A leitura de Vida, mesmo por quem já tenha lido as biografias
separadamente, nos revela outras homenagens. Cada uma das quatro nos mostra
claramente um faceta da quinta: a de Paulo Leminski. Não são
propriamente biografias "stricto sensu". Mais do que o trabalho de pesquisa,
de reunião de fatos, chamam a atenção os comentários,
as escolhas dos momentos mais significativos, a homenagem à radicalidade,
ao exagero e, até, às incoerências idiossincráticas
pescadas por Leminski nas vidas alheias. Escreveu o poeta: "a vida varia
/o que valia menos /passa a valer mais /quando desvaria" ou ainda:
"a vida é as vacas /que você põe no rio /para atrair
as piranhas /enquanto a boiada passa". O biógrafo confirma
e ilustra o poeta. As"vidas"se comunicam: cada uma das biografias dialoga
com as outras três de maneira por vezes explícita ou ainda
com outras de forma implícita. As analogias dominam Vida.
Em "Cruz e Sousa - O Negro Branco" , vidas são comparadas a figuras
de linguagem: "Certas vidas são hiper-bólicas." Vida, assim
como Leminski, é um grande elogio da hipérbole. "Cruz e Sousa's
Blues" desaguam em Mallarmé, passando por Stevie Wonder e Gilberto
Gil, levando a Bashô: "Todos os rios de signos do Oriente correm
e concorrem para fazer das parcas sílabas do haikai de Bashô,
sempre, uma obra-prima de humor, poesia, vida e significado." E "todos
os rios de signos do Oriente" e do Ocidente se encontram em Jesus,
na sua arte de falar por parábolas, de revelar e esconder. Por fim,
os irmãos Karamázov desembocam na revolução,
no parricídio do czar. Em Aliocha, Ivan, Dimitri e Smerdiakov, Leminski
encontra a revolução de 1917. Em tudo encontra poesia. E
nós, em tudo isso, encontramos muito Leminski."it's only life/but
i like it /let's go /baby /let's go /this is life /it is not /only rock
and roll".
Frederico Barbosa é autor de Rarefato (Iluminuras, 1990) e Nada Feito Nada (Perspectiva, 1993). Site do autor: http://sites.uol.com.br/fredbar
OBS.: Resenha publicada no jornal Folha
de S. Paulo, caderno "Letras", 24/11/90.
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