Catatau:
o estandarte da insubordinação*
Paulo de Toledo
M. Bakhtin em seu célebre trabalho Problemas da Poética de Dostoiévski afirma a respeito do autor de O Idiota:
Em essência, todas as particularidades da menipéia (com as respectivas modificações e complexificações) encontramos em Dostoiévski. [Bakhtin, 1981, p. 104]
Acreditamos que, como Dostoiévski, Paulo Leminski seja um legítimo representante da tradição da literatura carnavalizada 1, mais especificamente do gênero “sátira menipéia”, assim como este é definido pelo teórico russo.
A obra leminskiana que encarna (porque está na carne da obra) o gênero menipéia com maior amplitude e profundidade é o Catatau. Sobre esta obra podemos afirmar o mesmo que Bakhtin diz com relação a uma das obras dostoievskianas:
nessa obra de Dostoiévski, o gênero da menipéia continua a viver sua plena vida de gênero, pois o viver do gênero consiste em renascer e renovar-se permanentemente em obras originais. [Bakhtin, 1981, p. 122]
Por acreditarmos na filiação do Catatau com a tradição do gênero menipéia, não nos alongaremos procurando as afinidades entre a obra de Leminski e as principais características da menipéia arroladas por Bakhtin na obra já citada. Para as intenções do presente trabalho, utilizaremos apenas uma das “particularidades fundamentais” da menipéia, segundo Bakhtin: a publicística.
A publicística é definida pelo autor russo como “uma espécie de gênero jornalístico da Antigüidade, que enfoca em tom mordaz a atualidade ideológica”. [Bakhtin, 1981, p. 102]
No Catatau, a “atualidade ideológica” a ser satirizada em “tom mordaz” divide-se em dois planos temporais: a) o presente da narrativa, ou seja, o Brasil holandês, século XVII; b) o presente do escritor, ou seja, o Brasil da ditadura militar, iniciada com o golpe de 1964.
(Lembremos que, segundo o próprio Leminski, o Catatau foi escrito entre 1966 e 1975, portanto em pleno período ditatorial).
A satirização do domínio holandês na Recife seiscentista é facilmente verificada ao longo de todo o catatau leminskiano. Nassau, Marcgravf, Post, Eckhout e todos os sábios que vieram a serviço da Companhia das Índias Ocidentais são, no Catatau, alvo da verve carnavalizada de Leminski. O esforço intelectual de Nassau & Companhia em enquadrar a realidade tropical em seus esquemas é virado do avesso, carnavalescamente rebaixado.
Citaremos a seguir um trecho da obra leminskiana que pensamos ilustrar com exatidão o posicionamento crítico do narrador com relação ao empreendimento batavo, posicionamento esse carregado de humor carnavalesco, mostrando como os trópicos desnortearam os sábios do Norte e seus (pré)conceitos.
Cairás, torre de Vrijburg, de grande ruína. (...) E essa torre de Babel do orgulho de Marcgravf e Spix, pedra sobre pedra não ficará, o mato virá sobre a pedra e a pedra à espera da treva fica podre e vira hera a pedra que era... (...) as tábuas de eclipses de Marcgravf não entram em acordo com as de Grauswinkel; Japikse pensa que é macaco o aí que Rovlox diz fruto dos coitos danados de toupinamboults e tamanduás; (...) Viveiro? Isso está tudo morto! Por eles, as árvores já nasciam com o nome em latim na casca, os animais com o nome na testa (...) O relógio do sol aqui é cera derretendo rejeitando a honra de marcar as horas, o esterco do preguiça nos soterra na areia movediça... Até aqui, Marcgravf; sed ego contra: Grauswinkel, Rovlox, Spix, vosso reino não é deste mundo, vossa pátria não é Germânia nem Bavaria. Teu reino é o reino animal, rei o leão; teu reino vegetal, rainha a rosa; teu reino é o reino mineral, rei o ouro! Despenca a torre com sua coroa de sextantes e astrolábios até o último burgo de casas. [Leminski, 1989, p. 34/35]
A imagem da queda da “torre de Vrijburg” (referência à torre construída por Maurício de Nassau que funcionava, entre outras coisas, como observatório astronômico) representa, na obra leminskiana, três coisas:
1. A derrota e conseqüente expulsão dos holandeses do Brasil;
2. O fracasso da lógica, da filosofia e da tecnologia européias na tentativa de organizar a realidade de nosso tórrido torrão (apesar da visão privilegiada da “torre”);
3. Em nossa opinião, a queda da torre simboliza, principalmente, a derrota da linguagem ocidental regida pela hierarquia hipotática e pela contigüidade 2. Derrota essa promovida pela força da “estrutura paramórfica” do Catatau, no qual reina Anarcos e sua não-hierarquia paratática. Catatau, portanto, é o reino das similaridades, da Analógica 3, onde a lógica aristotélico-cartesiana não serve para entender “batavina” (“Se o Brasil fosse holandês, ninguém mais entendia batavina.” [Leminski, 1989, p. 88]).
