Poemas de Donizete Galvão

 



Oração natural



Fique atento
ao ritmo,
aos movimentos
do peixe no anzol.
Fique atento
às falas 
das pessoas
que só dizem
o necessário.
Fique atento
aos sulcos
de sal
de sua face.
Fique atento
aos frutos tardios
que pendem
da memória.
Fique atento
às raízes
que se trançam
em seu coração.
Fique atento.
A atenção
é sua forma natural 
de oração.





Lembrança de Severo Sarduy



Ao ferir
com a tesoura
a haste
da manga,
escorre
o líquido,
visco
oloroso
prenunciando
nas ventas
o doce gozo.
Antecipação
do paraíso
na tarde calorenta
do gelado
suco de manga
deslizando
na garganta.





O grito



O porco guincha
e sob a pata dianteira
sai a golfada de sangue
que enche a bacia.


Horas depois, 
pronto o chouriço, 
comemos o sangue preto,
as tripas, o grito.





Ostras



A ostra
e a aspereza
de sua crosta.
O acúmulo
de craca
nas rugas
da carapaça.
O cheiro podre
de mangue
entranha-se nas digitais
e no tecido das narinas.
Lembram ao homem
seu invólucro de lama.

A ostra
é metade pedra,
calcárias escaras
brancas que se abrem
aos golpes da faca.
Por fora, objeto
coberto por perebas.
Por dentro, fêmea
líquida em leito
de nácar.
Trêmula rosa,
íntima  e recém-nascida,
envolta em gosma.

A ostra
se fecha
e na sua
caixa tosca
purifica-se,
protege-se
do lodo.
Oculta,
eleva
sua carne
ao limite
da sólida
pérola.

 

do livro Ruminações

Leia entrevistas com o poeta em
Balacobaco e Verbo 21

Donizete Galvão?

Copyright © 1998 by Donizete Galvão.

 

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: Elson Fróes