartago e de Roma! Vaso revelador retendo o excelso aroma Do pensamento a erguer-se esplêndido e bendito, O Livro é o coração do tempo no Infinito, Em que a idéia imortal se renova e retoma. Companheiro fiel da virtude e da História, Guia das gerações na vida transitória, É o nume apostolar que governa o destino; Com Hermes e Moisés, com Zoroastro e Buda, Pensa, corrige, ensina, experimenta, estuda, E brilha com Jesus no Evangelho Divino. NO EXÍLIO [D. Pedro II] Pode o céu do desterro ser tão belo, Quanto o céu do país em que nascemos; Nada faz com que o nosso desprezemos, Acalentando o sonho de revê-lo. Todo o nosso ideal pomos no anelo De regressar, e voando sobre extremos, Com o pensamento ansioso percorremos Nosso amado rincão, lindo ou singelo. Jaz no desterro a plaga da amargura, De acerba pena ao pobre penitente, De amaro pranto da alma torturada; A alegria no exílio é desventura, É a saudade na ânsia mais pungente De retornar à pátria idolatrada. BANDEIRA DO BRASIL [D. Pedro II] Bandeira do Brasil, símbolo da bonança, Enquanto a guerra estruge indômita e sombria, Sê nos planos de luta o sinal de harmonia, Espalhando no mundo as bênçãos da Esperança. Assinalas, na Terra, o país da Alegria, Onde toda a existência é um hino de abastança, Guardas contigo a luz da bem-aventurança, És o florão da paz, marcando um novo dia. Nasceste sob a luz de um bem, alto e fecundo, Nunca te conspurcaste aos embates do mundo, Buscando iluminar as lutas, ao vivê-las... É por isso que Deus, que te ampara e equilibra, Deu-te um corpo auri-verde onde a paz canta e vibra, E um coração azul, esmaltado de estrelas. PRIMEIRO SONETO [Raimundo Correia] Tudo passa no mundo. O homem passa Atrás dos anos sem compreendê-los; O tempo e a dor alvejam-lhe os cabelos, À frouxa luz de uma ventura escassa. Sob o infortúnio, sob os atropelos Da dor que lhe envenena o sonho e a graça, Rasga-se a fantasia que o enlaça, E vê morrer seus ideais mais belos!... Longe, porém, das ilusões desfeitas, Mostra-lhe a morte vidas mais perfeitas, Depois do pesadelo das mãos frias... E como o anjinho débil que renasce, Chora, chora e sorri, qual se encontrasse À luz primeira dos primeiros dias. NA TERRA [Raul de Leoni] Renascendo no mundo da Quimera, Ao colhermos a flor da juventude, É quando o nosso Espírito se ilude, Julgando-se na eterna primavera. Mas o tempo na sua mansuetude, Pelas sendas da vida nos espera, Junto à dor que esclarece e regenera, Dentro da expiação estranha e rude. E ao tombarmos no ocaso da existência, Nós revemos do livro da consciência Os caracteres grandes, luminosos!... Se vivemos no mal, quanta agonia! Mas se o bem praticamos todo o dia, Como somos felizes, venturosos!... POST MORTEM [Raul de Leoni] Depois da morte, tudo aqui subsiste, Neste Além que sonhamos, que entrevemos, Quando a nossa alma chora nos extremos Dessa dor que no mundo nos assiste. Doce consolação, porém, existe Aos amargosos prantos que vertemos, Do conforto celeste os bens supremos Ao coração desalentado e triste. Também existe aqui a austera pena À consciência infeliz que se condena, Por qualquer erro ou falta cometida; E a Morte continua eliminando A influência do mal, torvo e nefando, Para que brilhe a Perfeição da Vida.
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Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes