[2] A ESTÉTICA DO SONETO

[2.1] Circunscreve-se o presente capítulo ao objeto da estética do soneto e da técnica da sua composição. [2.2] Este belo poema, que, do ponto de vista histórico, somente com certa restrição poderá ser considerado de "forma fixa", é, entretanto, aquele que, por seu caráter subjetivo, por sua construção artística, por sua capacidade de síntese e por atender às conveniências da lei do menor esforço, se há mantido, na forma atual, mais vantajosamente brilhante e estimado. Praticaram-no notáveis poetas antigos e modernos, como se viu do primeiro capítulo deste ensaio, incluindo-se no número deles os representantes mais autorizados da poesia européia dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. Continua em vigor, no século fluente, na Europa e na América, sem embargo do abuso que dele têm feito os maus poetas, que são os seus piores e mais encarniçados inimigos. [2.3] A princípio, os teoristas sujeitaram a fatura do pequeno poema a férrea disciplina, o que fez Boileau, poeta e crítico do século XVII, prescrever-lhe as regras, no canto II da sua célebre "Arte Poética": On dit à ce propos, qu'un jour ce Dieu bizarre (1) Voulant pousser à bout tous les rimeurs François, Inventa du Sonnet les rigoureuses loix; Voulut, qu'en deux Quatrains de mesure pareille, La Rime avec deux sons frappât huit fois l'oreille, Et qu'ensuite, six vers artistement rangés Fussent en deux tercets par le sens partagés. Surtout de ce poeme il bannit la licence: Lui-même en mesura le nombre et la cadence: Défendit qu'un vers foible y pût jamais entrer, Ni qu'un mot déjà mis osât s'y remontrer. Du reste il l'enrichit d'une beauté suprême. Un sonnet sans défaut vaut seul un long poëme. Mais en vain mille auteurs y pensent arriver, Et cet heureux Phénix est encore à trouver. [2.4] Em todo caso, apesar das exigências então impostas à sua composição, dois sonetos, no mesmo século XVII, um de Vicente Voiture ("Uranie") e outro de Isaac Benserade ("Job"), trouxeram em grande agitação o Palácio de Rambouillet, chegando ao extremo de formar partidos entusiastas e de interessar a própria corte e a cidade de Paris na disputa sobre qual fosse o mais belo dos dois poemas. Movimento análogo produziu também, em Paris, a controvérsia suscitada em torno da superioridade entre os sonetos chamados da "Belle Matineuse", de autoria do mesmo Voiture e de Cláudio de Malleville. [2.5] Em Portugal, na proclamada "fase áurea" da sua evolução literária, que é o século dos Quinhentos, denominação esta mui justamente contestada por Fidelino de Figueiredo (2), senão também nos dois séculos seguintes, constituiu a composição do soneto verdadeira roda de tratos para os seus cultores, que foram muitos e, com exceção de Luís de Camões, quase todos bastante medíocres. Induz-nos, pelo menos, a este pensar a respeito da fatura do soneto quinhentista certo trecho de uma epístola do poeta daquela época Diogo Bernardes, no qual declara ele: Eu, senhor, já podia ter bisnetos, Depois que comecei a fazer trovas, E ainda bem não caio nos sonetos. [2.6] No Brasil, por sua vez, desde Cláudio Manuel da Costa, tem tido o soneto alguns cultores dignos de nota, sobretudo depois de Luís Guimarães, cuja "Noite Tropical" pode ser considerada belo espécime desse poema, não obstante o seu caráter descritivo. [2.7] Por último, poetastros de vários feitios, desconhecedores das regras estatuídas para a composição do soneto e até carecidos de elementares princípios de gramática e versificação, porfiam em arrogar-se o direito de o compor; disto há resultado o descrédito do poema, que se tornou trivial e despiciendo, à força de medíocre. [2.8] O escritor Laudelino Freire, ou por mal avisado ou por mero interesse comercial, ousou organizar uma coleção de quinhentos sonetos brasileiros, a qual em nada enaltece o senso crítico e o mérito do colecionador. Depois da publicação daquele cartapácio parcialmente antipoético, organizou Alberto de Oliveira um florilégio de sonetos ("Os Cem Melhores Sonetos Brasileiros"), que deixa margem a alguns reparos dos entendidos na matéria. [2.9] À imitação de Laudelino Freire, e certamente por motivos idênticos aos acima atribuídos a ele, alguns curiosos, com manifesto descaso ao bom gosto literário do público, têm feito editar, nestes últimos anos, supostas antologias de sonetos em que se encontram, a par de alguns poemas de valor, autênticos espécimes do que há de desvalioso no gênero. [2.10] Sempre houve, entretanto, quem acusasse o soneto de constringir o pensamento poético em estreita moldura, com sensível prejuízo da inspiração dos seus cultores, que, não raro, seriam forçados a mutilá-la, para a acomodar dentro de limites previamente fixados. Fernando Brunetière, ilustre crítico francês, que não via com bons olhos o soneto, possivelmente por não ter sido poeta, diz o seguinte a respeito do resistente poema: "Mas o ponto fraco do gênero está em que a fixidez da forma, em primeiro lugar, e, em seguida, a sua brevidade não parecem permitir, ou pelo menos não favorecem o desenvolvimento dos grandes pensamentos. Além disso (...) o último verso do soneto, concluindo o quadro ou a expressão da idéia, limita-os, por assim dizer, enquadra-os e, geralmente, fecha assim os horizontes que os primeiros quartetos nos teriam por vezes entreaberto." (3) [2.11] Não podemos compreender como o último verso do soneto, a chamada "chave de ouro", feche os horizontes entrevistos pelos dois quartetos do poema. É exato ter afirmado Teófilo Gautier que "se o veneno do escorpião está localizado na cauda, o mérito do soneto reside no último verso", em vez de ter dito, sem dispêndio da metáfora, que o mérito do soneto está no seu "conjunto", na sua organização substancial e artística. [2.12] Decerto, todo escritor procurará pôr belo e sugestivo remate à obra que lhe saia da pena, seja ela em prosa ou verso. Não é tal preocupação preceito privativo do soneto. Basta, para elucidação do fato, que examinemos os trechos finais d' "A Vida de Jesus", de Renan, d' "A Ilustre Casa de Ramires", de Eça de Queirós, d' "O Ateneu", de Raul Pompéia, ou a estrofe ou verso final de qualquer poema de maiores dimensões do que o soneto. [2.13] Em rigor, o objeto da citada metáfora de Teófilo Gautier acha-se implicitamente contido no próprio conceito de qualquer obra de arte literária. "A nudez - ponderou João Ribeiro - dentro em breve gasta o assombro, enquanto o panejamento das vestes conserva como cinzas a brasa candente da curiosidade." (4) [2.14] Repetiu Brunetière, no trecho acima transcrito, apenas em termos diferentes, antiga opinião do Visconde de Castilho, que assim se havia expressado sobre a composição do soneto: "Um engenho que respeita a sua própria liberdade, e sabe como os arranjos poéticos lhe vêm incalculados, repugna forçosamente a circunscrever por força o seu poema em 154 sílabas, divididas por 'quatro períodos' preestabelecidos, dois de 44 sílabas