PARIS
(conversando com a Torre Eiffel)
Vladimir Maiakovski
trad. Paulo Ferraz
Maltratada por milhões de pés.
Esfacelada por milhares de pneus.
Eu rasgo Paris —
terrivelmente erma,
terrivelmente desumana,
terrivelmente desalmada.
Ao meu redor —
a fantástica dança dos carros,
ao meu redor —
bestas marinhas nos chafarizes
assoviam em um só acorde
as mesmas águas dos Luíses.
Parto para a
Place de la Concorde.
Espero,
e enquanto
espio um sinal que a identifique,
espreitando atrás das casas
sai, por mim,
o bolchevique,
como um espectro
da neblina a Torre Eiffel.
— Psiu,
torre,
seja discreta! —
estão nos vigiando! —
essa lua-guilhotina assusta.
Conto o que se passa
(num sopro sibilado,
em sua
orelha-rádio
chio,
cochicho):
— Tenho agitado as coisas e os edifícios.
Nós
aguardamos apenas sua anuência.
Torre,
você quer liderar uma rebelião?
Torre —
Nós
te elegemos nossa líder!
Você —
exemplo do gênio da ciência —
não pode
apodrecer num metro de Apollinaire.
Aqui não é seu
lugar — lugar da decadência —
Paris das putas,
dos poetas,
da bolsa de valores.
O Metrô já aderiu,
os trens estão comigo —
eles
cuspirão o público
de suas entranhas revestidas —
e com sangue limparão
os anúncios de perfume e pó-de-arroz
nos muros.
Estão convictos
não vão circular o
vagão dos ricos.
Não são escravos!
Estão convictos —
para eles
acima dos retratos
está nossa propaganda,
cartazes de luta.
Torre,
a rua não é temerária!
Se o
Metrô não libertar o subterrâneo —
a terra
será nossos trilhos
Iniciarei uma revolta ferroviária.
Está com medo?
Os cafés defenderão o sistema?
Está com medo?
A Rive Gauche virá em socorro.
Não tema!
Já combinei com as pontes.
Atravessar o
rio
a nado não
é nada fácil!
As pontes,
rompendo com o tráfico enfurecido,
dividirão Paris em duas metades.
As pontes irão se rebelar.
No primeiro chamado —
os passantes serão lançados a um pilar.
As coisas estão indignadas.
É um ponto insuportável.
Depois de
quinze anos
ou vinte,
abrandará o aço,
e essas
mesmas coisas
de agora
lá fora
nas noites de Montmartre vão se vender.
Vamos, Torre!
Conosco!
Afinal,
você,
ao nosso lado,
é essencial!
Venha conosco!
Com seu aço reluzente,
na fumaça —
nós te encontraremos.
Nós te encontraremos com mais afeto
que ao primeiro entre os queridos dos queridos.
Vamos para Moscou!
Em Moscou
nos
sobra espaço.
Você
— e todos! —
estará na via pública.
Nós
cuidaremos de você:
cem vezes
ao dia
sol a sol lustraremos seu cobre e seu aço.
Deixe
essa cidade,
a Paris dos dândis e dos fariseus,
a Paris dos bulevares sufocantes
acaba sozinha, no longo cemitério do Louvre
no velho Bois de Boulogne e nos museus.
Em frente!
Mova suas quatro potentes patas,
cravadas no chão pelo croqui de Eiffel,
para que em nosso céu sua testa irradie,
para que nossas estrelas se desviem diante de ti!
Decida, Torre,
mande tudo à sua sorte,
revirando Paris pelo avesso!
Vamos, se apresse!
Conosco!
Conosco para a URSS!
Vamos conosco —
que eu
te arranjo um passaporte!
(1924-1925)
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