Quais são as principais tendências da poesia norte-americana hoje?
Marjorie Perloff - Bem, existem inúmeras, há uma grande guerra entre grupos oposicionais. Há os poetas da segunda geração da New York School, como Ted Berrigan, David Shapiro, influenciados por Frank O'Hara. Há também os pós-beats, a etnopoesia de Jerome Rothenberg, os "language poets", o pessoal da poesia visual, como Johanna Drucker. Do outro lado tem os Novos Formalistas, que vieram do mesmo programa de "creative writing" da Universidade de Iowa e que querem atrasar o relógio da poesia, trazer de volta a rima, o soneto, a metrificação, que para eles significa basicamente o iâmbico pentâmetro. Outros poetas são incatalogáveis, como Clayton Eshleman. Muito forte hoje também é a poesia de minorias como os blacks, gays, chicanos...
Qual é a sua opinião sobre essa poesia de minorias?
Perloff - Se você pegar um poeta chicano ou um poeta gay, você vai notar que todos eles seguem a linha confessional. Mas acho que há um motivo para isso, e positivo: eles argumentam que representam uma minoria, e que suas vozes não foram ouvidas. Eles preferem um contato mais imediato com a audiência, e é por isso que a "poesia da linguagem" lhes parece tão dramática e difícil. Confesso que não sei muito bem o que acho disso... A verdade é que estes poetas praticam uma poesia quase sempre direta e que na verdade corresponde a uma estética de um período anterior a este, uma estética dos anos 60. Como se nenhum dos eventos do chamado "pós-modernismo" tivesse acontecido. Temos que esperar para ver que talentos vão ficar. Não quero condenar este tipo de poesia porque eu entendo as razões para isso.
Esse fenômeno ocorreu na mesma época em que a correção política começou a ser discutida, não?
Perloff - O que eu quero dizer é que ser um poeta de minoria não é desculpa para fazer uma poesia ruim. Acho válido termos uma poesia negra, poesia gay, lésbica, afro-americana, indígena etc. O problema é que a maior parte é muito ruim! Pra ser sincera, acho que estes grupos hoje tem mais força até do que a academia. Eu tenho um amigo meu que é um poeta gay: eu vivo lhe dizendo que a maior parte da poesia gay é lixo. É uma posição delicada: ele escreveu um livro de memória sobre um amigo que morreu de AIDS e depois um livro de poemas. Simplesmente horríveis. Mas porque ele é gay, ninguém acaba falando nada. Se ele fosse heterossexual, todos diriam "mas o que é isso?". Quando pessoas vem me dizer que Alice Walker é marginalizada eu me pergunto: ora, como pode ser, se um livro seu vira filme de Hollywood, se ela vende até em supermercado? Ela não é marginal. Isso me irrita, porque muitos outros poetas que de fato são marginalizados não tem acesso à mídia e às editoras como ela ou Toni Morrison têm.
Você me falava antes da entrevista sobre um debate do qual você participou em que vários poetas e críticos se opuseram à sua defesa dos "poetas da linguagem". Como é essa briga?
Perloff - É uma grande guerra, realmente. Há muita represália para quem os defende, como eu. Eu tive muita dificuldade em ser aceita em Stanford, por exemplo. As pessoas achavam que eu ia forçar todos os alunos a ler Gertrude Stein. Houve muita resistência para que eu pudesse dar cursos sobre George Oppen, Zukofsky. Mas essa discussão nunca deve ser levado no plano pessoal, e sim no das idéias, de posições estéticas diferentes. As pessoas que se opõem a minhas idéias, e isso é compreensível, estão ligadas a uma estética dos anos 60: toda a "reading scene" e a poesia oral, os beats, a estética da Black Mountain... Eu entendo por que Denise Levertov se opõe a mim, por exemplo: ela, como Ginsberg e outros, ainda acredita que poesia "é a verdadeira voz do sentimento". Para eles, poesia tem de ser lírica, agradável, fácil, bonita, musical e os poetas que freqüentemente defendo não tem nada disso. O mais interessante é que tanto uma Levertov ou Ginsberg quanto os poetas da linguagem se dizem descendentes de Williams, ou Pound. Mas Williams tem muitos lados. Se você falar com uma crítica como Helen Vendler, ela vai dizer que poesia tem valores permanentes, ela não precisa mudar. Para ela, não há razão para a poesia ser diferente do que no tempo de Keats. Então, os poetas bons para ela continuam sendo os que se parecem com Keats. E para outros as circunstâncias históricas fazem diferença sim, você não pode se livrar disso.