cada um, e dois de 33. O soneto, portanto, não parece muito compatível com a índole da escola poética hodierna, o que poderá em parte explicar a sua raridade". [2.15] Nesse passo do seu "Tratado de Versificação", donde Agostinho de Campos extraiu o trecho supra ("Estudos sobre o Soneto"), disse ainda Castilho: "O soneto é uma bela composição; mas, pelo abuso que dele se fez, tanto como pelas suas apertadíssimas dificuldades, também já quase não se faz. O soneto português (podemos dizer sem exageração) nasceu com Bocage, e com Bocage morreu". [2.16] Não se justifica bem essa ojeriza de Castilho ao soneto. Árcade retardio, a sua adesão ao Romantismo, escola refratária à forma desse poema, tem o ar de uma aventura algo forçada, que não poderia levá-lo ao extremo de esposar o teiró da mesma escola ao soneto, de tão longa tradição clássica. Perfeito artista da palavra, que era, certamente não o intimidaram as regras a que se subordina a composição do gracioso poema. Menores dificuldades encontraria ele, como observa Agostinho de Campos, em compor um soneto do que em rebuscar rimas paroxítonas, para alternar com graves e agudos, a fim de construir o seu belíssimo "Cântico da Noite". [2.17] Teremos, portanto, de levar a sua aversão ao soneto à conta de outro motivo, semelhante àquele que veda o limoeiro a produzir limas, mas tão somente limões. [2.18] Não muito grande afeição ao soneto teve também o parnasiano Leconte de Lisle, que incluiu apenas 20 desses poemas entre as 220 poesias que constituem os seus quatro volumes de "Poèmes", ao passo que o seu discípulo Heredia coligiu, no seu único livro de poesias, 118 sonetos e apenas quatro poemas de maiores dimensões. Foi incontestàvelmente o maior poeta do soneto de todos os tempos, pelo menos no que tange à perfeição artística, senão à grandeza e variedade dos temas. Não sabemos de mais vibrante homenagem prestada ao soneto do que aquela do brônzeo e inteiriço monumento d' "Os Troféus". [2.19] A despeito da irrefragável evidência do seu mérito, como obra de arte, demonstrado por sua própria vitalidade, através de seis séculos e meio na literatura ocidental, há, ainda hoje, quem, como Brunetière, se insurja contra a prática do soneto. Têm alegado esses adversários, como justificativa da sua aversão, o rigor que atribuem ou fingem atribuir às "inflexíveis regras técnicas" impostas à composição dele - o que não passa de pequenino argumento capcioso, por isso mesmo que atualmente não existe tal rigor na feitura desse poema. [2.20] De fato, depois de transcreverem uma série de sonetos de poetas brasileiros, Olavo Bilac e Guimarães Passos ("Tratado de Versificação") assim contestam a tendenciosa acusação: "Todos esses exemplos servem para demonstrar que o soneto não é hoje, como antigamente, uma composição poética sujeita a regras imutáveis e severas, - 'um pensamento de ouro num cárcere de aço'. O soneto tem hoje uma liberdade folgada - e é talvez por isso que os poetas o cultivam com tanta freqüência". Hão de rarear - acrescentamos nós - mas isto é outra coisa, poetas do padrão do mesmo Bilac, que não teme cotejo com os melhores parnasianos franceses capazes de executar essa obra prima da arte poética. [2.21] Para exemplo da atual oposição à prática do soneto, vamos transcrever, aqui, o trecho de um discurso do escritor Cassiano Ricardo, corifeu tardio e bastante extraviado do nosso antigo simbolismo, proferido numa das sessões da Academia Brasileira de Letras: [2.22] "... o soneto nasceu em épocas de ritmo sossegado e harmonioso e o mundo moderno é feito de trepidação e de inquietação. Para que uma obra de arte resista a todos os tempos é indispensável que seja do seu tempo. Só poderá ser eterna a obra de arte que condensar o mais possível o minuto comocional e mental em que foi escrita. Ninguém poderá negar, parece, que o mundo de hoje é diferente do de ontem... Os sonetos e os discursos puramente ornamentais morreram. Os que hoje dispõem de tempo para fazer um soneto negam a sua época. O soneto seria uma limitação num momento em que venceu o ilimitado. Há uma pororoca moral e ideológica suprimindo fronteiras e o rádio tornou o mundo monstruosamente presente a si mesmo. E havermos nós de estar com a preocupação do limite material e formal de um soneto, nesta hora de pânico ?" (5) [2.23] A eloqüência, em todos os tempos, tem mantido secreta aliança com a sofística. Que ainda não foi denunciado esse pacto, delata-o este trecho do discurso do ilustre acadêmico, que chegou a lobrigar "ritmo sossegado" na lenta sucessão dos seis séculos e meio de vigência triunfante do soneto, e não considera possível a persistência do reinado desse poema no mundo contemporâneo, porque a "velocidade" e o "pânico" não permitem a composição de obras de arte, mas tão somente a encenação de literatura de fancaria. [2.24] Mais do que patente está que o argumento invocado não passa de impetuoso arroubo de retórica ginasiana, nulo perante as vicissitudes vencidas pelo soneto, no seu brilhante tirocínio pluri-secular. [2.25] A fórmula do soneto de Ronsard, no século XVI, é a mesma de "Le Récif de corail", de Heredia, e de "L' Etranger", de Sully Prudhomme, no século XIX, como a do "Tremei, penhas", de Cláudio da Costa, no século XVIII, é a mesma de "Solidão", de Alberto de Oliveira, de "Fetichismo", de Raimundo Correia, e de "Inania Verba", de Olavo Bilac. Mas que distância vertiginosa medeia, na arte desses grandes manipuladores do soneto, que tão bem se entendem através de mais de trezentos anos! [2.26] A aversão ao radioso poema não se restringiu aos argumentos de discutível peso dos seus vários impugnadores: o soneto, por seu turno, insurgiu-se também, contra o próprio soneto... [2.27] Exemplifica o contrassenso o que em seguida se transcreve, da autoria de Júlio Dantas: [original de Júlio Dantas] Ó florentino túmulo de prata! Ó sepultura de catorze versos! Demais vibrou por ti aprisionada, A asa vibrátil do meu pensamento. Demais sofri a dura disciplina Do teu chicote de catorze pontas, Soneto arcaico, inquisidor vermelho Que Petrarca há seis séculos gerou. Ó taça antiga de catorze gomos! Taça de ouro de Guido Cavalcanti, Bebi por ti, mas atirei-te ao mar. Não se ouvem mais os címbalos da rima, Asa liberta, voa em liberdade! Jaula de bronze, estás aberta enfim. [2.28] Como se vê, o poeta lusitano, que é autor de duas coletâneas de poesias, "Nada" (1896) e "Sonetos" (1916), abjurou, no poema transcrito, a técnica tradicional do soneto, no que concerne ao uso de rimas nos respectivos versos, porquanto manteve rigorosamente a metrificação clássica, o apuro da linguagem vernácula, a forma e o límpido estilo dos seus poemas anteriores. [2.29] Calha bem aqui, todavia, o seguinte reparo: o soneto não é, ao contrário do que afirma o autor, de origem "florentina", nem também é invenção poética de Petrarca, conforme ficou elucidado no primeiro capítulo deste ensaio. Petrarca, de fato, nasceu na