O ROMANCE-IDÉIA CATATAU DE PAULO LEMINSKI,
UMA ABORDAGEM LITERÁRIA E FILOSÓFICA
*

Maurício Arruda Mendonça


INTRODUÇÃO

Esta dissertação versa sobre os aspectos literários e filosóficos do romance Catatau de Paulo Leminski publicado pela primeira vez em 1975. A idéia dessa abordagem centrada no diálogo de um texto literário com a filosofia nos animou desde o princípio, uma vez que o próprio enredo da obra trata de uma hipótese ficcional sobre a vinda de René Descartes a Pernambuco durante a chamada Invasão Holandesa, ocorrida no século XVII.

Ao surgir a oportunidade de ingressarmos na pós-graduação em Letras na Universidade Estadual de Londrina em 2007, ficamos estimulados pela amplitude de discussão proporcionada pela instituição que admitiu nosso projeto de mestrado e, principalmente, por podermos encontrar uma linha de orientação que contemplasse justamente a literatura e a filosofia.

Assim, no presente trabalho a filosofia tem papel fundamental, inclusive porque nos parece que este seria o desafio para uma pesquisa em nível de pós-graduação. Ao nos debruçarmos efetivamente sobre a questão, entretanto, constatamos ser escassa a bibliografia específica sobre a imbricação de literatura e filosofia, excetuando-se os casos de aplicação de teorias filosóficas externas às obras literárias, coisa que a crítica literária de inspiração dialética hegeliano-marxista é um exemplo notável entre nós. Em face disso, encaramos a empreitada com a devida cautela de quem tenta trilhar um caminho que ainda está sendo pavimentado por recentes teorizações, provenientes mais da crítica filosófica do que da crítica literária.

Importante esclarecer aqui que, no âmbito estrito da crítica literária, não tratamos de contextualizar o Catatau como outros romances dos anos 70, preferindo nos dedicar à teoria do romance e ao leque de referências apontadas pelo próprio autor. Nesse sentido, talvez seja notada a ausência de menção ao Modernismo de 1922. Se não o fizemos foi porque Leminski não estabelece tal relação em nenhum de seus ensaios sobre seu romance, preferindo, em contrapartida, associar a obra ao Concretismo e a Tropicália os quais, em última análise, receberam significativa influência de Mário e Oswald de Andrade.

Dada a complexidade da questão filosófica no Catatau também não dos ativemos em profundidade sobre teorias poéticas aplicadas à linguagem da obra, preferindo discutir o gênero romance. Diga-se, ademais que, cronologicamente, Paulo Leminski só se dedicaria definitivamente ao gênero poesia depois da publicação de seu romance.

Feitas essas ressalvas, com relação às demais formulações teóricas esperamos ter correspondido a altura dos apontamentos sempre fecundos de nosso orientador.

Em síntese, dividimos nossa dissertação em três capítulos. O primeiro deles, “O Catatau e suas referências formais”, é essencialmente crítico-literário. Nele procuramos discorrer sobre o tema, o enredo, a linguagem e influências imediatas do Catatau. Discutimos sua relação com o Movimento Concretista, com a Tropicália, bem como com obras como o Finnegans Wake de James Joyce; Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa; e Galáxias de Haroldo de Campos, fontes diretas para a construção formal do Catatau. Enfocamos também a ligação do Catatau com o barroco literário, já que o romance é assumidamente inspirado em obras do século XVII. Dentro da mesma questão, discorremos ligeiramente sobre a pertença do Catatau ao movimento neobarroco latino-americano, ressalvando que não nos sentimos tão íntimos dessa reflexão, posto que, tivéssemos mais tempo, tenderíamos a reformulá-la derivando para uma teorização fincada nos estudos de Walter Benjamin sobre o barroco, aliás, como sugeriu o Dr. Rogério Ivano em nossa qualificação. Na conclusão desse primeiro capítulo formulamos também uma aproximação do discurso do Catatau com o teatro, aproveitando para pensar as características do monólogo e do personagem Cartésio, além de aferir os pontos de contato com obras teatrais incorporadas por Leminski, caso do Fidalgo Aprendiz de Francisco Manuel Melo; Comédia Eufrosina de Jorge Ferreira de Vasconcellos; e Esperando Godot de Samuel Beckett.

No capítulo segundo, denominado “O Catatau e o romance filosófico”, discorremos sobre a imbricação da literatura com a filosofia, valendo-nos da teoria do romance de Mikhail Bakhtin. Esse instrumental crítico-literário nos possibilitou visualizar o aparecimento do gênero juntamente como o nascimento da filosofia platônica e, em decorrência dela, pudemos avançar até o surgimento do gênero romance filosófico criado pelos filósofos franceses no século XVIII. A partir dessa caracterização passamos em revista alguns romances filosóficos dos séculos XIX e XX. Aliás, a respeito deles não dedicamos uma análise intensiva, posto que isso demandaria estudo a parte, o que excederia os limites de uma singela dissertação. Após isso, nos concentramos em compreender o Catatau como romance filosófico, e mais adiante, tentamos conceituar o que seja “romance-idéia”, expressão que Leminski cunhou como subtítulo do Catatau na segunda edição da obra publicada em 1989.

No terceiro e derradeiro capítulo, intitulado “Aspectos filosóficos do romance-idéia”, analisamos os elementos estritamente filosóficos que compõem o Catatau. Iniciamos com a reflexão de José Miguel Wisnik sobre a importância das implicações filosófico-literárias do Catatau que colocariam Leminski entre “os grandes intérpretes do Brasil” autores de “obras centrais” de nossa literatura, as quais se caracterizariam por uma “estranha” dialética, já que nelas existiriam contradições insolúveis que não geram superações ou sínteses. Essa análise, de matriz hegeliana, provém da ensaística de José Antonio Pasta Júnior sobre Grande Sertão: Veredas, aliás, devidamente creditado por Wisnik. Após esse preâmbulo, partimos para a investigação das componentes filosóficas internas que animam o Catatau, segundo seu autor as concebeu. Discutimos o pensamento pré-socrático, o pensamento oriental e o pensamento cartesiano. Com base no que investigamos, passamos a considerar a validade da aplicação externa da dialética hegeliano-marxista sobre o Catatau apresentando algumas ressalvas. Por fim, concluímos afirmando que Leminski idealizou uma configuração geral do romance-idéia segundo a dialética antinomista.

Devido à complexidade do Catatau, esperamos que estas três entradas analíticas de nossa dissertação possam ser consideradas teoricamente pertinentes no sentido de lançar luz sobre uma obra tão singular. Se tal ocorrer, cremos ter conseguido realizar nosso escopo maior. Neste ano de 2009, em que se completam 20 anos de falecimento de Paulo Leminski, é motivo de alegria poder verificar que sua obra-prima permanece viva, provocativa e fonte de inesgotáveis interpretações.


Maurício Arruda Mendonça

 

Maurício Arruda Mendonça, nasceu em Londrina-PR em 1964. É poeta, tradutor e dramaturgo, autor de Eu Caminhava Assim Tão Distraído (1997), A Sombra de um Sorriso (2002), Epigrafias (2002) entre outros.

 

*OBS.: Faça o download desta dissertação na integra em PDF (918 KB):    download

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