PAULO LEMINSKI...

"Eu tenho um poema para vocês. Nem sabia o que fazer com ele. Este é para nós picarescos. Este poema é igual onça que vai beber a água no lugar certo. Vai cair direitinho no jornal nosso. Sem dúvida é perfeito "Merda e Ouro" publicado no Pícaro".

(Durante entrevista exclusiva, publicada nas próximas páginas)

MERDA E OURO

Merda é veneno.
No entanto, não há nada
que seja mais bonito
que uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam padres,
cagam reis e cagam fadas.
Não há merda que se compare
à bosta da pessoa amada.


...UMA PESSOA CÂNDIDA
Jairo Máximo


Poeta, tradutor, prosador, Paulo Leminski, rapaz alegre e teatral que quando fala exibe um bonito casamento do gesto e a palavra, recebeu em seu recanto no bairro Cruz do Pilarzinho - Curitiba, estes picaretas para um bom papo à base de tragos diversos, vinhos e um queijo maneiro (talvez mineiro).

Infância, Adolescência e Educação

    Existem algumas coisas na vida que não dá para melhorar. Ninguém consegue melhorar a forma do ovo e nem o gosto da água.

Movimento Poético no Brasil

    Acredito que o único movimento é o movimento dos poetas indo de lá pra cá, de cá pra lá. A gente está mais parecido com os Estados Unidos do que com a França. Esta coisa de movimento poético é uma coisa muito francesa. A literatura americana não tem movimento, só tem indivíduos Poe, Whitman, Fante, Kerouac, Jack London, Hemingway. Você vai enquadrá los em que lugar, de que jeito...
    Assim, a literatura brasileira está deixando de ser uma literatura de movimento para ser uma literatura de indivíduos.

Brasiliense é o canal

    Quando eu e a brasiliense nos descobrimos, aí por volta de 82/83, a brasiliense já existia e eu também. Então, nem eu inventei a brasiliense nem ela me inventou, Houve um lugar onde a gente se encontrou e as coisas rolaram legal. Como continuam rolando. A brasiliense me mima. Ela me trata bem pra caralho.

Literatura Beat foi golpe

    Eu acho que a coisa da literatura beatnik é uma coisa que a gente merecia saber, conhecer e tal. Quando alguém faz isso como a brasiliense fez, pintam uns imbecis da FSP e dizem assim: "É, tão botando Kerouac, Burroughs, Ferlinghetti 20 anos depois". Mas que merda! E se eu quero conhecer agora. Foda se. Não importa se ela não chegava, quando chega. Que seja bem vinda, porra! Chega de anti americanismo primário.

Vestes a camisa do PCB

    Eu sou do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Inclusive até saí na TV, no horário político do TRE apoiando candidatos comunistas. Eu não quero que o Brasil seja igual à União Soviética, mas eu sou comunista.
    0 PC é oportunista. Não é utópico. Os comunistas acreditam que a história está trabalhando a seu favor. Achamos que a história tem um destino, Então, você não tem pressa. 0 PMDB tem uma pressa. 0 PDT tem outra pressa. 0 meu partido tem uma proposta geral para a sociedade. Enquanto comunista eu tenho uma proposta para a sociedade.

Não gostas do PT

    0 PT dá certo na medida em que ele é partido em crescimento. Gosto do PT, é o segundo no meu coração. Gosto do PT porque fala em nome do trabalhador, do assalariado. Mas o PT não tem uma proposta geral para a sociedade. 0 PT é sindicalista e o sindicalismo não vai além da força do sindicato, da reivindicação de vantagens mais imediatas para o trabalhador.

A proposta anarquista

    Eu sei e conheço e respeito a proposta anarquista, que é a mais difícil de todas. É a proposta em que a parte tem autonomia. Eu vejo a validade do anarquismo no sentido que ele conteste permanentemente a ditadura da nação em todos os sentidos. Ninguém mora na Nação. A Nação é a ditadura suprema.
    Enquanto proposta de sociedade o anarquismo tem uma coisa de recuperação, utopia, coisa da idade do hoje, primitivo, meio tribal. Sabe, um lugar onde existe um Estado Anarquista seria numa tribo Yanamoni, lá no Xingu, quer dizer, o anarquismo tem uma nostalgia, mas esta nostalgia não pode morrer. Não pode ser como Lenin e Trotsky que liquidaram com os anarquistas fisicamente. 0 anarquismo é uma coisa de esquerda, não é um movimento de direita.

América jaz

    A América para mim é um mal porque ela é fruto do capitalismo e foi feita pelo capitalismo, sob o cadáver de milhares de índios, de milhares de civilizações e um equilíbrio ecológico inacreditável. Este mal feito eu falo num certo sentido até teológico, no sentido assim: na Alma da América está o mal. Ela foi gerada pelo mal, pela crueldade, maldade, destruição do império dos incas, astecas, dos índios brasileiros. Tudo, tudo...