Toscana (Arezzo), porém os seus sonetos foram compostos em Vaucluse, na França, onde havia encontrado Laura de Noves ("Littérature italienne", de G. M. Gatti). [2.30] Relevável, no entanto, é o equívoco, sobretudo em atenção à dirimente da provecta idade do eminente poeta; o que, contudo, não se lhe pode relevar é a tardia abjuração à arte do insigne poema, uma vez que, arrimado aos vinte e dois sonetos que constituem o seu livrinho, por último citado acima, e ao incomparável poema dramático "A Ceia dos Cardeais", irá apertar triunfalmente a destra levífuga da Posteridade. [2.31] Em verdade, com os poemas do livro intitulado "Nada", parece-nos não seria possível a ascensão do poeta até aquela Circe, ainda que estremes do sôpro, um tanto graveolento de Baudelaire ou Rollinat, que perpassa através de alguns deles. [2.32] Disse bem Amadeu Amaral, quando disse: "Há muita gente que ainda supõe que o poeta tortura as idéias na grelha dos versos. Tal coisa só se dá com os maus poetas. E acrescentemos que nada se perde com isso, pois só tortura as suas idéias... quem não as tem. O verdadeiro poeta, longe de torturá-las, desenvolve-as e apura-as admiravelmente na maravilhosa retorta da forma. Foi o que fez Bilac." (6) [2.33] E melhor ainda terá dito Voltaire, citado por A. Antheaume e G. Dromard: "Todos os filósofos reunidos não conseguiriam escrever a 'Arminda' de Quinault, nem os 'Animais doentes da peste' que La Fontaine compôs sem quase saber o que fazia. Corneille escreveu a cena dos 'Horácios' assim como um pássaro constrói o ninho." (7) [2.34] O soneto, em verdade, não será esse poema anacrônico e impraticável, senão para os poetaços que o tem deturpado e corrompido através dos tempos. Será, se for tanto, um "Animal Bravio", mas domesticável, sobretudo quando o domador é realmente poeta, como Gonçalves Crespo, que, com aquele título, apresentou um de sua opulenta lavra à Melle. Eugênia Viseu: ANIMAL BRAVIO [Gonçalves Crespo] Preferiras um ramo caprichoso, De escolha rara e de concerto fino, Onde visses o cacto purpurino E os nevados jasmins do Tormentoso. Em vez do ramo exótico e oloroso, Casto recreio desse olhar divino, Aceita, Eugênia, este animal felino Que o meu braço subjuga vigoroso. Tive artes de o amansar: ei-lo sereno! Acode à minha voz e ao meu aceno, Como um jaguar à voz de um saltimbanco... Vamos, soneto! a prumo! ajoelha, presto! E à doce Eugênia, de sorriso honesto, A fímbria oscula do vestido branco! [2.35] Menos poético terá sido certamente o apelo de outro poeta, esse de aquém-Atlântico, no caso, o nosso inolvidável Luís Guimarães, que, travestido em sapateiro lírico, solicitou aos pés de certa dama, a "Borralheira", a graça de lhe calçarem um soneto: Mimosos pés, calçai este soneto! [2.36] - Qual a razão de ser - já é oportuno perguntarmos - da vitalidade do soneto e da sua perpétua vigência nas literaturas de todos os povos cultos? [2.37] Preliminarmente, sem maior exame da matéria, podemos dizer que, para seduzir-nos, deverá este poema constituir um todo homogêneo, composto, não obstante isto, de corpo e alma: o corpo, é evidente, será a sua forma material, se assim podemos dizer, a sua roupagem exterior; a alma será o pensamento poético que a composição encerra, a mensagem que nos transmite o gênio do poeta. Disse excelentemente um crítico literário e poeta nosso, Alf. Castro, ao discorrer sobre o às vezes apedrejado poema de Pier delle Vigne ou de Giacomo da Lentini: "Verdadeiramente, o soneto, por exemplo, que só possuísse uma forma encantadora não seria só por isso um soneto belo. Seria simplesmente como uma estátua de mármore que não fosse animada desse sopro divino que nas criações de arte nos interessa, nos comove, nos encanta, nos faz apaixonados delas. Acrescente-se, porém, à peregrina beleza plástica, que é essa perfeição material, a alma própria do catorzeto, o que o faz vibrar soberbamente, e é tudo que entende com a frescura da inspiração, com a originalidade do tema, com a grandeza da concepção, com a propriedade e fulgor da imagem, com a graça e a riqueza da idéia. Só então é que a composição poética se torna aos meus olhos positivamente interessante, bela, encantadora. Em uma palavra, o ideal do verso moderno para mim pode concretizar-se nesta fórmula: o máximo de perfeição material aliado ao máximo de beleza espiritual." [2.38] De fato, o mérito do soneto não estará somente na sua beleza artística; esta, realmente, é-lhe imprescindível - não fosse ele uma obra de arte! Mas estará também, em proporção igual, na expressão do pensamento que constitui o seu tema, e de que a forma será apenas o paramento ritual - deixai passar a expressão litúrgica. [2.39] Belos, mais do que belos, do ponto de vista estético, são os sonetos d' "Os Troféus", de José Maria de Heredia, mas nenhum deles logrou conquistar o favor público; muito mais mal acabado, como obra de arte, é o conhecido soneto de Félix Arvers, e nenhum poema o superou, no tocante a apreço público e celebridade. A razão de ser do fato reside nisto: os sonetos do poeta cubano, quase todos ou todos friamente descritivos, cintilantes de arte e de perfeição métrica e verbal, não comovem nem estão ao alcance da compreensão de todas as inteligências; são poemas próprios para iniciados nos segredos da técnica poética, na história e na mitologia, para espíritos cultos, capazes de lhes admirar a suntuosa arquitetura, juntamente com as altas concepções que lhes inspiraram a construção. [2.40] Ao revés, o soneto do pequeno Arvers, não obstante os defeitos de técnica, reais e fictícios, que lhe têm atribuído, encerra em si um motivo sentimental de fácil apreensão, um drama íntimo, acessível à percepção de quem o lê, por medíocres que sejam a sua inteligência e sensibilidade. Reduz-se, afinal, tudo isso ao fato evidente de ser a poesia, em primeiro lugar, a expressão do sentimento humano; o acessório da forma, posto que indispensável àquela expressão, será o meio, o veículo artístico para a apresentação da obra ao público, em condições que a todos seduza também por sua beleza formal. [2.41] Tomemos para exemplo um renomeado soneto nosso, o intitulado "Mal Secreto", de Raimundo Correia. Sabemos todos que o tema desse soneto não pertence ao autor: inspirou-o ao poeta brasileiro, na hipótese de não se tratar de um caso de mimetismo literário (8) uma estrofe, "L'Apparenza", de Pedro Metastásio (1698-1782), esquecida entre outras poesias deixadas por aquele antigo poeta italiano, senão as imitações da mesma estrofe, constantes de dois sonetos da lavra do padre português Paulino Antônio Cabral (1719-1789), abade de Jazente. O pensamento filosófico contido na estrofe italiana, por si próprio ou através do decalque literário de Paulino Cabral, parece ter causado certa impressão à delicada sensibilidade de Raimundo Correia, que nele viu a expressão de um fenômeno psíquico bastante generalizado, mas, em todo caso, sobremodo interessante, dado o