Fale um pouco sobre Artifício Radical. De que se trata?
Perloff - A idéia ocorreu durante um curso sobre a interface entre poesia e teoria que eu estava dando. Ele começava com John Cage, Robert Smithson, depois discutíamos Derrida, Barthes e Charles Bernstein, Lyn Hejinian e outros dos chamados "language poets". Havia uma estudante iugoslava na classe que estava desesperada pelo fato de que esses autores eram tão difíceis, etc. E essa garota, que era brilhante mas que não conhecia muito de poesia norte-americana, um dia se levantou exasperada e perguntou: "Por que eles não escrevem como Kafka?" (risos). E isso despertou meu livro. Eu quis saber, a partir daí, por que esses poetas não escrevem como Kafka, por que há este tipo de dificuldade na poesia. O que ela quis dizer é que Kafka, não importa o quão difícil ele seja, possui uma sintaxe completamente lúcida, sua prosa é direta. Em outras palavras, qualquer um entende uma frase de Kafka. O que eu quis saber é por que na última década ou mais, aqui nos EUA, mas também na América Latina, na França, na Inglaterra, surgiram poetas que nem sequer se conhecem que estão escrevendo uma poesia e esqueça aqui o rótulo de "language poetry" um tipo de poesia que é é realmente a-ssintática, que é bastante difícil, que fragmenta o self, na qual você não tem uma voz lírica muito clara, onde o sujeito não está numa posição fixa. O primeiro capítulo se chama "Avant Garde or Endgame?", onde eu discuto a questão de se é possível ou não uma vanguarda hoje e eu argumento que sim, e polemizo com outros críticos como Jameson, que acham que não. Meu exemplo é a Performance Lectures on the Weather, de John Cage. No livro eu falo sobre como a linguagem está reagindo aos mass media, a coisas como talk shows, out-doors, a publicidade, a TV. Há inclusive um capítulo onde abordo o caso da poesia concreta. De fato, um dos títulos do livro eu tomei emprestado de Augusto de Campos, "Cage/ Chance/ Change". A tese do meu livro é que quando se vive numa cultura que é midiática, sem olhar isso de um ponto de vista necessariamente marxista, os poetas estão sentindo menos vontade de escrever sobre "como eu me senti numa pescaria com meu avô", este tipo de coisa. Hoje temos "'selves" que são fabricados para a TV.
Como assim?
Perloff - Por exemplo, essa explosão de talk shows horríveis como Donna Hill, Geraldo, Arsenio Hall, Donahue Show, que abordam diariamente todo tipo de tema, adultério, incesto, pais gays com filhos, masoquismo, e onde são discutidos os detalhes mais íntimos da vida privada. Como a de um pai que praticou incesto com as filhas, e a mãe e as filhas apareciam também no programa, falando sobre isso. Então, quando se tem este tipo de atmosfera isso faz com os poetas se movam num terreno mais artificial, no sentido positivo: reintroduzir na poesia um tipo de dificuldade e artifício que permita se afastar deste tipo de revelação infinita, de auto-consciência, bem como da fala, da noção de uma poética baseada na fala. A noção é que quando você ouve tanta fala degradada você não quer imitar todos esses padrões.
É uma posição corajosa, acho. Não é uma característica da poesia norte-americana desde Whitman ser coloquial?