Voltando ao plano temporal relativo ao presente do escritor, acreditamos que o contexto histórico, ou seja, o Brasil da ditadura militar, está retratado com uma originalidade jamais alcançada por nenhum outro escritor brasileiro. Esta originalidade deve-se à forma “cômico-séria”, carnavalizada, com que Leminski aborda a questão do domínio militar. Diferentemente da maioria dos romances políticos que tiveram como tema o Brasil da ditadura, mas tratavam esse tema dogmaticamente, apresentando apenas uma visão politizada e ideologicamente sectária do fenômeno, o Catatau, através do riso destronador (provindo da força criativa das ruas), realiza, em nossa opinião, o mesmo feito de Rabelais, ou seja, registra o que há de caduco, de vetusto na hierarquia vigente. Estas palavras de Bakhtin a respeito de Rabelais podem ilustrar bem nossa idéia sobre como a obra leminskiana retrata o período da repressão militar.
Todo caráter determinado e acabado, acessível à época, era em certa medida cômico, pois era, afinal, limitado. O riso era alegre, porque toda determinação limitada (e portanto todo acabamento) dava origem, ao morrer e decompor-se, a novas possibilidades. [Bakhtin, 1996, p. 400]
As “novas possibilidades” encontradas no Catatau vão das formais até as ideológicas (afinal, não há arte revolucionária sem forma revolucionária).
A “crítica mordaz” ao governo militar realizada pelo autor de Caprichos & Relaxos pode ser identificada facilmente. Segundo nossa opinião, o fato de os dois protagonistas serem militares (Descartes era um oficial no exército de Nassau e Artischewsky era um coronel mercenário a serviço da Companhia) já configura uma forma de “rebaixar” a classe governante do Brasil da época. Afinal, além de serem “amantes” (o homossexualismo é mais uma forma de degradar o caráter “sério” dos personagens), Cartésio ainda é mostrado como um tolo drogado (fuma maconha) e Artischewsky chega ao final do livro “bêbado como polaco que é” [Leminski, 1989, p. 206]. Na verdade, poderíamos dizer que esses personagens são caracterizados de modo a formar, como diria Bakhtin, um típico “par cômico” carnavalesco.
Podemos comentar também a oposição guerra-festa construída no Catatau como mais uma maneira de rebaixar a classe dominante representada pelos militares. A guerra corresponde ao mundo repressivo da ditadura, enquanto a festa representa o mundo alegre da utopia e da liberdade, o mundo do carnaval. Sobre a função da festa na cultura da Renascença, comenta Bakhtin:
A festa marcava de alguma forma uma interrupção provisória de todo o sistema oficial, com suas interdições e barreiras hierárquicas. [Bakhtin, 1996, p. 77]
Leminski derruba as barreiras com sua festa de arromba da linguagem e, como um Rei Momo (rei do excesso barroco, gordura textual), abre seu carnaval para possibilitar a criação de uma nova ordem, livre da repressão hierárquica.
Cheguei tarde na guerra, já era festa e eu com armas. [Leminski, 1989, p. 83]
Este “eu com armas” é Cartésio encarnando a oficialidade militar truculenta, sendo ridicularizada pelo humor da linguagem festiva leminskiana. (O armamento filosófico cartesiano, no Catatau, é bala de “festim”).
