Zauberbuch
a Jorge
Luis Borges
Todos
os livros
os Sutras, o Corão
os Vedas, o Zohar
são enigmas: jardins verticais
rios insubmissos
listras de mármore possesso;
todas as páginas
em lâminas de argila, pele de carneiro
folhas de papyro ou rubro ouro esculpido
são impossíveis, viscerais
areia alucinada.
Os livros, Borges, inventam os leitores
e os nomes de vales, savanas, estepes
e de amplas avenidas que ignoramos;
vivemos essa efêmera realidade
para lermos suas secretas linhas,
e nossos filhos e netos.
Um dia, porém, os livros
últimos demiurgos desaparecerão,
como o grifo e o licorne
e ler será apenas lenda.
Pequeno Sermão aos
Peixes
a José Kozer
a
água
é luz, a água
é sêmen, prata, mercúrio
espelho esférico de imagens trêmulas
que brotam, flutuam e cessam
oh esplêndidas carpas!
entre rajados cardumes, coroas de branca espuma
e radiantes medusas
lâminas prismáticas de uma vasta geografia
vi o galho curvo da cerejeira
uma nuvem, meu rosto
e a rã
Liber Aquae
a Luiz R.
Guedes
Um
livro da água;
espiraladas páginas
de jade em tumulto;
côncavo espelho desolado
em que o tempo lento flui;
quem teceu em musselina
a tormentosa tapeçaria
de sua secreta escritura?
A esfíngica branca lua abissal
e o temerário dragão-de-nébula
são líquidas ficções alucinadas
de suas vagas de chrysoprasu?
Heráclito leu em seus enigmas aquosos
aquilo que Lao-Tsé pensou em Cathay,
alfombra de arqueiros e calígrafos?
O mar floresta sinfônica, seminal
verde lume seda enlouquecida
em arabescos metáfora insidiosa
da eternidade num círculo de águas
Encantação do
Tigre
o
mar;
digo: tigre,
pupilas de verde fúria;
suas tígricas vagas, garras,
punhais esfervilhantes
em arcadas de espuma, presas aguçadas;
o fluir e o refluir de suas águas
em ondulação, tigrinoso emblema da fera,
cantabile alabarda em jaspe e luzidia prata urdida,
nos seduz como selvagem dança sarracena,
seus lenços de tépida alfazema escura;
dissolvidos em seu puro olhar
de algas em si algas, najas, corais
em opalino alvoroço musgoso,
não mais resistimos, estancados na argêntea areia,
e entramos em suas águas de água
sob o sol; aí cessamos.
J' aime Joyce
um
dia dédaluz
d' histéria: ninmelífluas
y fáusticos anemistriões
na doida dublinduende d' odinzeus
tuas dádivas: dúvidas y dívidas!
pústulas pútridas d' amargavida
y a deus disse: ah, deus...
um dia um fado um medo
em dublinfluente
jaz em mim
Ode Serial
a Elson
Fróes
I
fagulhas
de ouro
_ a fala
do leão
II
begônias
do branco
ao rubro
sempreluz
III
cantovital
flui lírico
da jugular
à carótida
Li T'ai Po
no
jardim
verde-jade
flores líquidas
fluem, no tanque:
_ aqui é além
de Qualquerparte
Lição da água
I
o
mar,
fêmea
possessa.
sua fala
de suave
lâmina
abissínia;
o ritmo
ondulado,
que flui
em espiral;
a precisão
especular
do teatro
aquático;
o secreto
pugilato
que sulca
as rochas.
II
o
mar,
leoa
furiosa,
ensina
ao poeta
sua arte
plumária;
a dança-
escultura
das vagas
incessantes;
a pulsação
do poema,
seus ciclos
menstruais.
o
mar
ensina
ao poeta
sua arte
sem arte.
(Poemas do livro Yumê)
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