paradoxo que reveste; trata-se da espécie de pundonor vaidoso ou ingênua jactância que nos leva a dissimular os nossos males ou dores íntimas, evitando, assim, a manifestação do quanto possa abater ou diminuir a nossa personalidade perante os nossos semelhantes. [2.42] Certo, terá refletido o nosso poeta sobre o objeto da estrofe ou dos dois sonetos, e, logo, daquele grão de mostarda, com violação de todas as leis botânicas, brotou redolente jasmineiro, ou seja o "Mal Secreto" que, após não sabemos quantas metamorfoses melhorativas (9), no seu arranjo literário, veio a tornar-se um dos mais belos e estimados sonetos brasileiros. Ninguém negará, todavia, que poucos sonetos nossos terão passado por tão aprimorada lapidação, nas suas partes integrantes, no seu todo artístico, na justeza da arte com o tema filosófico que o inspirou. A humilde oitava de Metastásio, que teria sido direta ou indiretamente o seu embrião, desfez-se, volatilizou-se irremissivelmente, à claridade das pedras preciosas que constituem a mirífica jóia. [2.43] Terá sido, entretanto, esse primor de forma, esse trabalho de buril, maravilhosamente manejado pelo nosso poeta, que determinou o apreço e celebridade do "Mal Secreto", aqui e até em Portugal ? - Terá sido, mas somente em parte, porque a razão de ser do triunfo do poema está na tradução que ele constitui do generalizado coleio do espírito humano, no sentido de fugir a tudo quanto o possa humilhar ou deprimir. [2.44] No que diz respeito ao longo período do pacífico reinado do soneto, hão aventado os seus historiadores e comentaristas mais de uma hipótese para explicar-lhe a vitalidade, senão a longevidade bíblica, nas literaturas cultas do Ocidente. [2.45] Carlos Asselineau ("Le Livre des Sonnets"), já por nós citado, inclina-se a acreditar que a popularidade desse poema deriva do seu molde artístico, ao passo que o português Mayer Garção ("Os Cem Sonetos") atribui o apreço secular obtido por ele ao seu "primacial poder de síntese". A isso obtempera Agostinho de Campos ("Estudos sobre o Soneto") que "a concisão não é monopólio do Soneto", porquanto igual atributo têm o epigrama e até a nossa conhecida trova popular. Para melhor patentear o asserto, registramos, aqui, as quadras que se seguem, nas quais Medeiros e Albuquerque fez a condensação dos mais vulgarizados sonetos de Olavo Bilac e Raimundo Correia: Há quem me julgue perdido, Porque ando a ouvir estrelas; Só quem ama tem ouvido Para ouvi-las e entendê-las. De muita gente que existe E que julgamos ditosa Toda a ventura consiste Em parecer venturosa. As pombas partem, mas voltam, Voltam, de novo, aos pombais... As ilusões, quando soltam O vôo, não voltam mais. [2.46] Quanto a Agostinho de Campos, que valioso subsídio nos há prestado na composição deste ensaio, esse, não obstante ter encarado diretamente o problema da vitalidade do soneto, nas literaturas européias, escusou-se de emitir opinião sobre o assunto; não se pode considerar como tal a hipótese por ele vagamente sugerida de constituírem as próprias dificuldades da construção do soneto o melhor estímulo para a sua prática através de centenas de anos. [2.47] Sempre se nos afigurou que nenhuma hipótese de caráter unilateral explicará bem o fenômeno literário da longevidade do soneto ou da sua persistente vigência nas letras européias e americanas, uma vez que esse já antigo privilégio lhe advém de vários fatores, entre os quais, em proporção igual à de sua capacidade de síntese e de sugestão do seu molde artístico, invocados por Asselineau e Mayer Garção, o da sua perviabilidade à lei do menor esforço, não só para quem o compõe, como também para quem o lê. A preguiça mental, como a tendência para triunfar das dificuldades, não deixa de ser poderoso móvel psíquico, no domínio obscuro da volição humana. Cremos que se encontra nesse complexo de causas o segredo da extrema vitalidade do soneto. [2.48] Não deixará de oferecer excelente subsídio ao exame literário desse recalcitrante problema a seguinte página do poeta e tratadista francês contemporâneo Augusto Dorchain, na qual estuda ele, conjuntamente, a morfologia e a psicologia de um dos grandes sonetos de José Maria de Heredia. Parafraseemo-lo: [2.49] Por sua progressão e conseqüente marcha para o desfecho, tem o soneto alguma semelhança com a obra dramática, desde que se considerem os dois quartetos como a exposição, o primeiro terceto como o núcleo e o último como o remate. [2.50] Nos dois quartetos, trata-se de fazer nascer e crescer a "expectativa"; no primeiro terceto, de ligar a expectativa à marcha para a solução, que se sente aproximar; no último terceto, de dar à expectativa desfecho que, ao mesmo tempo, dê prazer ao espírito e lhe proporcione satisfação pela lógica e surpresa pelo imprevisto. [2.51] Ora, as combinações de rimas do soneto correspondem a esses dois estados do espírito - a atitude "estática" de expectativa e a atitude "móvel" da marcha para o desfecho. A atitude "estática" da expectativa é mantida pela repetição, na mesma ordem, das rimas do primeiro quarteto no segundo; prefiro a primeira fórmula, isto é, a das rimas "abraçadas" à das rimas cruzadas, uma vez que, no segundo caso, há precisamente a sucessão de quartetos iguais, mas não mais a estreita ligação que existe entre os dois quartetos, quando a rima do quarto verso é a mesma que a do quinto. [2.52] Quanto à atitude "móvel" da marcha para o desfecho, este se realizará tanto melhor nos tercetos, uma vez que não oferecerão a mesma disposição de rimas e se encadearão sem se assemelhar, sem se repetir, e darão assim ao último verso do derradeiro terceto a vantagem de ser menos esperado do que se ocupasse, na combinação das rimas, o mesmo lugar do terceiro verso do primeiro terceto. [2.53] Em síntese, a beleza formal do soneto está nesse equilíbrio compensador entre o estado de expectativa, determinado pelo paralelismo das rimas dos dois quartetos, e a atitude de marcha para o desfecho, acelerado pela diversidade da disposição de rimas dos dois tercetos. Se me parece preferível às outras a primeira fórmula que dei, é que, como afirmei antes de ter provado, somente ela realiza "completamente" aquele duplo ideal. [2.54] Verifica-se isto no soneto "Sur l'Othrys", de José Maria de Heredia, que tomo, quase ao acaso, dentre as obras primas d' "Os Troféus", no qual se verá a espécie de semelhança, a que me referi, entre o desenvolvimento de um soneto e o de uma peça teatral: SUR L'OTHRYS [Herédia] L'air fraîchit. Le soleil plonge au ciel radieux. Le bétail ne craint plus le taon ni le bupreste. Aux pentes de L'Othrys l'ombre est plus longue. Reste, Reste avec moi, cher hôte envoyé par les Dieux. Tandis que tu boiras un lait fumant, tes yeux Contempleront du seuil de ma cabane agreste, Des cimes de l'Olympe aux neiges du Tymphreste, La riche Thessalie et les monts glorieux. Vois la mer et l'Eubée et, rouge au crépuscule, Le Callidrome sombre et