Angela de Campos
Angela de Campos
Angela de Campos
feixe de lontras


focas no zôo

Andorinhas aquáticas
insones facas
deslizam,
águas de bigodes
se retorcem
e retrocedem sonhando
estáticas,
a maleável graça
das marinhas desfocadas


seals at the zoo

Aquatic swallows
sleepless knifes
slide,
waters with moustache
turning themselves
and retroceding dreaming
static,
the malleable charm
of the unseen sealed seas.
                   (trad. Ana Carolina C. Braz)



in Revista Monturo nº 3, Brasil.





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Teus dedos farpas facas travessões
deitam em desejo metáforas do toque,
teus olhos lastros lábios luz
escorrem em silêncio velados beijos de veludo.

Teu escuro no escuro
sombra
  



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Sismo


ácido tácito
dos tamarindos
fincado no queixo
só o olho
espelho em cismas
se mexe
o corpo
órgãos sem som
concreto e órfão
de chão de teto,
cai imóvel


		México, 08.X.95
		in Revista Inimigo Rumor n° 2, 1997, p. 28


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O tempo soluça no relógio
as rugas horizontais
que não tatuam meu rosto.
Ponteiros
agulhas invisíveis
injetam o ritmo
que infecta o dia.




Time hiccups from the clock
the horizontal wrinkles
that don't tattoo my face.
Invisible needles
its hands
inject the rythm
that infects the day.
                    (trad. Michael Palmer)



in Nothing the sun coudn't explain, 20 Contemporary Brazilian Poets, EUA, 1997.




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elo


flamboyants no verão da lagoa
flambam a primavera de chão pintado
consangüínea cadencio montanhas
sinto o ar
que toca o corpo
o tempo todo
guincho rubro inflama cor e cheiro
nos flancos desfeitos em placas
sinto o ar
que toca o corpo
o tempo todo
escorre em vão
garras meladas de sobrevivente
vexame de abelha
o tempo todo




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Volto para casa
teta do tempo derramado
vento idéias sem telhado,
alvéolo que produz torpor.

Engomo tangerinas no céu,
é tarde.




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Paisagem

O vazio sobre o ventre
derrama nas pernas longas horas
longos dias em pés descalços de crianças
tranças crescem
na janela que não aparece
onde não passam cavalos
e o mato invadiu




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Lume

De lírios não falo,
talvez uma forma de suor
que em mechas pálidas
apanha um feixe de lontras
lavadas de luz
sal e mão,
o espelho feito pedra
escama em silêncio
e esguelha intercalado
o espaço de um momento
em que cato o anjo coxo
vibrando no vôo
do fósforo decapitado.




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dedos negros nas vidraças

o azul vitral
reage e anila
a fúcsia que asfixia,
assovio berrante,
fico em floração
entre vermelho e rosa
de uma palavra crua
que abre desencarnada,
desperta a sirene
cor granada chuva de chumbo
e nada
no amanhã




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A tarde se estira
no dorso de um tigre
veloz —
o duro mel dos olhos
encorpa em camélias
súbitas esquinas sem beijos, —
todos os minutos se espreitam.




Afternoon stretches out
on the back of a swift
tiger -
the hard honey of the eyes
thickens into camellias
sudden corners without kisses -
all the minutes spy on each other.
                         (trad. Michael Palmer)

          



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Narciso

a água cala
e lisa pára o múltiplo reflexo
por segundos
abre um sono de prata
em pedra e gota
a imagem se esquece
na pétala que decepa
olho por olho




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A corcova calva do camelo
me traz o desejo
de incendiar vogais
e ruminar as cinzas arenosas.

Como a alma acalma o coração?
Talvez com dromedários.



The camel's bald hump
wakes my desire
to burn the vowels
and chew the gritty ashes.

How does the soul soothe the heart?
Maybe with dromedaries.
                    (trad. Michael Palmer)

          



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Icto

traço a poeira
das palavras que me pensam
compasso
do ócio
o osso que rôo
até o tutano
no aconchego de ninharias chocadeiras


in revista Afinidades Eletivas nº 9, 1998.

 

(Do livro Feixe de Lontras, Ed. Sette Letras, Rio de Janeiro, 1997)

 

Angela de Campos?

Copyright © 1999 by Angela de Campos.

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: Elson Fróes