Poemas de Sylvia Plath em PELA ÁGUA (Crossing the Water), Ed. Assírio e Alvim, Portugal, 2000. A lua e o teixo Esta é a luz da razão, fria e planetária. As árvores da razão são negras. A luz é azul. As ervas descarregam as suas mágoas nos meus pés como se eu fosse Deus, Picando os meus tornozelos e murmurando a sua humildade. Esfumadas, inebriantes neblinas habitam este lugar Separado da minha casa por uma fieira de lápides. Só não consigo ver para onde se vai. A lua não é nenhuma porta. É um rosto em seu pleno direito, Branco como os nós dos dedos e terrivelmente transtornado. Arrasta o mar atrás de si como um delito obscuro; silenciosa Com a boca em O num esgar de total desespero. Vivo aqui. Duas vezes aos domingos, os sinos assustam o céu Oito línguas enormes a afirmar a Ressurreição. No final, fazem soar os seus nomes sobriamente. O teixo aponta para o alto. Tem forma gótica. Os olhos seguem-no e encontram a lua. A lua é a minha mãe. Ela não é doce como Maria. As suas roupas azuis libertam pequenos morcegos e corujas. Como eu gostaria de acreditar na ternura O rosto da efígie, dulcificado pelas velas, A desviar para mim, em particular, os seus olhos ternos. Caí muito longe. As nuvens a florescer Azuis e místicas sobre a face das estrelas. Dentro da igreja, os santos vão ficar todos azuis, A pairar com seus pés delicados sobre os bancos frios, De mãos e rostos rígidos pela santidade. A lua não vê nada disto. É calva e selvagem. E a mensagem do teixo é a escuridão escuridão e silêncio. Colhendo amoras Ninguém no caminho, e nada, nada a não ser amoras, amoras dos dois lados, embora mais à direita, uma álea de amoras, descendo em curvas fechadas, e um mar algures, lá ao longe, arfando. Amoras tão grandes como a cabeça do meu polegar, e mudas como olhos negros nas sebes, repletas de um suco azul-vermelho. Este desperdiça-se nos meusdedos. Não pedira tal comunhão de sangue; devem amar-me. Comprimem-se numa garrafa de leite, de encontro aos seuslados. Sobre mim passam, com a sua cacofonia, os corvos em bandos negros, pedaços de papel queimado oscilando num céu ventoso. A sua voz é a única que está a protestar, a protestar. Julgo que o mar não vai mesmo aparecer. Os verdes e altos prados brilham como iluminados por dentro. Chego a um arbusto de bagas tão maduras: é um arbusto de moscas, suspendendo os seus abdómens azuis esverdeados e os vidrilhos alados de um biombo chinês. O festim de mel das bagas surpreendeu-as; julgam-se no paraíso. Para além de uma curva, as bagas e os arbustos acabam. A única coisa que vem a seguir é o mar. De entre duas colinas sopra contra mim um vento súbito, sacudindo como fantasmas a sua roupa branca contra o meu rosto. Estas colinas são demasiado verdes e suaves para terem saboreado o sal. Sigo, entre elas, a vereda aberta pelas ovelhas. Uma última curva leva-me até à face norte das colinas, e a face é urna rocha alaranjada que olha para nada, nada a não ser uma grande extensão de luzes brancas e cor de estanho e um ruído como o de um ourives batendo sempre um metal rebelde. Ovelhas na névoa As colinas penetram na brancura. Homens ou estrelas olham-me com tristeza, desiludo-os. O comboio deixa um rastro do seu alento. Oh vagaroso cavalo da cor da ferrugem, Cascos, dolorosos sinos... Toda a manhã a manhã obscureceu uma flor abandonada. Os meus ossos absorvem a quietude, longínquos campos enternecem o meu coração. Ameaçam levar-me para um céu sem estrelas e sem pai: uma água negra. Papoilas em julho Pequenas papoilas, pequenas chamas infernais, sois inofensivas? Estremeceis. Não posso tocar-vos. Ponho as minhas mãos por entre as chamas. Mas nada queima. E fico exausta quando vos vejo estremecer assim, pregueadas e rubras como a pele da boca. Uma boca há pouco ensanguentada. Pequenas orlas de sangue! Há nela um fumo que não consigo tocar. Onde está o vosso ópio, as vossas cápsulas nauseabundas? Se eu pudesse esvair-me em sangue ou dormir!... Se a minha boca conseguisse desposar uma tal ferida! Ou os vossos licores me penetrassem, nesta cápsula de vidro, trazendo-me a acalmia e o silêncio. Mas sem cor. Sem nenhuma cor. Traduções de Maria de Lourdes Guimarães