l'OEta, dont Hercule Fit son bûcher suprême et son premier autel; Et là-bas, à travers la lumineuse gaze, Le Parnasse où, le soir, las d'un vol immortel, Se pose, et d'où s'envole, à l'aurore, Pégase! [2.55] - Que maravilha de arte, não é esta "exposição" do assunto, na qual, em versos inspirados nos últimos hexâmetros da primeira Égloga de Vergílio, é oferecida a hospedagem! Não se sabe o que se deve admirar mais, desde o primeiro quarteto: se os dois versos iniciais, tão simples e tão serenos, ou se o seguinte, por não terminar juntamente com o pensamento, mas, ao contrário, deixar que este termine antes da rima, à imitação de uma suspensão musical, na completa expiração do "e" mudo, o que melhor dá a impressão do alongamento da sombra: Aux pentes de l'Othrys, l'ombre est plus longue... [2.56] Em seguida, vêde começar o novo pensamento na última sílaba do verso para estender-se a todo o verso seguinte: Reste avec moi, cher hôte envoyé par les Dieux, como uma nota tirada por um arco de violino, no fim da marcha ascendente, e sustentada, após ligeira tentativa de apoio, pelo mesmo arco, durante tôda a marcha descendente. [2.57] No segundo quarteto, eis que sucedem ao convite tentadoras promessas, já evocadoras das alegrias que anunciam. É a exposição que termina. [2.58] Mas, desde o primeiro terceto, estamos em frente da paisagem. Marchamos; procura agora o nosso olhar, pouco a pouco, o mar, as montanhas de nomes magníficos, aos quais imediatamente se juntam as recordações que eles despertam. [2.59] Ao chegarmos ao segundo terceto, um verso feito de dois incidentes: Et là-bas, à travers la lumineuse gaze, faz-nos esperar, ou antes desejar; e isso não é em vão, porque, no verso seguinte, esta esplêndida transposição, "Le Parnasse", é como que a aparição, dentro de uma bruma de ouro súbito rasgada, da montanha amada das Musas... [2.60] É tudo? Não. A nossa expectativa do desfecho vai ser ainda sucessivamente excitada por estas palavras que o retardam: "où, le soir, las d'un vol immortel", e por esta transposição imitativa que continua a retardá-lo: "Et d'où s'envole, à l'aurore", até que, enfim, se desprende e salta, de asas abertas, num surto que parece prolongar ao infinito a sílaba muda do seu nome, o corcel sublime, "Pégase!". (10) [2.61] Ainda com desconto de alguma impressão de caráter subjetivo que porventura se encontre nesta página de Dorchain, algo de elucidativo haverá na lição que nos ministrou, no tocante à estrutura do prestigioso poema. [2.62] Várias tentativas têm sido feitas, através dos tempos, no sentido da introdução de certas modificações na composição do soneto, mas nenhuma delas logrou o êxito alvejado. Entre essas inovações houve a do soneto chamado "duplo", composto de vinte e oito versos, obra de evidente mau gosto e artificialidade, a do soneto denominado "cruz de Santo André", a do soneto chamado "serpentino", as dos sonetos "bilíngües" e "poliglóticos", bem assim a do soneto com "estrambote" ou de cauda, que consistia no apêndice de mais um terceto, de metro variado, ao corpo do poema comum. O próprio Camões foi levado uma vez a essa extravagância, no soneto que assim principia: "Tanto se foram, Ninfa, acostumando". [2.63] Ao passo que outros poemas e poemetos de forma fixa foram esquecidos, com o decorrer dos anos, o soneto, na sua forma atual, há continuado a impor-se à consideração dos poetas e do público; decaído em determinadas épocas, ei-lo ressurge vitorioso e mais brilhante noutras, sobretudo naquelas de maior vigor literário. [2.64] Posto que a disposição primitiva das suas rimas fosse figuradamente na proporção ABBA/ABBA+CDC/DCD, não raro notáveis poetas violaram esse preceito, inclusive Camões e Bocage, com o usar rimas cruzadas, nos quartetos, e com o permitir certas liberdades na disposição das rimas dos tercetos. Petrarca igualmente apresenta, entre as três centenas de sonetos que compôs, cinco exemplos dessa variação, nas rimas dos quartetos, e Dante seis, entre os vinte e quatro sonetos de "Vita Nuova". [2.65] Acham-se, aqui, em esquemas, as outras disposições geralmente usadas das rimas dos quartetos: ABAB/ABAB; ABAB/BABA; ABBA/BAAB. Quanto às rimas dos tercetos, são admitidas as disposições que se seguem: CCD/EED; CDE/CDE; CDC/DEE; CDC/EDE e CCD/DEE. [2.66] Carece de fundamento a observação que se lê no "Tratado de Versificação", de Olavo Bilac e Guimarães Passos, em que asseveram serem sempre "graves" os versos do soneto clássico; pelo menos Camões, como Sá de Miranda, usou, em mais de um soneto, versos agudos, como o comprova o bastante vulgarizado que assim principia: "Alma minha gentil, que te partiste". Particularmente, com relação a Bocage, será de certo justa a referida observação daqueles tratadistas. [2.67] É cabível, em compensação, o reparo dos citados autores, no tocante a ser composto somente de versos decassílabos o soneto clássico, petrarquiano e camoniano. Isto, no que respeita a Portugal; na França, desde Ronsard e Du Bellay, é praticado o soneto em alexandrinos, com assinalada beleza, bem assim em versos de oito sílabas, nos quais primaram Benserade e Corneille. [2.68] Na composição do soneto moderno, português e brasileiro, os versos mais comuns são os decassílabos e alexandrinos. As tentativas feitas com os de três, seis, sete e oito sílabas não oferecem, em geral, a graça desejável; reduzem-se a meros caprichos métricos, assim como o soneto, com prosódia dialetal, que se segue, do poeta mineiro Bento Ernesto Júnior, em versos de uma sílaba: [original de Bento Ernesto Júnior] Deus Vê Que Meus Ais Não São Mais De Dó Por Ti, Ó Flor! [2.69] Este soneto tem o seu equivalente métrico em francês, no seguinte poema, também monossilábico, de autoria incerta, o qual leva àquele a vantagem de possuir rimas uniformes nos quartetos: [anônimo francês] Fort Belle, Elle Dort! Sort Frêle! Quelle Mort! Rose Close, La Brise L'a Prise. [2.70] Dentre as várias deturpações que há sofrido o modelo tradicional do soneto, na sua forma e até no seu espírito, cabe mencionar-se a de tipo ultra-gongórico ou parentírsico, sem rimas e quase sempre sem ritmo nos seus versos, introduzida por alguns escritores contemporâneos, com a denominação de "modernista". Exemplifica bem a referida deturpação o soneto de título "Mulher voando" (?) de Cassiano Ricardo, extraído do seu livro "Poemas Murais" (1950): MULHER VOANDO [Cassiano Ricardo] És um pássaro, a esta hora. E eu penso, aflito: não seres vítima de uma azul catástrofe? Voas sobre o Pacífico - anjo imóvel, com plumas de alumínio, hélice ao ombro. Mas quem prevê o amanhã, carvão dourado, que o sol conduz debaixo da asa? E a estrêla de - louco - eu ter pensado em sucumbires, caindo ao pélago, onde os espadartes não vivem de hipotéticas esmeraldas, já não me aquieta um pouco? Isso não prova que chegarás ao teu destino, salva? Prever o mal, síncope das leis físicas, e esta ocorrer - não é isso uma absurda coincidência, somente dada aos deuses? [2.71] É azado estabelecer-se o confronto do soneto transcrito com o que para aqui também trasladamos, do poeta simbolista francês Estefânio Mallarmé (1842-1898): trata-se de abstruso logogrifo, em que o autor ultrapassa os limites dos absurdos próprios dos sequazes de Gôngora e Marini: [original de Mallarmé] Le silence déjà funèbre d'une moire Dispose plus qu'un pli sur le mobilier Que doit un tassement du principal pilier Précipiter avec le manque de mémoire. Notre si vieil ébat triomphal du grimoire, Hiéroglyphes dont s'exalte le millier A propager de l'aile un frisson familier, Enfouissez-le moi plutôt dans une armoire. Du souriant fracas originel haï Entre elles de clartés maïtresses a jailli Jusque vers un parvis né pour le simulacre. Trompettes tout haut d'or pâmé sur des vélins, Le dieu Richard Wagner irradiant un sacre Mal tu par l'encre même en sanglots sybillins. [2.72] Confronte-se também o exemplo da extravagante invenção moderna com um dos sonetos da poetisa lusitana Soror Violante do Céu, mística do século XVI, cognominada por seus admiradores "a décima musa portuguesa", o qual sobreleva ao soneto citado, senão pelo oco gongorismo, ao menos pelo que concerne à presença de metros regulares e das competentes rimas, imprescindíveis à beleza e harmonia do poema: [original de Soror Violante do Céu] Musas, que no jardim do Rei do Dia Soltando a doce voz, prendeis o vento, Deidades, que admirando o pensamento As Flores aumentais, que Apoio cria, Deixai, deixai do Sol a companhia, Que fazendo invejoso o firmamento, Uma, que é o Sol, e que é portento, Um Jardim vos fabrica de harmonia. E porque não cuideis que tal ventura Pode pagar tributo à variedade, Pelo que tem de Lua a luz mais pura, Sabei, que por mercê da Divindade, Este Jardim canoro se assegura Com o muro imortal da Eternidade. [2.73] Têm-se composto, no Brasil e em Portugal, à imitação de Carlos Baudelaire e de outros poetas franceses, sonetos "sem rimas uniformes nos quartetos", de que servirá de exemplo o seguinte, de B. Lopes: [original de B. Lopes] Lembrei-me, há dias, de ir viver na roça, Entre sombras de chácara verdoenga, Numa casinha, à imitação flamenga, Ou mesmo dentro de uma pobre choça, Sobre a montanha; um sítio de araponga, Onde, se tu me acompanhar quiseres, Acharás o preciso aos teus misteres, Prevendo o caso de uma estada longa. Mas que da nossa habitação tranqüila Aviste-se o caminho, a igreja, a vila, O rio, a ponte, as terras de lavoura... Pode ser que a mudança te aproveite E eu veja ao colo, a te sugar o leite, Um róseo anjinho de cabeça loura! [2.74] Alguns poetas brasileiros, entre os quais figura Luís Delfino, hão procurado alterar a disposição normal das estrofes do soneto, mediante a colocação dos tercetos antes dos quartetos ou entre estes, com cuja inovação conseguiram somente dar outra modalidade ao poema, sem nenhuma vantagem para a sua estética, como se verifica no soneto intitulado "Luz para o Dia", do poeta citado: LUZ PARA O DIA [Luís Delfino] Só há um mundo para mim mais largo, Vida bem longe do momento amargo, Onde o relógio nunca tem ponteiros, Onde o sol não se põe, e jamais nasce: É quando estou beijando a tua face, Quando estou junto a ti dias inteiros; Tudo o mais noite intensa é que vacila Na treva dura, enferma e pavorosa, Por onde, como cintilante rosa, Uma estrela não abre e não cintila. Só pode dar-lhe cor tua pupila, E cor e brilho à Hora luminosa; Para o dia ter luz, há de pedi-la A ti só, alma em flor da luz formosa... [2.75] Antiga inovação da técnica do poema clássico é o soneto com "estrambote" ou de "cauda", de que já fizemos menção. É invenção italiana do século XIII. Leia-se o que se segue, de Luís de Camões, que traz o inestético penduricalho: [original de Camões] Tanto se foram, Ninfa, costumando Meus olhos a chorar tua dureza, Que vão passando já por natureza O que por acidente iam passando. No que ao sono se deve estou velando E vendo a velar só minha tristeza; O choro não abranda esta aspereza E os meus olhos estão sempre chorando. Assim, de dor em dor, de mágoa em mágoa, Consumindo-se vão inutilmente E esta vida também vão consumindo. Sobre o fogo de amor inútil água! Pois eu em choro estou continuamente, E do que vou chorando te vais rindo. Assim nova corrente Levas de choro, em foro; Porque, de ver-te rir, de novo choro. [2.76] Porventura mais elegante, no seu conspecto artístico, será a variedade do estrambote de invenção francesa, que se encontra em alguns sonetos do poeta moderno Alberto Samain (1859-1900), como se vê no que se intitula "Midi": MIDI [Albert Samain] Au zénith aveuglant, brûle un globe de flamme Le ciel entier frémit criblé de flèches d'or. Immobile et ridée à peine la mer dort, La mer dort au soleil comme une belle femme. Çà et là, dans le creux des rochers, une lame Blanchit, et par degrés d'un insensible effort Les vagues, expirant sur le sable du bord, Allongent leur ourlet tiède jusqu'à mon âme. Mon àme a fui!... Mon âme est dans la mer sacrée! Mon âme est l'eau qui brille et la clarté dorée, Et l'écume et la nacre, et la brise et le sel! Et mon essence unie à l'essence du monde Court, miroite, étincelle, et se perd, vagabonde, Ainsi qu'un grain d'encens consumé sur l'autel Dans la splendeur sans bords de l'être universel, [2.77] Até o capricho artístico de alguns poetas, não raro de difícil execução, há-os levado a comporem sonetos como o que abaixo vai transcrito, intitulado "Nuit d'or", do francês Júlio Marthold, cujos versos são constituídos de monossílabos: NUIT D'OR [Jules Marthold] Nul bruit, nul cri, nul choc dans les grands prés de soie, Où tout rit et sent bon sous le ciel bleu de soir, Où, sauf le ver qui luit, on ne peut plus rien voir, Où le chat-linx des bois va, court et suit sa proie; La voix des nids en choeur dit son pur chant de joie, Un cerf boit à sa soif, au guet, l'eau du lac noir Au pan creux d'un vieux mur dort en paix un vieux loir, Et sous les jeux de juin, tout vit, tout croit, tout ploie. Un vent chaud des blés mûrs fait un flot de la mer Et sur les monts des pins ont cent longs bras de fer, Sur un roc nu la tour plus que le roc est nue. Doux et fort, oeil mi-clos, roi du sol, un boeuf pait. Il pleut sans fin, croit-on, des clous d'or en la nue, Le temps court, le temps fuit, la nuit meurt, le jour naît. [2.78] Outra inovação introduzida na técnica do soneto é a exemplificada pelo que em seguida se reproduz, com o título de "Noites de Inverno", de Raimundo Correia, em que aparecem, irregularmente dispostos, versos de seis e doze sílabas: NOITES DE INVERNO [Raimundo Correia] Enquanto a chuva cai, grossa e torrencial, Lá fora; e enquanto, ó bela! A lufada glacial Tamborila a bater nos vidros da janela; Dentro, esse áureo torçal Do cabelo que, rico, em ondas se eneapela, Deslaça; e o alvor ideal Do teu corpo à avidez do meu olhar revela; Porque, à avidez do olhar Do amante, é grato, ao menos, Destas noites no