|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Bernardo Sá Barreto Pimentel Trancoso (Vitória ES 1976)

Criador dum prático e acessível sítio de sonetos (www.sonetos.com.br), este portador de nome tão puramente alexandrino quanto o de Bilac é, ele próprio, precoce e traquejado sonetista. Conquanto não se prenda à tonicidade fixa do heróico ou do sáfico, pratica também o decassílabo no esquema camoniano e tematiza com igual desenvoltura a banalidade contemporânea e as virtudes nostálgicas. Não lhe escapa a percepção escatológica ao me convidar para inclusão em seu sítio:


Permita-me os teus versos copiar
No meu site com toda exatidão.
Eu peço por favor, não digas não
Ao meu desejo de te eternizar.

Vejo que poderás não concordar
Se por isso não dou nenhum tostão,
Mas o poeta, com rara exceção,
Das rimas não se pode alimentar.

Ou, puta que o pariu, vai virar bosta
Meu esforço em criar algo bonito
Para quem da poesia não desgosta!

Pois sem tuas palavras, acredito,
A língua portuguesa quase encosta
No fétido excremento do cabrito.


Outro exemplo do como ou quando a poesia de Trancoso se aproxima da
minha está neste soneto:


Vou falar do desejo mais ardente
Mas, tanto inconseqüente como insano,
Que brota em nosso corpo, de repente
E, ao coração da gente, causa dano.

Se buscamos expô-lo ao ambiente,
Já provoca temor, por ser profano.
Temos de conter, pois, quanto mais quente,
Até que o tempo encerre nosso plano.

Dor que sentimos, todos também têm.
Impossível conter, de modo algum,
O ardor que não trocamos por nenhum.

Quando solto, é incomum não estar bem,
Só quando incomodar, depois, alguém,
Tal desejo febril, chamado... PUM!


Para este verbete o próprio Trancoso selecionou alguns exemplos líricos
e panegíricos:



SONETOS DE AMOR:


SER FELIZ

Vida é viver, é ser alguém, é ser ninguém,
Quando quiser; é não mentir, sempre sorrir,
Morrer de rir, quando puder; é querer bem,
Homem, mulher, um ser qualquer, sem resistir;

Não desistir, nunca chorar, só quando tem
Alguém prá ouvir; sonhar, lutar, prá descobrir
O que é amar, o que é sentir; saber também
Que é grande o amor, elevador, sempre a subir;

Crescer, ter fé, firmar o pé, pisar no chão
E caminhar; Andar e crer, buscar, querer,
Na imensidão, o teu lugar; ter mente exposta

E, a quem te gosta, essa canção, teu coração;
Responder "não", prá quem te diz: "Ser ou não ser:
Eis a questão"; pois SER FELIZ: eis a resposta.


LOUCURAS DE AMOR (I)

Torcer por um amor insano, incerto,
É ser um sonhador, ter peito aberto
Prá suportar a dor, infernizante,
Que a insegurança traz a cada instante.

É ver a alma perdida num deserto,
Sedenta e entristecida; é estar tão perto
De ser feliz na vida e tão distante
Desta felicidade, desta amante.

Passa o tempo e o desejo permanece,
Mas o corpo envelhece. Penso, então,
Que a alegria se encontra em outro plano.

Sabendo disso, um ser novo aparece
E, pretendendo alçar seu coração,
Arrisco um novo amor incerto, insano.


MICRO-SENTIDOS

Eu queria ser bem pequenininho,
Prás curvas do teu corpo atravessar;
Grutas, vales secretos decifrar;
Escalar as montanhas, com jeitinho.

Tão logo me cansar, ir rumo ao ninho;
Num carinho, por tua boca entrar,
Buscando o coração; quando alcançar,
Me alojar dentro dele, de mansinho.

Lá, só não sei se vou ter condição
De agüentar teu calor, sem derreter;
De aceitar outro ser: mãe, pai, irmão.

Pequeno, ao ver tão grande amor nascer
Que, por maior que seja o coração,
Nem no meu, nem no teu, não vai caber.


MACRO-SENTIDOS

Um dia, adoraria ser grandão,
Prá, na palma da mão, te comportar;
Do mal te proteger, apreciar
Teu corpo inteiro de uma vez, então.

Se cansares irei, nessa paixão,
Fazer teu leito braços meus, te amar;
Junto ao coração, louco, te estreitar;
Rouco a te confortar, numa canção.

Serás sempre o meu belo passarinho
E, desde que prometas não fugir,
Poderás construir, em mim, teu ninho.

Sendo assim, meu caminho irás seguir,
Prá sentir que é maior o meu carinho
Do que o teu vôo mais alto há de atingir.


SIMPLESMENTE AMASTE

Alguma vez sonhaste estar gostando
De alguém que mal puderas conhecer
E, após tanto sofrer, viver chorando,
Encontraste sorrindo o amanhecer?

Sentiste o coração, de vez em quando
Disparar, na visão daquele ser,
As pernas a tremer, as mãos suando
E não tiveste voz prá lhe dizer?