Perloff - A idéia de "primeira idéia, melhor idéia", de Ginsberg, ou a idéia de que o poeta á "trazido à fala", como diz Levertov, está em crise. Em termos poéticos, sempre houve um conflito entre fala e escrita, e este tipo de poesia tende a ser mais próximo da escrita que da fala. Para mim a palavra-chave hoje é "artifício". De certa forma, é um maneirismo típico de fin-de-siècle. Hoje há a impressão de que poesia não precisa ser "natural", não precisa ser como a palavra falada, não precisa ser "natural", transparente. Você vê, o problema é que poetas como Levertov e outros poetas dos anos 60 é que eles ainda acreditam que o poema deve ter um "natural look". O poema devia parecer natural mesmo que fosse trabalhado, como um poema de Williams. Só que o natural hoje está em maus lençóis, porque as pessoas querem saber que "natural " é esse, como você o percebe. Como diz Charles Bernstein, é sempre importante lembrar que o poema é algo que é produzido, ele não vem naturalmente, não é como eu me levantar aqui e falar para você, é a objeção disso. Acho que hoje aquele tipo de poema a la Robert Lowell, em que você diz como se sente sobre isso ou aquilo, o tipo de poesia confessional, parece-me estéril, esgotada. Quando Connie Chong, a apresentadora de TV, vem em rede nacional anunciar que não terá mais ter o seu show porque ela, que tem 42 anos, se decidiu "tentar agressivamente ter um bebê", bem, quando se ouve alguém dizendo isso, a próxima coisa que se pode esperar é que ela tente fazer isso ao vivo (risos). Isso não resultaria num bom poema, percebe, é público e trivial demais. Acho que boa parte da poesia contemporânea que me interessa está mais interessada em lidar com a linguagem, com outros problemas, menos individuais, que dizem respeito a mais pessoas. Isso não quer dizer que as pessoas não tenham seus estilos individuais. Eu sei a diferença entre um poema de Charles Bernstein e um de Michael Palmer. Não são todos que conseguem escrever este tipo de poesia. De fato, a maior parte dos "language poets" são ruins. Em todo caso, acho um movimento bastante interessante.
Qual seria o projeto poético dos "language poets"?
Perloff - É uma que se pode chamar de não-referencial, mas este termo não é adequado, porque há sentido no que fazem, só que é mais difícil de captá-lo. Eu diria que é uma escrita centrada na linguagem, poesia que explora a linguagem.
Seria "poesia sobre poesia", como disse Ferlinghetti, uma poesia metalinguística?
Perloff - Não, não tem nada a ver com poesia sobre poesia. É uma poesia bastante influenciada pela teoria, mas nem por isso é uma poesia acadêmica no sentido conservador. Eu diria que é uma poesia intelectual, bastante influenciada pela filosofia da linguagem, por Wittgenstein que seria uma espécie de filósofo do movimento mas também por Foucault, Derrida, pelos novos filósofos franceses. Quase todos são críticos, também, escrevem sobre outras coisas. Também não tem nada a ver com surrealismo: não é que as imagens são estranhas, só que é mais difícil fazer uma ligação entre uma palavra e outra. Ao invés de existir um "eu fixo" que está falando, não parece haver um centro nos poemas, nenhum self, pelo menos não nominalmente. É uma poesia bem fragmentária, onde a sintaxe é o tempo todo distorcida, tornada estranha. Veja o caso de Susan Howe: ela é uma poeta que escreve sobre a história norte-Americana mas em seus poemas tem-se a sensação de que as coisas não fazem muita ligação, há uma dificuldade em como estabelecer uma relação entre os fragmentos. Os poetas da linguagem argumentam que o signo foi totalmente rebaixado, enfraquecido, comodificado, e este é o aspecto político do grupo. Eles querem fazer a poesia mais difícil, de modo a fazer com que o leitor veja o signo, e "make it new", fazê-lo algo fesco e interessante. Para que isso ocorra é preciso distorcer a sintaxe, desfamiliarizar.
Quais as principais referências destes poetas?
Perloff - Gertrude Stein é a principal influência, e os poetas objetivistas como Zukofsky e George Oppen também. Outros poetas, como Pound, Cage, os poetas europeus como Appolinaire e Cendrans e a vanguarda russa, Khlebnikov, são muito importantes também, toda a influência do formalismo russo. É isso que é: é uma poesia formalista, mas é bastante política. Alguns predecessores são Creeley, Cage, e Ashbery, Jackson Mac Low. Eles são uma espécie de ponte. Ashbery sempre diz que a "language poetry" se parece muito com o que ele fez em The Tennis Court Oath.
O que você acha de John Ashbery? Ele parece um caso à parte.
Perloff - Bem, Ashbery sempre esteve à frente de seu tempo. Quando seu primeiro livro foi publicado, Some Trees, ele não teve nenhuma audiência, ninguém olhava para ele. Foram precisos vinte anos para que alguém começasse a perceber sua importância, porque sua poesia parecia muito difícil, estranha. Todos ficavam perguntando sobre onde estava o "self" do poeta, o tema do poema. Diziam que era uma poesia obscura, chata, não dava para saber sobre o que ele estava falando, e por aí. Só no fim dos anos 70 Ashbery começou a ficar conhecido. O mais curioso é que uma crítica como Helen Vendler, que odiava a poesia de Ashbery, de repente começou a se agarrar nele. Bem, existe um lado romântico na poesia dele, como em Auto-retrato num Espelho Convexo, que é um poema mais acessível. Mas ela e outros críticos odeiam The Tennis Court Oath, que poetas jovens hoje apreciam, mas que é um livro de 1964! Ashbery esteve sempre mudando porque ele, como Cage, estava à frente de seu tempo. Cage hoje tem 80 anos, e continua sempre fazendo coisas diferentes. Já outros poetas se perdem ou ficam no caminho, de algum modo, se tornam ressentidos, e se há algo que eles mais odeiam é a geração seguinte.
Qual a influência que a tecnologia e dos mídia na obra dos poetas que você analisa no seu livro?
Perloff - Imensa, tanto no sentido positivo quanto negativo. Ler os poemas é parecido com mudar os canais de TV, ou como num computador, onde as coisas podem mudar de uma hora para outra. Meus alunos não têm dificuldade alguma com essa descontinuidade, ela já faz parte da experiência deles. Já os mais velhos já sentem dificuldade em entender, pois eles sempre esperam uma continuidade, possuem idéias pré-concebidas de como um poema deve ser.
Em O Momento Futurista, a você aborda a questão das vanguardas. Qual é a sua opinião sobre a poesia concreta?
Perloff - Foi uma experiência muito interessante, mas a experiência era basicamente prestar atenção à materialidade do significante, a idéia de que de que o material é o sentido, e eu acho muitos poemas concretos magros em sentido. Poesia, para mim, deve ser complexa, rica, ter sentido, ser interessante a cada leitura. Para mim, muitos daqueles poemas se tornaram mais próximo de logotipos, da arte comercial, do design. Como no poema "Wind" de Gomringer, onde a palavra "wind" é tudo que você tem. OK, é uma experimento interessante, mas onde você chega com isso? Ou como no poema "beba coca-cola", de Décio Pignatari. Você pode até dizer que é uma sátira ao capitalismo, mas bastante rudimentar. Quantas vezes pode-se ler este poema e achá-lo interessante? Veja: o perigo na poesia de Creeley, dos "language poets" ou da poesia concreta é a de tornar redutora, o de querer passar por "caprichosa", extravagante, inteligente. O perigo é de se tornar só um jogo de palavras inteligente, fazer trocadilho pelo trocadilho, ser tão auto-consciente da linguagem mas não ter nada a dizer. Acho que é o seguinte: na poesia, seja do século 17 ou na contemporânea, se você não tiver nada para dizer, essa poesia não vai ser interessante. Você tem que ter algo que você realmente queira dizer, que você queira comunicar, um novo modo de olhar para as coisas.
Você não estaria sendo rigorosa demais? A poesia concreta não deixou uma contribuição relevante?
