da cozinha

da cozinha
à sala

almofadas
vermelhas

a cor se fecha
em seus

cílios
pálpebras

dormem
com o cheiro

de hortelã.
pia: acaso

de água.
torneira

aberta
manhã

jorra
sol

deslocação
lugares

que não
se fixam

:

dias




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




a voz


a voz foge da sala:
crisálida,

não o perfume
mas a linha

em torno ao vaso,
papoula de vento
na varanda

em seu lugar
antes da fala.




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




num quadro de edward hopper


a vida destrói
um sol
quase esquecido
numa tela
de hopper:

o posto de gasolina
abandonado,

onde um senhor,
talvez o dono,

em seu ócio,
rega a grama

com sua bomba
de petróleo.




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




poeira


poeira que
a janela
junta no vácuo

lugar aberto
sons no rádio

fragmentos de silêncio
também se depuram
no vazio do espaço




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




manhã


quando chega
a manhã,

o lago
também reflete

estantes

(a palavra clara
dentro do seu nome),

como se vidros

sentissem saudade
depois que passa

a paisagem




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




rosto


que se turva
a palavra, enfim

sem marcação —

rosto esquecido
dentro do livro




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




*

supor que
do dia, viés
atrás da chuva
calçadas
guias

*

um prédio
apoiado em seu
néon de flores
primavera

*

outro rosto
atrás do vidro
se afasta
além de tudo

*

com suas
paisagens
para nunca
casas no olhar




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




aquário


todo fragmento
se compõe
paisagem:

depois do verde
(jardim no líquido),

um aquário

inova o limo
da água,

inventa seu sol
no musgo.




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




alguma palavra


alguma palavra,
fragmento, saudade,
cheiro que,

quando a porta
se fecha, apenas
deixa de sê-lo,

a não ser —
enquanto existe —
costuma durar,

ficando, às vezes,
na roupa, no cabelo,
na manga da camisa

como cheiro de cigarro
sem a pretensão
de existir.




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




cômodos


casas se acumulam
em breve
antes do anúncio
das estrelas

no recuo das datas,
novo acúmulo – 
noite caída sobre 
um dia sem música

daqui, cômodos 
adiam nova estação 
da mesma janela

onde a cor desenha
elipses no reflexo
umas sobre outras
sem deixar rasura




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




samambaia


o que leva consigo — 
mais uma manhã

entre seções de azul,
cor opaca

em desalinho
sobre o pano de mesa:

a casa sozinha —
o que se afasta ainda

quando, de repente,
o dia implode
 
na seqüência da tarde,
finalmente ela desfolha

minha única musa,
a samambaia.




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




ipê


pinheiros retraídos
antes da cerca
  
até casas vizinhas
(talvez os únicos
alçados para a rua)

ainda se este ipê
contasse ao menino

palavras moram 
nas azaléias 
do canteiro

o lilás do rosto
seria mais intenso




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




linhas


todas as linhas são contínuas — 
estações de trem, cidades
para nunca mais

o tempo, um pé de acácia
ao sul daquele lugar —

seriam estrelas sobre o teto,
nenhum lugar que fuja

a cada aceno — esta carta
em que o céu não cabe, 
sem selo, grafias,

extensões sozinhas
sem remetente




.   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .   .




entre


entre o muro
e a grama, orquídeas

disseram da chuva
nome mais antigo
que perfume.

quando retornas à janela,
um pouco de jardim
ainda resta — 

o pinheiro sendo cortado,
folhas secas,

nenhuma primavera
segura.




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André Dick?

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