É o elefante contra a formiga

    Tem o cerco á Nicarágua e tem o cerco a Cuba que não permite que possam ter uma sociedade mais liberal. Então, a América é muito mal feita e o Brasil está dentro da América. 0 Brasil faz parte dessas coisas mal feitas.
    No Brasil aconteceu a anomalia da gente ter um Estado antes de ter um povo. 0 Estado brasileiro veio pronto de Portugal na forma de navegação, com o governador geral, subsecretário, assessores.

Contestar é sacrilégio

    Todos os movimentos contra o poder no Brasil Cangaço, Canudos, Antonio Conselheiro, Lampião são tratados com extremo rigor de quem estivesse lutando contra cachorros e não pessoas. Veja a ferocidade com que foram tratados os subversivos na época do Médici. Porra, você vê o pai do Marcelo Paiva, Rubens Paiva. Então, qualquer movimento, se você fizer uma tradução em nível freudiano, é um movimento contra o pai, contra aquele que levantou a mão. Sabe, é aquele papo, cai a mão se você levantá-la contra o pai. E isto passa pela crítica aos torturadores, a repressão social, as drogas, homossexualismo, aborto, liberdade sexual. A repressão é a Constituinte nossa. Ela está embutida.

Felicidade foi se embora

    A minha alegria é uma alegria lutadora. A minha vida está justificada tanto quanto em sofrimento, como em estado de beatitude. Felicidade para mim é sinônimo de beatitude nirvânica.

Sarney e Roberto Marinho juntinhos

    A classe dominante brasileira é muito coesa. As diferenças entre um Sarney e Marinho são insignificantes. Elas são de detalhes... "Detalhes tão pequenos de nós dois..." são tão bacanas e sacanas.

Pauta da Paixão

    Algumas coisas são maiores do que o quadro em que elas pintam. Eu acho legal que a FUNARTE tenha este tipo de iniciativa, pois foi uma expressão da contradição que estão aí e chamam de Nova República. Foi um grande evento no Rio e Sampa. Isto é inegável. Este seminário não precisa de justificativas. Rolou legal e pronto.
    Merda para os rótulos. A gente não deve se embriagar com rótulos.0 que embriaga é o que está dentro da garrafa. Por exemplo, uma candidatura como a do Gabeira, com a plataforma dele que veio com a legalização da maconha, aborto, liberdade sexual, partido verde, homossexualismo e mais o fato do cara ter sido viável. Realmente ele concorreu e a polícia não o prendeu. Fez o comício e tudo.

Valeu

    E teve mais de 500 mil votos. Porra! Quer dizer, diante disso que a gente está vivendo num momento mais complexo e, assim, o Estado entra em contradições como esta, como o seminário da Paixão.     Nos repugna a idéia de que o Estado patrocine um curso da paixão, porque me parece que não existe mais nada sem paixão do que a atividade do Estado, do Governo que é uma monstruosidade. Aliás, a FUNARTE deve ter gasto a maior grana, infra estrutura total.

Maconha dá barato e cana

    Além de não poder dar uma bola também não pode sair defendendo, porque defender o uso também é crime. Comparada a esta porra de bebida que estamos bebendo aqui, não é nada. No caso da maconha você não pode sequer juntar uma moçada e levar este papo. Está no direito do livre uso do seu corpo. Isso faz limite também com o aborto, pois se o corpo é meu e eu não quero ter um filho, por que não?
    A repressão às drogas é o resquício mais antigo e retrógrado que possa existir dentro da nossa situação jurídica, constitucional de um modo geral. É uma coisa católica, feudal, medieval mesmo! É uma coisa de 1400, em que você queimava bruxa em praça pública; hoje quando você prende um garoto porque ele acendeu um baseado, está repetindo o mesmo gesto. É uma humilhação.

Ministério da Cultura dá futuro

    Todo e qualquer Ministério da Cultura, onde quer que ele exista, é um órgão fascista, necessariamente. A cultura enquanto tal não é administrável, ela é maior do que o Estado, vem antes dele e vai continuar existindo se ele desaparecer. A cultura não cabe dentro da política e sim a política cabe dentro da cultura. É o inverso.

Tá todo mundo mamando

    Não é bem assim. Quer dizer, até certo ponto ela consegue seus efeitos pois o Estado nunca deixará de tentar administrar a cultura. Você não pode impedir o Estado de interferir, mas o nosso papel enquanto intelectuais independentes, enquanto Pícaros e eu gostaria que você colocasse aí que eu também sou pícaro é o de continuar produzindo cultura, picarescamente. E o papel do Pícaro é veicular coisas em um nível mais genérico, mais teórico, mas cheio de curtição.

Poesia russa e Maiakovski

    0 povo russo é um dos povos mais talentosos da terra. A poesia deles é uma coisa extraordinária. Maiakovski é um dos maiores poetas do século XX e deu a sorte de ser o porta voz da revolução. Você não pode querer ser um poeta da estatura dele porque nós não estamos vivendo aquelas circunstâncias históricas. Não sei se você compartilha com a minha idéia. Os momentos são irrepetíveis.