Na guerra o necessário, na festa o luxo nesse cenário. [Leminski, 1989, p. 49]
Aqui o carnaval (o luxo) junta-se com o barroco “desnecessário” da linguagem excessiva para destronar o “necessário” da linguagem oficial e dogmática. Catatau é um campo de batalha da linguagem. Na obra de Leminski, a mistura da língua das ruas (o provérbio, o grafite, o slogan, a publicidade etc.) com a língua “literária” cria uma assimetria subversiva: a língua “normativa” cede diante do poder de fogo revolucionário da linguagem catatauesca. Novamente, Bakhtin:
As línguas são concepções do mundo, não abstratas, mas concretas, sociais, atravessadas pelo sistema das apreciações, inseparáveis da prática corrente e da luta de classes. Por isso, cada objeto, cada noção, cada ponto de vista, cada apreciação, cada entoação, encontra-se no ponto de intersecção das fronteiras das línguas-concepções do mundo, é englobado numa luta ideológica encarniçada. Nessas condições excepcionais, torna-se impossível qualquer dogmatismo lingüístico e verbal, qualquer ingenuidade verbal. [Bakhtin, 1996, p. 415]
Enfim, Leminski, com o Catatau, dá sua “festa jubilosa da língua” (N. Perlongher) para mostrar que há algo de novo no front literário brasileiro.
Além da avacalhação com os protagonistas “milicos” (CART & ART) e do tema da guerra-festa, encontramos trechos explícitos de subversão excessiva ao regime de exceção. A Ditadura, no Catatau, é mostrada pelo que há nela de risível, de ridículo e, para tanto, Leminski usa de todo um arsenal tipicamente carnavalesco: paródias, degradações, trocadilhos, inversões, satirizações etc.
Vejamos alguns exemplos dentre os muitos encontrados.
Bombas relógio, emissas intra geneticam catenam a explodir a seu bel prazo produzindo mudas: traga o afilhado da Fortuna! E traga fazendo continência! [Leminski, 1989, p. 127]
Neste trecho, retrata-se o período militar e a violência da tortura e dos atentados a bomba. Porém, o horror da violência do regime é ridicularizado pelo efeito cômico sugerido pela cena de um torturado (“afilhado da Fortuna”) sendo trazido a um militar/policial e este exigindo que o torturado venha “fazendo continência”. Como afirma Bakhtin, “o riso supõe que o medo foi dominado” e que “jamais o poder, a violência, a autoridade empregam a linguagem do riso” [Bakhtin, 1996, p. 78].
O riso deve desembaraçar a alegre verdade sobre o mundo das capas da mentira sinistra que a mascaram, tecidas pela seriedade que engendra o medo, o sofrimento e a violência. [Bakhtin, 1996, p. 150]
É esta “linguagem do riso” a arma leminskiana contra a repressão armada: FUN X GUN.
A utopia e a noção de “tempo alegre”, também características da concepção carnavalesca da realidade 4, aparece no Catatau como mais uma das formas de combate ao governo repressivo.
Um dia isto será apenas capítulo na história da repressão escrita numa catacumba das cidades futuras por netos, de renato não feitos, recebendo todo esse eco. O cão do lado de cada palavreado isca os pêlos do pegador de arrepio, pau de sebo onde ninguém sobe de surpresa. [Leminski, 1989, p. 128]
Enquanto o “tempo alegre” é explicitado no “Um dia” que inicia a primeira frase, sugerindo que a repressão “um dia” será apenas mais uma história (que saiu por uma porta) para se contar a nossos netos, o “pau de sebo onde ninguém quer subir” sugere o pau-de-arara, instrumento de tortura muito utilizado no período militar.
Algumas vezes, também, o destronamento dos ditadores é feito através de um simples trocadilho anagramático.
Recruta não retruca (...) [Leminski, 1989, p. 131]
Ao desertor, os desertos! [Leminski, 1989, p. 133]
Em outros momentos, Leminski desenvolve, através de uma linguagem intencionalmente redundante (porém altamente informativa), o horror dos torturantes inquéritos policialescos.