Superaste os portais da eternidade,
Em nome do desejo mais ardente,
Arriscando morrer de insanidade?

Ademais, viste um mundo diferente,
Formado de beleza e de igualdade?
Então, amaste, pura e simplesmente.


A ROSA BRANCA (I)

Tantas púrpuras rosas no rosal;
Grosas e grosas, tão bonitas rosas;
Entre as rosas vultosas, majestosas,
Brota uma branca rosa, desigual.

Meu olhar só percebe a rosa tal;
Prefere-lhe, entre rosas mais charmosas;
Rosas prá te dizer que, em meio às grosas,
És como a rosa branca, especial.

Tens no andar que alucina novas cores;
É por ter novas cores que alucina;
És preferida, dentre mil amores.

Como a flor no rosal, tão pequenina
Que, perante outras mais formosas flores,
Difere e, o coração, logo ilumina.


UMA POESIA SOBRE NÓS

Nada vai separar, existem laços;
Nem vai desenlaçar, nem nos espaços
Entre os passos que juntos damos, sós;
Nem antes dos abraços, nem após.

Nada vai desatar tantos amassos;
Nem vai desamassar, nem nos escassos
Truques, traços, herdados dos avós,
Nossos braços, cruzados como nós.

Todo o meu corpo, todo o teu, também,
São bobinas trançadas de um motor,
Bouganvilles depois do sol se pôr,

A liberar calor como ninguém.
São nossos corações, que vão e vêm,
Pontas de um grande laço, que é o amor.


DEFEITO

Amo-te desde o dia em que te vi
Pela primeira vez e, desde o dia
Em que ouvi tua voz, te conheci,
Decidi que, sem ti, não viveria.

Preso à tua bondade, não senti
Que amizade, entre nós, era o que havia;
Quanto amor procurei, tanto insisti,
Que te perdi, no afã dessa mania.

Sofro por te querer. Nem é direito
Tanto ter que sofrer enquanto vais.
Difícil é te esquecer, não querer mais.

Culpa dessa paixão que invade o peito,
E aperta um coração meio sem jeito,
Nesse defeito meu de amar demais.


SOB O MESMO LENÇOL

Acordar junto a quem queremos bem,
Sob o mesmo lençol, na mesma cama,
Abraçados, também, mantida a chama
Que nem a imensidão do sol contém,

É como pretender parar o trem
Do tempo, prá viver o ardor que inflama,
Junto ao peito feliz de quem se ama.
É ser metade si, metade alguém.

Logo após uma noite de prazer,
Ter o braço a envolver outra pessoa,
Cuja respiração dá prá se ouvir;

Noutro dia prá nunca se esquecer,
Porque faz perceber que a vida é boa
E o coração não pára de sorrir.


DEIXA A CHUVA

Deixa a chuva cair, deixa molhar
Tua mão e tocar teu coração,
Que não pode viver sem ter paixão;
A plantação, pois, deixa ela irrigar.

Deixa a chuva ficar, deixa arrastar
Pro mar, prá longe, a tua solidão,
Só não deixes levar a sensação
Do amor que terminaste de provar.

São lágrimas - não chuva - que já molham
Os olhos teus. Quem disse que não chora
Um homem, quando sente de verdade?

A chuva é, para uns poucos que assim olham,
Chôro de Deus. Quando ela vai embora,
O sol tem de encontrar felicidade.


O VÍCIO

Nada é pior prá gente do que um vício:
Impulso inconseqüente a manobrar
A mente. Se não cura, vai pr'o hospício,
Tão demente seu corpo vai ficar.

Vem sempre de repente, sem indício;
Quando sente, é difícil controlar;
Mas nem tente provar que é benefício,
Somente se o seu vício for de amar.

Pois o amor bate forte, igual bebida;
Envelhece depressa, como o fumo;
Alucina mais vezes do que o pó.

Mas não surge prazer maior na vida;
Quem dele se vicia, encontra um rumo,
Uma alegria, nunca acaba só.


VOAR

Antes que Thor, Mercúrio e mais distantes
Deuses do povo grego, antigamente -
Que nem Dédalo e Ícaro -, em rasantes,
Voassem, triunfantes, entre a gente.

Antes que Santos desse vôos brilhantes,
E dois irmãos roubassem-lhe a patente
Do primeiro avião... Antes, bem antes,
Voava um coração, de tão contente.

Entre imaginações ele subia;
Em passos, saltos, vôos, em quedas rasas,
Voando sobre o céu de tantas casas

Que, vindo o super-homem, logo via:
Seu dom do vôo nem era primazia;
O amor já conferia aos homens asas.


SORRISO

Afine o olhar, o tanto que puder
Mova a musculatura peri-oral
Esticando num eixo horizontal
Os lábios, mostre os dentes se quiser,

Do coração emita um som qualquer
Que transmita alegria em seu final,
Tantas vezes repita o ritual
Quanta felicidade aí couber,

Sacuda o corpo inteiro, se preciso
Adicionando tudo que há em si
Aos vinte e sete músculos do riso

E que as rugas e covas do seu rosto
No instante sepulcral, digam: "Aqui
O amor foi bem maior do que o desgosto!"


