Descartes maconheiro?
José Miguel Wisnik analisa Catatau e coloca Leminski entre os grandes
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Carlão Kaspchak


As polêmicas que cercam a vida e a obra do poeta curitibano Paulo Leminski parecem não se esgotar, tanto para aqueles que o admiram como para aqueles que o desprezam. Sua obra símbolo, Catatau (editada pela primeira vez em 1975) volta a ser o centro das atenções no programa de hoje do Perhappiness'99. O músico e professor de literatura brasileira na USP, José Miguel Wisnik, vai dar mais fôlego ao debate com a conferência "Catatau: Cartesius cannabis", a partir das 20h, no Memorial de Curitiba.
"Catatau traz questões fundamentais e antecipa, de forma original, uma interpretação da realidade brasileira a partir do mote central do texto: a hipótese de Descartes (filósofo francês René Descartes) ter vindo ao Brasil com Maurício de Nassau (militar holandês que ocupou o Nordeste no século XVII). Esta intuição do Leminski tem consequências filosófico-literárias que o colocam entre os grandes intérpretes do Brasil, como Machado de Assis, Mário e Oswald de Andrade e Guimarães Rosa", afirma. Segundo Wisnik, estas conclusões são consequência de uma releitura atenta da obra de Leminski.
"Não me interessa o folclore. O que eu fiz foi uma análise do texto e me ficou uma impressão muito forte de que se trata de uma obra que coloca questões importantes e que, por isso, deve ser lida com atenção", explica. Para ele, Leminski faz um jogo com Catatau e, ao deslocar Descartes (nomeado Renatus Cartesius no texto) para fora do eixo e colocá-lo no Brasil, ele interpreta o Brasil à luz desse deslocamento.
"Como é da tradição do Leminski, ele brinca com o grande/pequeno, com o escritor/poeta. Catatau pode ser a afirmação da polêmica criativa e também pode ser um blêfe. Pode significar tanto grande como pequeno, e Leminski dá margens a peripécias e conjecturas imaginárias que compõem um complexo temático, ficcional e filosófico original e intuitivo".
A idéia de Descartes no Brasil, como propõe Catatau, não é um absurdo, pois sabe-se que o filósofo viveu uma vida itinerante e que serviu como militar sob as ordens de Nassau na Holanda. "Descartes poderia ter vindo — por que não? — ao Brasil. Daí para ser tomado pelo delírio, pelo barato das ervas nativas, como no Catatau, seria um passo", comenta. "Ele converte isso em experiência contínua de especulação e criação de linguagem".
Wisnik explica que Leminski não está sozinho ao deslocar Descartes do seu prumo (o filósofo é considerado o fundador do pensamento moderno) no texto de Catatau. Segundo o professor, no livro O que É a Filosofia?, de 1991, Deleuze e Guattari perguntam o que seria — filosoficamente — de Descartes na Rússia.
Em outro livro, Descartes et le cannabis — pourquoi partir en Hollande, de 1996, o filósofo Fréderic Pagès, levanta a hipótese absurda, mas cartesianamente plausível, de que Descartes mudou para a Holanda por causa do liberalismo das idéias e também pela facilidade de acesso ao fumo (raiz da visão febril a partir da qual ele concebeu sua filosofia).

 

Carlão Kaspchak

 

*OBS.: Texto originalmente publicado no jornal Gazeta do Povo em 26 de agosto de 1999.

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