Inquérito, fagulha inquieta: ver. (...) Pelos poros, procurando um porão para passar, e pelo muito que lhe perguntam respondeu que sim afirmativamente dando a entender por sons e ademanes que tal ato praticara e por mais não dizer foi-lhe perguntado e quantas vezes e ele respondeu também por sons e ademanes que não sabia dizer ao certo quantas vezes tal ato praticara e assim o entendemos todos que não sabia quantas vezes tal ato praticara e sabia que tal ato praticara pois com palavras e ademanes respondera que sim e afirmativamente e disse sim e não negou negativamente mas declarou ter tal ato praticado e não sabia quantas vezes e respondeu sim positivamente e assim o entendemos todos pelo muito claro de seus sons e ademanes. [Leminski, 1989, p. 133]
O “aporismo” (referência a Drummond?) do interrogado (“procurando um porão” – porão = poro grande), que procura escapar do torturante interrogatório, afirmando qualquer coisa que lhe mandarem, é construído através de uma narrativa que gira em torno de si mesma, altamente redundante em seu léxico e sintaxe, que mimetiza o tautológico discurso do torturado na sua quase loucura.
As sessões de tortura são tratadas outra vez com humor rabelaisiano no trecho abaixo.
Maltratado que nem cavalo de exu, apanha mais que cachorro de bugre, mais bem apanhado que arara caída do pau! [Leminski, 1989, p. 134]
O pau-de-arara agora é identificado mais explicitamente (“arara caída do pau!”). Já o humor é conseguido através da criação de imagens absurdas contendo animais sendo maltratados (“cavalo de exu”, “cachorro de bugre” e “arara”), numa linguagem que soa o falar do povo em dia de feira ou em pleno carnaval. A tortura, máquina repressiva, é desmontada pelo humor, pela eterna inventividade provinda do povo e de seu riso poderosamente subversivo.
O “tema” da tortura surge mais uma vez, no excerto seguinte, construído através de uma linguagem franca, próxima da linguagem oral, desobediente das convenções e etiquetas verbais, além de carregada de humor:
Me enfiam um trabuco goelas abaixo, confesso tudo e ainda reclamam do sotaque! [Leminski, 1989, p. 156]
Novamente, no trecho a seguir, a violência da ditadura é tratada de forma cômica.
Uma das especialidades da nossa cozinha local é a mais deslavada ausência de tempero: pau, e pau lhe damos, quebrou, pagou! [Leminski, 1989, p. 184]
Nossa “cozinha local”, com seu destempero do tipo “bateu, levou”, é revelada em toda a sua truculência no trecho acima, no qual a linguagem, próxima do registro oral e cheia de vocábulos gírios, remete-nos ao falar das ruas, onde Leminski (polaco com um pé na cozinha) foi buscar os ingredientes para o seu macarrônico Catatau. (A imagem dessa “cozinha” catatauesca lembra-nos os comentários de Bakhtin sobre as imagens rabelaisianas das batalhas, as quais, graças ao espírito carnavalesco da narrativa, transformam-se em “alegre festim” 5).
Para finalizar com nossos exemplos sobre a presença do tema da Ditadura no Catatau, citamos um último e exemplar excerto, no qual a denúncia dos assassinatos de milhares de brasileiros durante o governo militar é realizada de forma extremamente inovadora e, principalmente, com uma dicção puramente carnavalesca.
Fiquei muito sentido! Todo um quarteirão de mortos! [Leminski, 1989, p. 169]
O “sentido” ambíguo, sugerindo o “Sentido!” militar e também o sentimento, a dor, do eu que narra, é uma clara forma de “degradação paródica” (Bakhtin) dos militares. Por sua vez, o “quarteirão de mortos” leva-nos, através de uma associação de formas, a ler no quarteirão o quartel militar, lugar que, no governo de exceção, servia de campo de extermínio de “subversivos”.
Finalmente, agora que já procuramos demonstrar a proximidade do Catatau com a tradição da literatura carnavalizada, e a função da carnavalização catatauesca para o destronamento das classes dominantes (militares e holandeses) e da linguagem dominante (ocidental, “séria”, hipotática), cabe-nos perguntar por que essa obra leminskiana ainda é tão mal aceita nos meios literários oficiais e, principalmente, por que os estudiosos do chamado “romance político” brasileiro deixam essa obra à margem, quando ela, mais do que qualquer outra, mostra-se como a mais subversiva prosa que já teve como tema a ditadura militar iniciada em 1964? Provavelmente, a resposta à última pergunta seja: no Catatau, os temas (e o tema da “Ditadura”, no Catatau, é apenas um entre muitos) são escamoteados por grossas camadas de linguagem inventiva, o que acaba exigindo um esforço de escafandrista ou de mineiro para que sejam alcançados os tesouros ocultos, as preciosas pérolas irregulares lapidadas pelo gênio leminskiano.
