Oração natural Fique atento ao ritmo, aos movimentos do peixe no anzol. Fique atento às falas das pessoas que só dizem o necessário. Fique atento aos sulcos de sal de sua face. Fique atento aos frutos tardios que pendem da memória. Fique atento às raízes que se trançam em seu coração. Fique atento. A atenção é sua forma natural de oração. Lembrança de Severo Sarduy Ao ferir com a tesoura a haste da manga, escorre o líquido, visco oloroso prenunciando nas ventas o doce gozo. Antecipação do paraíso na tarde calorenta do gelado suco de manga deslizando na garganta. O grito O porco guincha e sob a pata dianteira sai a golfada de sangue que enche a bacia. Horas depois, pronto o chouriço, comemos o sangue preto, as tripas, o grito. Ostras A ostra e a aspereza de sua crosta. O acúmulo de craca nas rugas da carapaça. O cheiro podre de mangue entranha-se nas digitais e no tecido das narinas. Lembram ao homem seu invólucro de lama. A ostra é metade pedra, calcárias escaras brancas que se abrem aos golpes da faca. Por fora, objeto coberto por perebas. Por dentro, fêmea líquida em leito de nácar. Trêmula rosa, íntima e recém-nascida, envolta em gosma. A ostra se fecha e na sua caixa tosca purifica-se, protege-se do lodo. Oculta, eleva sua carne ao limite da sólida pérola. |
do livro Ruminações
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Balacobaco e Verbo 21
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