longo e monótono curso, - Claro como o luar - Ver um busto de Vênus Surgir nu dentre as lãs e dentre as peles de urso. [2.79] Ainda outra pequena, mas esta bem-vinda "heresia" contra os dogmas métricos de Boileau, será a disposição das rimas em parelhas ou dísticos, como se observa no soneto "A Casa da Rua Abílio", de Alberto de Oliveira: A CASA DA RUA ABÍLIO [Alberto de Oliveira] A casa que foi minha, hoje é casa de Deus. Traz no tôpo uma cruz. Ali vivi com os meus, Ali nasceu meu filho; ali, só, na orfandade Fiquei de um grande amor. Às vêzes a cidade Deixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus. Sai de lá uma prece, elevando-se aos Céus; São as freiras rezando. Entre os ferros da grade, Espreitando o interior, olha a minha saudade. Um sussurro também, como esse, em sons dispersos, Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos. De alguns talvez ainda os ecos falarão, E em seu surto, a buscar o eternamente belo, Misturados à voz das monjas do Carmelo, Subirão até Deus nas asas da oração. [2.80] Curiosa singularidade é a que consta do soneto "Cantilena", de Olavo Bilac, incluído na sua última coletânea de poesias ("Tarde"), cujos versos são compostos de três quadrissílabos, sem elisão entre si: CANTILENA [Olavo Bilac] Quando as estrelas surgem na tarde, surge a esperança... Toda alma triste no seu desgosto sonha um Messias: Quem sabe? o acaso, na sorte esquiva, traz a mudança E enche de mundos as existências que eram vazias! Quando as estrelas brilham mais vivas, brilha a esperança... Os olhos fulgem; loucas, ensaiam as asas frias: Tantos amores há pela terra, que a mão alcança! E há tantos astros, com outras vidas, para outros dias! Mas, de asas fracas, baixando os olhos, o sonho cansa; No céu e na alma, cerram-se as brumas, gelam as luzes: Quando as estrelas tremem de frio, treme a esperança... Tempo, o delírio da mocidade não reproduzes! Dorme o passado: quantas saudades, e quantas cruzes! Quando as estrelas morrem na aurora, morre a esperança... [2.81] Consoante o que asseveram, com conhecimento de causa, os autores do "Tratado de Versificação", Bilac e Guimarães Passos, o soneto é composição lírica por excelência. Entretanto, como ficou dito, neste ensaio, esta sua função poética se há alargado consideravelmente; assim, temos sonetos meramente "descritivos", "filosóficos", "políticos", "humorísticos", "satíricos", e ainda, "prosaicos", "genetlíacos", "epitalâmicos" e "necrológicos", os quatro últimos mais aberrativos do que os antecedentes da função própria do poema. [2.82] Do soneto "descritivo" não se encontrará, decerto, no Brasil, poema do gênero que se avantaje ao intitulado "A Romã", de Emílio de Meneses, com a sua metrificação rigorosa e o seu vocabulário rico, no sentido de pouco vulgar: A ROMÃ [Emílio de Meneses] Mal se confrange na haste a corola sangrenta E o punício vigor das pétalas descora, Já, no ovário fecundo e entumescido, aumenta O escrínio em que retém, os seus tesouros, Flora. E ei-la exsurge a romã, fruta excelsa e opulenta, Que de acesos rubis os lóculos colora, E à casca orbicular, áurea e eritrina ostenta O ouro do entardecer e o paunásio da aurora. Fruta heráldica e real, em si traz a coroa Que o cálice da flor lhe pôs com o mesmo afago Com que a mãe Natureza os seres galardoa. Na forma hostil, porém, de arremesso e de estrago, Lembra um dardo fatal que o espaço cruza e atroa Nos prélios imortais de Roma e de Cartago! [2.83] Como exemplo do soneto de caráter "filosófico" nenhum podemos igualmente escolher que consiga superar o intitulado "La Philosophie", do poeta francês Sully Prudhomme (1839-1908), do qual possuímos a boa tradução de Antônio Sales que aqui o acompanha: LA PHILOSOPHIE [Sully Prudhomme] Cette femme qui, triste, en soi-même descend, Debout, le front penché, c'est la Philosophie. Solitaire, dans l'ombre elle entre, et se confie, La main sur la poitrine, à l'appui qu'elle y sent. La terre, les saisons, l'azur resplendissant, Toutes les voluptés trompeuses de la vie, Les choses qu'on peut voir, ne lui font point envie, Elle réclame et cherche un éternel absent. Vierge auguste, je t'aime et je connais ta peine. En approchant de toi, je retiens mon haleine, Pour que nul souffle humain ne trouble ton labeur, Car j'attends de ta bouche à se taire obstinée Le mot que je désire et dont pourtant j'ai peur, Le mot de ma naissance et de ma destinée. Tradução de Antônio Sales: Uma triste mulher, que em si mesma, silente, Se abisma, em pé, curvada - eis a Filosofia. Solitária, na sombra entra, e ali se confia Aos impulsos da fé que em seu íntimo sente. A terra, as estações, o azul resplandecente, A volúpia falaz que da vida irradia, Tudo o que o nosso olhar percebe, a deixa fria: Ela reclama e busca um sempiterno ausente. Virgem augusta, eu te amo e o teu pesar compreendo; De ti me aproximando, o meu hálito prendo, Para não perturbar o teu labor divino, Porque de tua boca eu espero o segredo Que desejo saber e de que tenho medo: - Minha origem qual é e qual é meu destino? [2.84] O soneto de tema "político" há sido vastamente praticado, ao sabor do patriotismo bem ou mal entendido de alguns poetas nacionais. Transcreve-se abaixo o intitulado "Sete de Setembro", do poeta riograndense do sul Félix Xavier da Cunha (1833- 1865): SETE DE SETEMBRO [Félix Xavier da Cunha] Silêncio!... não turbeis na paz da morte Os manes que o Brasil quase esquecia!... É tarde!... eis que espedaça a lousa fria De um vulto venerando o braço forte! Surgiu!... a majestade traz no porte, O astro da glória à fronte lhe irradia... Ó grande Andrada, adivinhaste o dia, Vem juntar aos da pátria o teu transporte! Recua!? não se apressa a vir saudá-la, Cobre a fronte brilhante de heroísmo? E soluça?... o que tem?... Ei-lo que fala: - "Ó pátria, que eu salvei do despotismo! Só vejo a corrução que te avassala, Não te conheço!..." E se afundou no abismo! [2.85] O soneto que se segue, também de tipo "político", intitula-se "La Main", e é de autoria do célebre poeta e dramaturgo Edmundo Rostand (1868-1918). Figura o autor, na referida "mão", o gênio militar do General Joffre, comandante-chefe dos cinco exércitos franceses que, dirigidos por Mannoury, Franchet d'Espérey, Foch, Langle de Cary e Sarrail, entraram em ação na memorável batalha do Marne, iniciada no dia 6 de setembro de 1914. [2.86] Joffre, com o seu hábil recuo diante das forças alemãs, teria reproduzido a antiga façanha do cônsul romano Quinto Fábio Máximo, o "Cunctator", diante das legiões de Aníbal, nos campos da Apúlia e da Campânia. [2.87] Edmundo Rostand, no seu soneto, pinta-nos aquela "mão", de que os cinco exércitos citados representam os dedos, na ação de fechar-se, empolgando e estrangulando os exércitos invasores, às margens do histórico rio francês: LA MAIN [Rostand] Donc, le quatre Septembre, il dit: "Après-demain". Et, le six, cette main au recul peu sincère Qu'ouvrait, pour empaumer lentement l'adversaire, Le