Contra a preguiça e a mesmice das academias brasileiras (acumulam-se teses sobre Machado e Rosa nas empoeiradas estantes universitárias), citamos Eco:
Perguntamo-nos então se a arte contemporânea, acostumando-se à contínua ruptura dos modelos e dos esquemas escolhendo para modelo e esquema a efemeridade dos modelos e dos esquemas e a necessidade de seu revezamento, não somente de obra para obra, mas dentro de uma mesma obra não poderia representar um instrumento pedagógico com funções libertadoras; e nesse caso seu discurso iria além do nível do gosto e das estruturas estéticas, para inserir-se num contexto mais amplo, e indicar ao homem moderno uma possibilidade de recuperação e autonomia. [Eco, 1968, p. 148]
Logo, contra a alienação e a narcose (vide McLuhan) produzidas pelos mass media e pelos padrões (globais?) de gosto instituídos pelas academias jurássicas brasileiras, e também contra qualquer forma de opressão (seja política ou de linguagem), Catatau foi e continua sendo um “instrumento pedagógico com funções libertadoras”, subversor da paralisia cerebral reinante nestes tempos de pensamento único em nossos tristes (en)trópicos.
Paulo de Toledo
NOTAS
1 “O carnaval propriamente dito (repetimos, no sentido de um conjunto de todas as variadas festividades de tipo carnavalesco) não é, evidentemente, um fenômeno literário. É uma forma sincrética de espetáculo de caráter ritual, muito complexa, variada, que, sob base carnavalesca geral, apresenta diversos matizes e variações dependendo da diferença de épocas, povos e festejos particulares. O carnaval criou toda uma linguagem de formas concreto-sensoriais simbólicas, entre grandes e complexas ações de massas e gestos carnavalescos. Essa linguagem exprime de maneira diversificada e, pode-se dizer, bem articulada (como toda linguagem) uma cosmovisão carnavalesca una (porém complexa), que lhe penetra todas as formas. Tal linguagem não pode ser traduzida com o menor grau de plenitude e adequação para a linguagem verbal, especialmente para a linguagem dos conceitos abstratos, no entanto, é suscetível de certa transposição para a linguagem cognata, por caráter concretamente sensorial, das imagens artísticas, ou seja, para a linguagem da literatura. É a essa transposição do carnaval para a linguagem da literatura que chamamos carnavalização da literatura”. [Bakhtin, 1981, p. 105]
2 “O chamado 'logocentrismo' seria uma outra denominação para a associação por contigüidade. Quando a palavra é tomada como código central, nós somos levados a crer que todos os signos só adquirem 'sentido' quando traduzidos em 'palavrês', em código verbal. A mente racional, consequentemente, é aquela que opera por contigüidade. Quando tratam de analogia, as mentes chamadas 'científicas' tornam-se muito cautelosas: a analogia é um caminho perigoso para ser perseguido, é quase... não-científico”. [Pignatari, 1979, 106]
3 “Foi Paul Valéry, parece-me, quem pela primeira vez chamou a atenção para a necessidade de uma ANALÓGICA não apenas uma analogia”. [Pignatari, 1979, 108]
4 “Com todas as suas imagens, cenas, obscenidades, imprecações afirmativas, o carnaval representa o drama da imortalidade e da indestrutibilidade do povo. Nesse universo, a sensação da imortalidade do povo associa-se à de relatividade do poder existente e da verdade dominante”. [Bakhtin, 1996, p. 223]
5 Sobre as imagens da cozinha e do banquete em Rabelais, ver Bakhtin, 1996, cap. 3, p. 171.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail Bakhtin. Problemas da Poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1981.
BAKHTIN, Mikhail Bakhtin. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo-Brasília, 1996.
ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo, Editora Perspectiva, 1968.
LEMINSKI, Paulo. Catatau. Porto Alegre, Sulina, 1989.
PIGNATARI, Décio. Semiótica & Literatura. Icônico e Verbal. Oriente e Ocidente. São Paulo, Cortez & Moraes, 1979.
*OBS.: Texto gentilmente cedido pelo autor a Kamiquase.
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