O DISFARCE

Cobre a máscara
O jeito verdadeiro que tens.
Quando estás próxima a mim,
Veste-a e finge ser um falso alguém.
Teu cheiro mostra-me o teu disfarce.
É por modéstia?
Temes não me agradar, pois,
Por inteiro, sendo honesta.
Mas, mesmo que eu
Deteste-a ao ver quem és,
De fato,
Vou primeiro partir por tua mentira
Ante a moléstia.
Se existe algum problema,
Algum motivo prá enganação,
Permite-me ajudá-la agora,
Antes que eu pense
Estar errado ao te amar.
Já tem sido inofensivo - não mais -
Meu coração que, hoje, te fala
Em forma de um soneto
Disfarçado.



DIÁLOGOS:


A ILHA

- Quem és - pergunta o Sol - no azul brilhante
Que o céu, mesmo distante, cede ao mar?
Por que persistes tanto em ser gigante,
Se és menos que o meu brilho, a refratar?

- Sou ilha. Esse meu verde exuberante
Faz aves, por aqui, virem pousar.
Meu lar, acolhedor, traz navegante
Que a areia, um só instante, quer beijar.

- Se atreves a afirmar que não és só?
Tuas matas e terras, não são vãs?
No mar, lembra-te ilhota, és vil, és pó.

- Não feito tu, estrela das manhãs,
De quem a solidão provoca dó:
Tu vens, e vão dormir tuas irmãs.


A CIGARRA E A FORMIGA

Cigarra, sai de cima deste galho,
Suspende o canto e monta o teu abrigo.
O inverno há de trazer fome e perigo.
Assim, tu morrerás. Vê que eu batalho.

Aprecio, formiga, o teu trabalho.
Por instinto que o fazes. Já te digo:
Carregar tanto peso não consigo;
Meu destino é cantar; meu canto, espalho.

De que vale tal canto sem a vida?
É melhor prevenir do que sofrer.
Eu procuro da morte uma saída.

Então, sobe aqui, junta-te ao meu canto
Que pode incomodar ou, triste, ser,
Mas nunca irá morrer, isso eu garanto.


O URUBU E A POMBA

Pomba pousou no galho do urubu
Dizendo a ele: "És feio prá chuchu!
Pobres os que nasceram no teu nicho
Condenados, meu Deus, a comer lixo!

E tantas vezes quis ser como tu,
Planar além do alcance, a olho nu,
Aproveitar a vida sem capricho,
Ser até conhecida como... bicho!"

"Natureza", urubu disse, "me ensina
Que se, de um lado, impõe limitações,
Do outro só virtudes que combina.

És símbolo de paz, eu sou de morte,
Mas não são atributos, são ações
Que busco prá seguir felliz e forte."



HOMENAGENS:


CASTRO ALVES

Deus, ó Deus, onde está pousado o Castro?
Ave de Andrada e de um país inteiro
Andará num navio, não mais negreiro?
No pendão brasileiro, junto ao mastro?

Ou fez a liberdade dele um astro,
Prá iluminar a praça, em fevereiro?
Poeta social, gênio e guerreiro -
Vozes do mundo irão seguir seu rastro.

Hoje, enquanto o lirismo, em versos bravos,
Transpira, do condor que morreu novo,
Às bocas dos herdeiros dos escravos,

Espumas flutuantes vêm da serra
Trazer, na cachoeira, a voz do povo:
"Alvesverde pendão da minha terra..."


O ALMIRANTE NEGRO

A Guanabara em súbito temor...
Aos canhões dos navios os ancestrais
De escravos, castigados sem pudor,
Clamavam: "Chibatadas nunca mais!"

Liderando a revolta um promissor
Marujo, em condições tão desiguais,
Dava sinais aos seus irmãos de cor
Que apontassem as armas para o cais.

Tentaram ofuscar sua vitória
Aqueles que, dos tempos de Palmares,
De vergonha mancharam nossa história.

Mas ficou conhecido pelos mares
Esse Almirante Negro, cuja glória
Da branca estupidez livrou seus pares.


MILTON NASCIMENTO

É santa a sua voz, manto sagrado
Que remove as montanhas, com cuidado,
Prá durar. Ó Deus, salve este oratório,
Que Maria amaria, ao ver, simplório.

Tem três pontas de areia o seu arado,
Que já fez cio da terra. Traz, guardado
No peito, ao lado esquerdo, o repertório
Que - em travessias - jaz, bem mais notório.

Paixão mineira, em mil tons repartida,
Toca, do nascimento até a foz,
Corações de estudantes, feito nós.

Por ser ponto de encontro e despedida,
Não cansa de viver bailes da vida,
Nem de cantar... com força, raça e voz.


Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes