50 anos*

Régis Bonvicino


Faz cinco anos que Paulo Leminski morreu. Completaria, em 24 de agosto, 50 anos. Quando de sua morte, em 7 de junho de 1989, já era considerado um dos principais nomes da literatura contemporânea brasileira.
Este primeiro "quinquênio" de sua ausência só fez aumentar o prestígio de sua obra múltipla de prosador (e quem escreveu, depois dele, alguma coisa do nível do "ilegível" "Catatau" ou de "Agora é que são elas"?), de tradutor (de Samuel Beckett, por exemplo), de crítico (as "biografias" de Bashô, Cruz e Souza etc) e de poeta (um fenômeno de criatividade e de vendas –"Caprichos e Relaxos" e "Distraídos Venceremos" ultrapassaram a casa de cinco edições seguidas, o que para poesia não é pouco).
Entretanto, sua obra, embora vasta, não começou sequer a ser estudada. Talvez seja este um indício da indigência em que se encontra a crítica e a ensaística literária no país. Partem de poetas as poucas reflexões feitas sobre o legado de Leminski. A recepção de seus textos dá, pelo menos até agora, razão ao Maiakóvski de "Hino ao crítico": "Da paixão de um cocheiro e de um lavadeira/ Tagarela, nasceu um rebento raquítico".
Ao contrário da exuberância da personalidade e da prosa (Catatau pode ser considerado neobarroco), a poesia de Leminski se caracteriza pela extrema concisão ("sim/ eu quis a prosa / essa deusa / só diz besteiras / fala das coisas / como se novas). Concisão, no caso dele, adquirida pelo contacto com a poesia concreta, então recentíssima, já que Leminski estreou em 1964 na "Revista Invenção" –oito anos após o lançamento do concretismo.
Porém, uma concisão diversa das dos poemas concretos históricos. Uma concisão aliada à fala e ao registro instantâneo da existência: "me enterrem com os trotskistas / na cova comum dos idealistas / onde jazem aqueles / que o poder não corrompeu...) ou, de modo mais claro, "você /com quem falo / e não falo / centauro / homem cabalo / você / não existe / preciso criá-lo".
Veja-se a sutileza de "ameixas / ame-as / ou deixe-as", poema que se contrapunha ao slogan "Brasil, ame-o ou deixe-o", do governo militar. A concisão de Leminski, embora zen, em muitos momentos, era violenta, contra si mesmo, sem, por exemplo, o bom-mocismo que hoje dá o tom da poesia mais atual: "o pauloleminski / é um cachorro louco / que deve ser morto / a pau a pedra / a fogo a pique / senão é bem capaz / o filha da puta / de fazer chover / em nosso piquenique".
Como não reparar nas coincidências manifestas de uma canção tropicalista como "Cinema Olímpia" ("eu quero pulgas mil / na geral") e o poema: "quero a vitória/ do time de várzea / valente / covarde/ a derrota do campeão / 5x0 / em próprio seu chão / circo / dentro / do pão"?. A concisão dos poemas concretos heróicos (década de 50 e início dos 60) estava voltada para definições radicais de linguagem: formas exatas e suas representações, sem espaço para o registro subjetivo mais explícito. A concisão, na poesia de Leminski, surge como um dado de linguagem objetiva e possibilidade de registro subjetivo, na contramão do lirismo prolixo, à brasileira.
Se Oswald foi o inventor do poema-minuto, arriscaria dizer que Leminski criou alguma coisa como o poema instantâneo, fundindo a infraestrutura concretista com a dicção coloquial e anárquica inventada aqui por Caetano Veloso e Torquato Neto. A estes dois elementos acrescentou o dado biográfico –não como confissão, mas como escárnio ou reparação: "se tudo / sucede/ súbito / eu não faço / expludo". É o quase verso "staccatto" e, simultaneamente, fluente: "de repente / me lembro do ver de / da cor verde / a mais verde que existe...".
Outra característica da poesia de Leminski é a constante tentativa de exposição de idéias. Concisão. Expor idéias com poucas palavras. Hai-kai. Zen mas militante. Se, em Leminski a concisão se dá como brevidade, vinda da urgência da existência, em outro poeta de sua geração, Duda Machado, ela está também presente, porém, como exatidão, precisão.
Duda, que é, ao lado de Leminski, o melhor poeta de sua geração, teve percurso semelhante mas inverso: partiu da Tropicália, passou por dentro da poesia concreta, para criar uma poesia, própria, de imagens e metáforas precisas: "não sou / o que / nem / o quem / do que / digo / em suma: poeta / o sumo / mendigo" ou ainda "neon insone / esquinas frigorífico / na madrugada / drogada/ céu e asfalto / se ombreiam / exaustos..." Dois textos sobre o mesmo tema, a sombra. A explosão de Leminski: "sombras / derrubam / sombras / quando a treva / está madura / sombras/ o vento leva / sombra / nenhuma / dura".
A precisão de Duda, com tensão: "impressa contra o muro / a sombra luta / contra o luto / que lhe impõe / o outro".
Fica, para mim, também, a poesia de Leminski, como registro ou protesto contra um momento ou uma época fútil (de vencedores sem vencidos): "apagar-me / diluir-me / desmanchar-me / até que depois / de mim / de nós / de tudo/ não reste mais/ que o charme". Pronunciando-se a partir de um silêncio galante e atormentado, Leminski ensinava: "de som a som / ensino o silêncio / a ser sibilino / de sino em sino / o silêncio ao som / ensino".


Régis Bonvicino

 

Régis Bonvicino é poeta, autor, entre outros livros de "Bicho Papel" (1975), "Sósia da Cópia" (1983), "Céu-eclipse" (1999), "Envie meu dicionário" (1999) correspondência com P. Leminski.

 

*OBS.: Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo, 21 de agosto de 1994, com o título "A antilírica concisa do poeta Paulo Leminski".

Copyright © by Régis Bonvicino

 

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