Cunctator français plus grand que le romain, Se referme. Le pouce, un pouce surhumain - C'est Mannoury - commence un travail nécessaire. C'est Franchet d'Espérey, l'index. La main se serre. Foch est le médius formidable. La main Se crispe. L'annulaire empourpré, c'est de Langle, Et le dur petit doigt, Sarrail. La main étrangle. La Bête peut s'enfuir, mais la Béte a souffert. La marque de cinq doigts à sa gorge en témoigne. Cinq doigts! - et jusqu'au bout des cinq ongles de fer Joffre distribuait la vertu de sa poigne. [2.88] A literatura poética brasileira é bastante rica na produção de sonetos "humorísticos", senão excelentes, ao menos de aprazível leitura. Empregamos, aqui, o neologismo (humorísticos) com a significação de chistosos, facetos etc., acepção bem filiada à palavra portuguesa "humor" (boa disposição de espírito, veia cômica, ânimo irônico, alegre e delicado). [2.89] No seguinte soneto, intitulado "Voz Interior", o poeta brasileiro Bastos Tigre oferece solução um tanto satisfatória, pelo menos do ponto de vista da "positividade" da questão, ao grave problema que inspirou a Luís Büchner a tese intitulada "O Homem segundo a Ciência", na qual o filósofo alemão formula respostas às três interrogações: "De onde vimos? Quem somos? Para onde vamos?" VOZ INTERIOR [Bastos Tigre] Quem sou eu, de onde venho e aonde, acaso, me leva O Destino fatal que os meus passos conduz? Ora sigo, a tatear, mergulhado na treva, Ora tateio, incerto, ofuscado de luz. Grão no campo da Vida, onde a morte se ceva? Semente que apodrece e não se reproduz? De onde vim? da monera? ou vim do beijo de Eva? E aonde vou gemendo, a sangrar os pés nus? Nessa esfinge da Vida a verdade se esconde; O espírito concentro e consulto a razão E uma voz interior, sincera, me responde: - Quem és tu? - Operário honesto da nação. - De onde é que vens? - De casa. - Onde é que estás? - No bonde. - Para onde vais? - Não vês? - Para a Repartição. [2.90] Leiamos também, a título de variante do soneto humorístico, o poema "Le Cochon" (11), em que Carlos Monselet (1825-1888), poeta e gastrônomo francês, embora com objetivo estranho a facécia e a chiste, entoa encomiástico hino ao porco de ceva, disfarçando, com ostentosa retórica, as suas más intenções relativamente ao inditoso quadrúpede: LE COCHON [Charles Monselet] Car tout est bon en toi: chair, graisse, muscle, tripe! On t'aime galantine, on t'adore boudin. Ton pied, dont une sainte a consacré le type, Empruntant son arome au sol périgourdin, Eût réconcilié Socrate avec Xantippe. Ton filet, qu'embellit le cornichon badin, Forme le déjeuner de l'humble citadin; Et tu passes avant l' oie au frère Philippe. Mérites precieux et de tous reconnus! Morceaux marqués d'avance innombrables, charnus; Philosophe indolent, qui mange et que l'on mange! Comme dans notre orgueil nous sommes bien venus A vouloir, n'est pas, te reprocher ta fange? Adorable cochon! animal roi! - cher ange! [2.91] O soneto "satírico" há sido vastamente praticado no Brasil, senão com o intento exclusivo de castigar ou corrigir maus costumes, à maneira das sátiras de Juvenal, Horácio, Marcial e Pérsio, ao menos com o de lançar o ridículo sobre pessoas e coisas. [2.92] Primam neste gênero, além de Gregório de Matos, no século XVII, os poetas contemporâneos Padre Correia de Almeida ("Sátiras" etc.), Raimundo Correia ("Poesias Avulsas", in "Poesias Completas" - 1948), Emílio de Menezes ("Mortalhas" - 1924), "Gilberto Flores", pseudônimo do poeta cearense Irineu Filho ("Maricas e Maricões" - 1915) e alguns mais. [2.93] Leia-se o seguinte soneto, de Gracílio Cúrcio, poeta embuçado, no qual tenta este retratar satiricamente certo mulato sertanejo, empavezado e tolo, que pavoneia a sua nulidade entre os brancos da sua espécie. [2.94] O soneto intitula-se "Bujamé": BUJAMÉ [Gracílio Cúrcio] Quando Dona Isabel, a Princesa Regente, Nas senzalas ergueu da Liberdade o archote, Esse preto senil, de focinho impudente, Era cria comum, era simples negrote. Hoje, porém, cresceu, hoje, tornou-se gente, Não é mais o garoto, o pífio molecote De reles carapinha e beiçola indecente, Com o medo do senhor e do peso do pote. Agora, é um pardo velho, e gordo, e preguiçoso; Coronel do sertão, juiz sem toga ou tese, Quando fala às "sinhás", é por cima do lombo... Mas que banzo lhe herdou bronco avô temeroso! - Ele sonha o deserto, o seu pátrio Zambeze, O rude linguajar, a paz do seu quilombo... [2.95] À imitação de Catulo Mendès, que, nas onze pequenas estrofes da poesia "Récapitulation", bastante maltratada pela crítica de Max Nordau ("Dégénérescence"), registra copioso número de nomes de mulheres, provavelmente suas namoradas, o poeta pernambucano Rogaciano Leite, hábil em jogos de rimas, houve por bem compor o soneto a que deu o título de "Sessenta Musas", do tipo "prosaico", como a cantilena do poeta francês, tendo sobre a deste a vantagem de possuir sentido mais explícito: SESSENTA MUSAS [Rogaciano Leite] Respondam-me, afinal: Nilda, Suzete, Nenen, Guiomar, Eulália, Mozarina, Célia, Dora, Socorro, Amilcarina, Gilca, Norma, Rosália, Dulce, Ivete; Creusa, Ivone, Ceci, Lourdes, Arlete, Nisa, Ofélia, Masé, Lindalva, Nina, Lúcia, Rita, Marli, Sônia, Marina, Vilma, Zezé, Luci, Neusa, Ivonete; Clarisse, Adélia, Auri, Zélia, Marleide, Anita, Zilma, Edi, Laurita, Neide, Maura, Cármen, Mimi, Olga, Ilma, Talma; Denise, Helena, Itália, Hilda, Helenice, Maristela, Zizi, Beatriz e Alice... - Que é que vocês fizeram de minha alma? [2.96] Enfim, como termo a esta digressão em torno das singularidades, desvarios e caprichos a que se há aventurado o soneto, através das glórias e vicissitudes do seu alongado caminhar, digamos ainda que ele não tem recuado diante dos portões dos presídios e manicômios.. [2.97] Para comprová-lo, transcrevemos o seguinte, composto por um alienado recluso no Asilo de Marselha (França), que, "data vênia", extraímos da notável obra "Poésie et Folie", de A. Antheaume e G. Dromard, também notáveis psiquiatras, já por nós citada nesta monografia. [2.98] Note-se, no último terceto, a mobilidade de espírito do poeta enclausurado, que ali se evade da evocação do seu passado feliz para a baixeza de estilo e a grosseria erótica, aliás próprias dos "lunáticos": [anônimo francês] Pourquoi donc remuer les cendres du passé? Laissons nos souvenirs dormir leur sommeil rose. Si j'ai ce soir le front tout chargé de névrose Si mon âme est plus triste et mon coeur plus lassé, A quoi bon évoquer cet amour insensé Dont je sus t'entourer autrefois, ô ma Rose? De ce bain de bonheur je sortirais morose, Et me verrais encor plus seul, plus délaissé. Si pourtant je voulais rechercher la racine De ces maux, dont le spleen sans pitié m'asassine, Comme je calmerais bien vite mes émois, En songeant que ce feu qui dura de longs mois Ne brûlait pas pour toi! Car il tenait, ma brune, Rien qu'aux retondités suaves de ta lune!
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