O poder é o sexo dos velhos

Paulo Leminski




Quando eu tiver 70 anos, não tenho muita certeza. Melhor: de uma coisa eu tenho.
Vou cultivar um ódio barroco de todo mundo que puder sair com as Sônias Braga da época. Que Solanges, Cristinas e Sandras Marias não nos reserva o ano dois mil!
Até os 50, ainda tenho uma chance. Depois dos 45 anos, o gênero que dá mais pé é o de guru. Há anos, me preparo. Nunca falta uma gatinha parada no pai, que curte uns cabelos grisalhos, uma voz mais cheia de calor dos anos e que encara uma freudiana, numa "nice".
Agora, depois, não sei, não. Aliás, sei sim. Vou me candidatar. Ou adotar a modalidade terceiro-mundista dessas práticas exóticas, tipo voto. E dar um golpe de Estado qualquer.
Num passado do "Folhetim", este periódico arrebanhou declarações de vários artistas da música popular sobre política. Esse jeito estrito, óbvio, sectário, partidista, imediatamente reconhecível, com todos os seus signos à mostra.
Claro que existe, na música-poesia, uma política, que não se confunde com o cimento armado que vai na cabeça dos políticos de profissão. Uma política mais complexa, mais rarefeita, mais dialética, uma luz política ultravioleta ou infravermelha. Uma política profunda, crítica da própria política, enquanto modo limitado de ver a vida.
Mas quem vai pedir horizontes a um cavalheiro que repousa os músculos glúteos numa cadeira e, "ex cathedra", decide sobre a vida dos outros? Ou escreve seu nome na parede e pede embaixo: votem em mim?
Num futuro entrevero, pretendo aprofundar esse assunto. Por hora, sirvam essas Molotov, enquanto eu retorno, por um cômodo vício de recirculação, à declaração de Rita Lee, naquele "Folhetim".
Em resumo, Ritinha dizia, mais ou menos, o seguinte. Que ela não entendia nada de política. Mas de uma coisa ela tinha certeza. Que o mal do mundo é que quem governa são os velhos. E as mais vigorosas e generosas aspirações dos jovens não chegavam até o poder e até os centros de decisão.
Mais uma vez a agudez das crianças foi mais fundo que a bovina e ovina lentidão dos seus opressores.
E o que se vê é isso. Brejnev acenando com mão senil e trêmula para a intervenção na Polônia, acabando com a arregimentação democrática e popular dos operários polacos. Reagan tirando misseis balísticos de sua cordilheira de rugas. Ou, no Brasil, senhores que já estão além do sexo, se irritando com a exibição de seios e nádegas nas revistas lidas e compradas por meia dúzia de privilegiados.
A gerontocracia é eterna. O poder é o vício secreto dos velhos. Depois da potência, o poder. Depois do tesão, a tese.
Evidente que tem velhos jovens. E seu profeta foi Oswald de Andrade que, ao fazer sessenta anos, disse "sex-appeal-genário". E jovens velhos. Como José Guilherme Merquior atacando Caetano, detrás de uma trincheira de livros importados, achando que pensar é um privilégio dos professores de universidades ou dos áulicos de Brasília. Como a razão política é sempre totalitária, excludente e não somatória, o poder dos velhos volta-se sempre contra a potência dos jovens. Contra a alegria de viver, encarnada em Vênus (não o planeta, por favor).
Lógico, o que os dirigentes gerontocráticos de todos os regimes querem é canalizar todas as energias do indivíduo para o trabalho material. O sexo é um fim em si. Inútil. E, portanto, perigoso. Anti-social. Subversivo. A bomba-Gabeira, no panorama político e cultural brasileiro, foi a explosão do óbvio, na cara do moralismo que vai da esquerda à direita. O moralismo que forjou o mito da decadência dos excessos sexuais da classe dominante, tipo "Satyricon".
É exatamente o contrário. Os imperadores mais "depravados" governaram no apogeu do vigor imperial romano (Tibério, Nero, Calígula). A decadência começou quando os imperadores se tornaram coroinhas e sacristãos (Constantino, Teodósio).
As classes dominantes, em todas as sociedades, sempre se caracterizaram por uma ampla desenvoltura sexual. Por uma "libertinagem". Óbvio. O sexo é a plenitude da vida. Nada de admirar que o grupo detentor de outras plenitudes tenha também essa, emblema de todas as plenitudes.
Nenhuma sociedade ou regime jamais decaiu ou caiu só porque seu grupo dirigente ou camadas mais vastas da população se entregaram às delícias da carne. Associar sexo com decadência é típico de quem está decadente em matéria de sexo.
A tempo: este "rock-ensaio" vai para Paulo Francis, juvenil Davi de todos os Golias e Leviatãs. E para Rita Lee, um haicaizinho:

tudo que li
me irrita
quando ouço
rita lee



 

in suplemento dominical FOLHETIM, jornal Folha de S. Paulo, 4 de abril de 1982.
colaboração enviada por Marco Morais

 

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