A Noiva convida-nos ao seu quarto/quadrilátero de vidro. Mas o convite é reservado apenas a nossos olhos. Passivos, onanistas, podemos tão-somente assistir ao fato consumado. Que fato? Que fatos vestem a Noiva envolta em nuvem de enigmas? Duchamp ri-se de nós com suas caixinhas de surpresas coloridas.
E os quadriláteros na nuvem-véu?
[Rápido enquadramento].
Seriam os 3 quadriláteros que formam a obra? O superior, onde se encontra a Noiva; o inferior, onde estão os Celibatários e as Testemunhas; e a soma dos dois: a obra, janela indiscreta que, como a de Hitchcock, deixa-nos em suspense, tal qual a nuvem-véu que sai da te(s)ta da Noiva *.
Assim como na película hitchcockiana, olhamos. Só(s,) olhamos. Qualquer ato nosso é falho. Qualquer ato é vertigem. Um conceito que cai. Vertigo.
Sim, vertigem.
Vertigem é o que há no andar de baixo. Os Celibatários na sua tontura eterna onanistas aleijões carregados pelas cadeiras de rodas dos olhos. Tontura, vertigem. As formas circulares do plano terreno (A Noiva-Nuvem-Virgem, Altiva) identificadas pelo triturador de chocolate, pelo moinho sob os Celibatários e, principalmente, pelas 3 Testemunhas Oculistas ** situadas no lado direito do quarto dos Celibatários, logo abaixo do pequeno círculo que, segundo Octavio Paz (Paz, 1997, p. 80), seria o buraco da fechadura por onde se bisbilhotaria a privacidade da Virgem. (Porém, pra mim, esse círculo virtuoso é a vertigem que se concentra, depois dos três movimentos de expansão sugeridos pelas formas das Testemunhas).
No quarto da Noiva não há formas circulares. Só há os 3 quadriláteros, espelhos onde a Noiva vê-se através de nossos olhos.
“Reversibilidade: nós nos olhamos olhando-a e ela se olha em nosso olhar que a olha nua”. (Paz, 1997, p. 82)
A Noiva, Narciso condenado a um “round-trip” (Paz, 1997, p. 86) vertiginoso, deflora-se no redemoinho de sua lago-trip.
Nós, testemunhas inclusivas, somos o cone {Tamis, a cona, t'amie} prestes a sermos desvirginados pelo dedo criador da dúvida?
* A nuvem-véu também é chamada de Via Láctea, o que nos remete a Hera, que, segundo reza a lenda, teria criado a Via Láctea com o leite esguichado de seu peito. Hera, que um dia fora pendurada por Zeus em uma nuvem, seria, também, a representação da atmosfera pesada e escura prenuciadora das tempestades (Guimarães, 1999, p. 170). A Noiva e Hera, arte e mito: nuvens-útero prenhes da água semeadora e do raio iluminador.