A CABEÇA DE CORVO
Ao Dr. Edmundo Lins NA MESA, quando em meio à noite lenta Escrevo antes que o sono me adormeça, Tenho o negro tinteiro que a cabeça De um corvo representa. A contemplá-lo mudamente fico E numa dor atroz mais me concentro: E entreabrindo-lhe o grande e fino bico, Meto-lhe a pena pela goela a dentro. E solitariamente, pouco a pouco, Do bojo tiro a pena, rasa em tinta... E a minha mão, que treme toda, pinta Versos próprios de um louco. E o aberto olhar vidrado da funesta Ave que representa o meu tinteiro, Vai-me seguindo a mão, que corre lesta, Toda a tremer pelo papel inteiro. Dizem-me todos que atirar eu devo Trevas em fora este agoirento corvo, Pois dele sangra o desespero torvo Destes versos que escrevo.
Sobre o objeto descrito neste poema há uma referencia no poema A VISITA de Carlos Drummond de Andrade, que descreve uma visita que Mario de Andrade fez ao poeta Alphonsus de Guimaraens em 1919: Comentários,
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Fróes.
Alphonsus de Guimaraens - in Kiriale (1891 - 1895)
"...
Então sou The Raven
a stately Raven of the saintly days of yore,
não in the bleak December, mas neste friim matinal de julho?
...
Aliás, que vejo em sua escrivaninha?
Esse negro tinteiro
Que a cabeça de um corvo representa,
Junto à medalha da Virgem Dolorosa...
É, também sou de algum modo o Corvo, tenho-o de cor,
pousado no crânio esculpido da memória... Quer ver?
Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary...
Estou vendo que o amigo (assim o chamo, assim o quero)
sabe mesmo as 18 etrofes de desesperança e treva ...
... A rua tão vazia
toda se enche com o vulto do viajante
alto, entre sobrados, desaparencendo
qual se fora, em contraste, a ave antiga ..."
(in A Visita, Carlos Drummond de Andrade, Ao Gosto Augusta Edições, São Paulo, 1979)