Mil facetas: poeta, tradutor,..

    Inicialmente sou poeta. Acontece que não existe nenhum artista poeta, cineasta, artista plástico que não atinja um momento em que se vê obrigado a fazer uma reflexão sobre sua arte, os valores dela, o padrão estético, o que é melhor fazer, o que é pior fazer, além de umas tiragens de modelo, de clássicos para você, de um paradigma. Isto é um esforço.
Poesia e crítica são duas coisas complementares. Quem faz acaba tendo que pensar sobre o que faz. Aí cria se um circuito fecundo e rico entre a reflexão e a produção.

Pirataria no ar

    Vamos fazer uma distinção, não é acadêmica, é científica. Você tem que falar do plano sintático que é a linguagem e do plano pragmático que é o plano de consumo desta mensagem. As rádios e TV piratas se passam no pragmático, no plano do consumo de mensagem.
Vamos supor que a gente pedisse para o Julio Plaza programar Olavo Bilac no vídeo texto, verso X verso, alexandrino X alexandrino, daria um exemplo perfeito no qual o plano pragmático é avançado, é tecnologia de ponta, mas no plano sintático é retrógrado, coisa de poesia alternativa dos anos 70 que tem que ser pensada sob a luz dessa dialética.

Mas poesia alternativa também

    Nos anos 70 a coisa da poesia passou para outro foco. Passou para o plano da distribuição, que é o treco que está ligado com a noite da ditadura. A moçada teve que improvisar, além disso a poesia dos anos 70 expressa o homem industrial que estava surgindo. É uma coisa da geração que cresceu com a TV, Rádio, Revista. É a poesia da cidade, por isso ela é tão afim de graffite, uma coisa de essência urbana. Para se fazer nas paredes ou muros das casas e transformar a cidade em página, em livro. Vai daí que nos anos 70 a cidade se transformou em livro. 0 Brasil hoje é uma nação urbana.

Livro é literatura

    A literatura é a arte da palavra. 0 livro é o suporte. Livro não é sinônimo de literatura. Hoje a gente já admite que a literatura esteja fora como suporte. Caetano Veloso, o maior poeta da minha geração, faz poesia oral que é gravada em fita. Ele é um poeta provençal onde a palavra e a música se encontram numa batalha só. A qualidade de inspiração lírica de Caetano não tem igual.

Rock na cabeça

    Gosto de algumas coisas do Herbert Viana, Lobão, RPM e Ultraje a Rigor. As letras das músicas do rock brasileiro são boas porque tem uma alta qualidade poética. A coisa vem dos anos 30, de Noel Rosa. A MPB tem uma qualidade poética de tradição, coisa que não se explica, ela vem acumulada desde Ismael Silva, Lamartine Babo, Ataulfo Alves. Atualmente gosto muito de algumas coisas do Antonio Cícero que consegue fazer aquelas letras de "oi cara", de uma simplicidade natural, fina e requintada.

Como está o novo

    0 novo não deve ser buscado automaticamente, artificialmente. 0 novo ocorre quando você tem alguma coisa nova para dizer, como também já pode ter ocorrido e a gente não sabe. Hoje a sociedade está vivendo a era da recuperação do lixo, porque assim que acabar os recursos naturais do planeta, e eles são esgotáveis, o homem vai viver só do lixo.
    A arte hoje é neoexpressionista, tudo é neo como nada é neo. A humanidade está vivendo a contemporaneidade e o símbolo disso tudo que é o computador, porque ele resume em si todos os tempos, engloba o passado enquanto memória, é o presente, e futuro enquanto programa, na medida em que o computador está na minha frente e tem memória. Então, com o computador acabou o tempo. Não há mais tempo. 0 computador aboliu o tempo e então não há mais novo, de que jeito?

Exílio lingüístico

    A grande desgraça cultural nossa a nível planetário é a língua portuguesa, que é um exílio, um beco, um dialeto guarani que ninguém saca. Nós estamos num buraco lingüístico. 0 português é uma mini província do espanhol.
    Você enquanto artista, escritor, é prisioneiro de sua língua e é prisioneiro inclusive do destino histórico, que é o que acontece com a gente, No total somos 180 milhões de falantes da língua portuguesa que está em 11º lugar entre as línguas faladas em quantidade de gente, mas não tem peso algum. Você escrever em português ou ficar calado é mais ou menos a mesma coisa. As línguas não são transponíveis. Cada uma é um absoluto.
Camões teve a sorte de escrever num momento em que Portugal estava vivendo um momento imperial, um boom histórico. Ele fez os Lusíadas e fez a obra dele. Daí Fernando Pessoa fez uma poesia em língua portuguesa extraordinária, num momento em que Portugal não é mais nada, apenas a sombra de um passado que houve...


In: Jornal "Pícaro" ano II nº 12 Mogi das Cruzes, SP, 1986, p. 7-9.

colaboração: Jairo Máximo, editor do Jornal Pícaro



 

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