Perloff - Claro que sim, foi uma experiência interessante, principalmente no sentido de reconhecer que o componente visual prevaleceria cada vez mais. Ela estava certa neste ponto, em atentar para a visualidade crescente de nossa cultura. Ele fizeram o que tinha de ser feito, trouxeram a influência de Pound, de cummings, por exemplo. Mas era utópico e idealista demais o conceito de que teríamos uma linguagem universal de poesia concreta, em que todos falariam com todos, porque isso significa que eles não tinham mais nada a dizer. Um poema que uso no livro como exemplo disso é o poema "Código", de Augusto de Campos. O poema é muito bonito, é um "logo" interessante, você tem ali um jogo com as palavras "dog", "God", "id", mas não sei se isso é o bastante para fazer um poema, para atrair a atenção de alguém. Acho que os concretos tinham tanto medo de dizer alguma coisa, de ser didático, que muitas vezes acabavam se movendo demais para o outro lado e não dizendo muita coisa. Acho que deve ter mais complexidade de sentido na poesia. Penso que ela acabou se aproximando mais do território do design, da publicidade, como Gomringer, que acabou se tornando cada vez mais uma espécie de artista industrial. A poesia concreta foi um passo importante, mas acho que agora é preciso ir além dela, não sei se você concorda. Eu falo de Augusto de Campos e da poesia concreta no meu livro e acho uma parte de seu trabalho mais recente se tornou "bonito demais". Quer dizer, se tornou mais próximo do design, da publicidade, cartões, logotipos, posters, e é legal, é basicamente "bonito", mas talvez não desafiador o bastante. Mas foi um estágio importante, este é meu argumento. Mas deixou influências. Há hoje um movimento no Canadá, chamado de "pós-concreto" que é bem interessante. Um dos capítulos do meu livro é dedicado a Steve McCaffery, um poeta que gosto muito. Ele começou como um poeta concreto, trabalhou com o poeta concreto Ian Hamilton Finlay. Ele faz coisas incríveis, influenciado pela filosofia e que tem algo a ver com poesia concreta mas que vão além, têm bastante conteúdo.
É comum se dizer que a teoria dos "language poets" funcionam mais que a própria poesia.
Perloff - Para eles não há diferença entre poemas e ensaios. Eles dizem que o que está errado com os outros poetas é que eles são privados e pessoais demais, eles só lidam com sentimentos pessoais, e sentem que este tipo de poesia está gasta, esses pequenos 'insights' não interessam mais a ninguém. Houve um momento em que as pessoas começaram a ler outros tipos de escrita, ficção, filosofia, teoria. Acho que eles estão querendo fazer com que as pessoas se importam com poesia novamente. É um grupo energético, tem várias revistas.
Mas se não há um "eu" neste tipo de poesia, quem escreve?
Perloff - Claro que há "self", eles vão dizer que não, só que ele está escondido, fragmentado. Cage, por exemplo, foi alguém que sempre relutou em lidar com sua vida pessoal em sua obra, a não ser em algumas anedotas. Acho que cedo ou tarde o criticismo gay irá argumentar que ele fez isso de propósito, por não conseguir lidar publicamente com o fato de ser homossexual, assim como Cunningham e Jasper Johns. Todos eles são gays, mas todos vieram de uma época em que não havia abertura para isso. Isso talvez tenha feito com que sua arte fosse formalista e despersonalizada.
Não haveria uma contradição no fato de a poesia ter de "dizer alguma coisa", de comunicar, e o dela estar se tornando cada vez mais difícil, como no caso dos poetas da linguagem, de Cage ou Ashbery?
Perloff - Mas sempre houve poesia difícil...A poesia de Eliot e Pound também não comunica diretamente, mas com certeza comunica: meu argumento é que certos poetas hoje querem ser difíceis de propósito, porque eles querem forçar o leitor a parar e prestar atenção, pois tudo hoje no ambiente está tão empilhado de lixo, que o único modo de chamar a atenção das pessoas é fazendo a poesia um pouco difícil para elas. De onde vem essa noção de que poesia deve ser tão fácil e direta? Dos anos 60. A poesia de Cage, por exemplo, comunica, só que num nível diferente.
Pound dizia que poesia é "emoção que perdura". Onde fica a emoção nesses poetas? Ela também não é importante?
Perloff - Eu responderia como Cage que o desejo é afetar a emoção do leitor, e não tanto expressar a emoção do poeta. As críticas mais comuns aos poetas que analiso é de que o que escrevem não quer dizer nada, não tem teologia, não "comove" a gente. Não é que os poemas não têm emoção. É o que Cage diz quando lhe perguntam se a poesia dele não tem subjetividade nem emoção: "É claro que sim, mas talvez eu não ache minhas emoções tão importantes assim para os outros". Cage, Bernstein, Ashbery são bem emocionais, mas só que o que você não encontra ali é a confissão. Você não tem ali a revelação de como o poeta se sente sobre isso ou aquilo, não há aquela idéia romântica do poema sendo a relação de um "eu" com a natureza. Hoje em dia, ninguém parece saber como você se sentia aos 18 anos. É a idéia de não se levar a idéia de "eu" tão a sério, a idéia de que você controla o discurso. Não que eu não goste de natureza. A questão é: como escrever um poema sobre a natureza vivendo em L.A. ou Nova York, como você reage a esse novo ambiente, quando você sabe que cada árvore está contaminada, se você nem sabe se ela é verdadeira ou não? Já os poetas românticos viviam mesmo na natureza, ela dizia alguma coisa para eles, religiosamente inclusive. Hoje o ambiente é urbano, por isso acho meio "fake" você escrever um poema hoje sem levar em conta o fato de que vivemos num mundo tecnológico, convivendo com a TV, telefones, máquinas de fax, computadores, etc. Assim como a natureza está poluída, a linguagem também. A linguagem que usamos é a linguagem que já foi usada e abusada, seja na TV ou no dia a dia. Toda vez que eu perguntava para um amigo como ele estava, anos atrás, ele respondia com a frase "Estou tentando recompor a minha vida". Depois descobri que ele havia ouvido isso numa novela da TV, era um clichê de um dos personagens. Então, se a linguagem está tão contaminada, e aqui entra Wittgenstein, a principal coisa que um escritor responsável deve fazer é que pelo menos suas palavras signifiquem alguma coisa.
Pound disse que "poesia é novidade que permanece novidade". Este século houve um prestígio da "infinita novidade". Onde ela está hoje?
Perloff - Acho que toda essa nossa conversa seria um exemplo de "make it new". No teatro seria Robert Wilson. A vídeoarte também é muito importante. Há videoartistas maravilhosos como Bill Viola, que tem menos de 40 anos, e que eu chamaria de um poeta, um imagista fascinante. Ele fez um vídeo baseado em Blake, chamado Songs of Innocence and Songs of Experience que é muito bonito. Hoje o mais freqüente são trabalhos que misturem meios, intermedia, performances. Por outro lado há o ressurgimento da "ópera" como as de Wilson, artistas de performance como Laurie Anderson, ou autores como os que mencionamos. Mas não chega a ser uma revolução artística como no começo do século. Eu não me atreveria a dizer que estes poetas sobre os quais conversamos têm a importância de um Wallace Stevens, de um Yeats. Mas a verdade que estamos num buraco. Poesia não é lida neste país, não interessa a ninguém. Há até uma piada de que há mais poetas que leitores nos EUA, não sei como é no Brasil.
Entrevista retirada do livro "Vozes & Visões: Panorama da Arte e Cultura Norte-Americanas Hoje" (Iluminuras, 1996)
(matéria gentilmente enviada pelo autor para Pop Box)
Rodrigo Garcia Lopes é autor de "Vozes & Visões: Panorama da Arte e Cultura Norte-americanas Hoje" (Iluminuras, 1996), "Solarium" (Iluminuras, 1994), "visibilia" (Sette Letras, 1997) e Mestre em Artes pela Arizona State University com tese sobre a obra de William Burroughs.