Isto que transparece subitamente com imediata clareza nas poesias que compõem Cathay é a sensualidade incondicional da refinada sensibilidade fônica de E. P. e da concretitude da sua linguagem - que se desvencilha dos termos abstratos, deixando-lhes passar em pequenas doses pelos lábios apenas para avivar uma necessidade inderrogável. Deste modo, abundam como por deleite, mas nunca com a aproximação do diletante, imagens sem esboço, como feito por pincel, com evocações impressionistas de grandes incentivos:
"Cinco nuvens penduram no alto, luzentes no céu purpúreo,
As sentinelas avançam adiante da casa d'ouro em suas armaduras vistosas.”
(Canto Fluvial)
"As flores fumaçadas que ponteiem o rio.
A sua vela, só, traça um distante céu.”
(Separação sobre o Rio Kiang)
"Os martins-pescadores vermelho e verde flamejam entre orquídeas e trevos,
Um pássaro emite mutuamente sua centelha.”
(Poema aos Sennin de Kakuhaku)
Trata-se dos ecos de um tempo encantado e descoberto, como se tivesse perdido a debandada no atormentado Ocidente por outras evocações, que novamente se debruça como por encanto para um mundo que precede o Stilnovo, de uma Idade Média legendária, de efeitos bélicos e de incursões não cultivada na multidão representativa, mas no torpor da solidão e das incertas esperas que, nos momentos de grande conforto, poderia desejar ao Rei Pescador o seu deserto. Neste sentido dever-se-ia ler a nota de Ford Madox Ford:
"Estas poesias apresenta-os [os chineses] semelhantes a nós" 6 . Porque a aura da antiga China de E. P. evoca em nós o exótico do passado europeu vivido a distância, mas sem o tom de uma nostalgia que o invoque por completo e incondicional. A homenagem é, sempre com Madox Ford, à beleza e ao sentimento.
A observação de Gianfranco Contini que soou como uma advertência, é válida a todos esses que tentam traduzir a obra de um grande poeta que, apesar das numerosas publicações em vida e póstuma, da facilidade em encontrar uma vastíssima estrutura de seu trabalho e da vastidão de sugestões que ele ofereceu aos escritores de sua época e daqueles que virão, permanecendo em maior parte ignorado 7 . Certamente, a dificuldade no traduzir Pound requer o esforço de tradutores que sejam tentados a “interpretá-lo”, sondando-o, ainda na escolha de textos que seriam de outra maneira aproveitados em várias possibilidades evocativas e interpretativas.
Costantino Belmonte se arriscou, com naturalidade e amor, a traduzir uma parte de Cathay 8 , omitindo e seguindo com obstinação os traços habituais, referindo-se mais a um senso não escolástico de interpretação poética, sacrificando a escrita ao sentimento e a sensualidade do texto poundiano. É o tributo liquidado a um autor cujos versos se antecipam à cerca de quinze anos aos movimentos monossilábicos e fortemente acentuados de “Ariel Poems” de T.S. Eliot, e quase trinta anos daqueles mais matizados que a edição completa de Four Quartets.
Eu espero que, como recompensa a inacessível atmosfera sugerida por Belmonte, abertamente ao gosto da poesia mais que para exegese literária, não se deva pronunciar o louvável esforço de nos aproximar um pouco mais de Ezra. W. L Pound, a isso que o poeta e o crítico Matthew Arnold escreveu, em 1865, relativo à versão de a Ilíade de Wright:
"Senhor Wright a sua versão da Ilíade, repete principalmente os méritos e os defeitos da versão de Cowper, como aquela de Sotheby que repetiu algumas versões de Pope, não tivesse, se me perdoa por falar, um apropriado motivo para existir". 9
In a Station of the Metro:
“Os artistas são as antenas da raça”.
Alguns comentários críticos, interpretando E.Pound em “In a Station of the Metro” (“Em uma estação de metrô”), cita constantemente o poder conotativo da palavra aparição (apparition) no primeiro verso deste poema. De acordo com alguns estudiosos é a única palavra que revoga o par de versos da trivial declaração poética. Comenta-se sobre as muitas conotações da palavra. Fala-se: a palavra aparição dá instigações a outras interpretações como algo sobrenatural ou imagístico, e a uma inspiradíssima experiência que estabelece a princípio sensação de irrealismo e falta de precisão - as quais são reforçadas então pela metáfora, e que, conseqüentemente permeia o espírito do poema, e de tal maneira, por meio dela, E. W. L Pound insinua-nos que a vida pode parecer suportável apenas pela metáfora de uma “aparição”, uma noção de fatos com fulgor exemplar crescendo livremente na luz solar. Todos estes comentários guiam a nossa atenção àquela ditosa necessidade de precisão pertinente na palavra aparição cujo resultado é uma riqueza singularíssima no poema. Há uma concordância em relação às múltiplas conotações do substantivo (aparição), as implicações são possíveis. Poder-se-ia sugestionar a possibilidade dele ter tido um singular e especialíssimo propósito em mente onde desejava acometer de significados a palavra. Este significado tem um claro seguimento, além disso, torna-se patente já que o poema é um exemplo claro, em verso, da própria concepção de Pound pelo modo que produz a imagem, pode-se constatar tal concepção no ensaio que ele realizou a Revista Poetry.
A apresentação da imagem, na realidade, inclui a busca de uma equação que aproximará uma beleza, porém de uma proeza psíquica inefável. Esta estampa, ele fez evidente quando retratou a técnica de composição de “In a Station of the Metro”.
O momento da deleitável proeza psíquica e a subseqüente busca à exata equação não pôde ser mais claramente descrito. De algum modo, o poema pode ser compreendido pelos significados das exposições em "A Few Don'ts by an Imagiste”: o conjunto de imagens é apresentado de modo instantâneo, a transição da estação do Metrô para o ramo molhado noutro lugar libertando-nos do limite de espaço, e a passagem dos presentes anversos para as lembranças das pétalas retiradas sob o tempo limítrofe. Entretanto, o don'ts (nãos) não responde especialmente pela palavra poderosa do poema: aparições (apparitions). Esta palavra venda os anversos em mistério, para isto sugere que elas (as aparições) não são uma mera impressão visual, mas uma visão de beleza mostrando-se para o poeta um outro reino. A palavra aparição une-se a metrô com a estética do The Spirit of Romance.
A segunda linha do haikai “super-poses" é uma imagem concreta a qual dá uma equação sensória com percepção rara. O coração do poema não fica nem na aparição nem nas pétalas, mas no processo mental cujo transporte é de um processo para um outro. Em um poema deste tipo, como explica E.P., alguém está tentando registrar o momento preciso quando uma coisa extrínseca e objetiva se transforma, ou se lança em uma coisa extrínseca e subjetiva. Isto lançado toma lugar entre as primeiras e segundas linhas. Na mais simples e possível equação verbal (a=b), a proeza estabelece-se na declarada relação entre os elementos. Os fatores há por causa da equivalência, as imagens por causa da Imagem (recorre-se aqui ao imagismo). Como Stanley Coffman reflete: assim as imagens estão ordenadas aonde o exemplo vem se transformar em uma Imagem, em um esqueleto orgânico o qual dá uma força e prazer que são maior que e diverso das imagens apenas.
III. Conclusão:
Apesar da sua brevidade célebre, Ezra Weston Loomis Pound é considerado um grande imagista e tradutor, surpreendendo-nos com a variedade de textos e de indagações interessantes sobre o processo de escrever e ler, sobretudo LITERATURA. A leitura de seus textos pode nos influenciar numa extensão de mudanças e buscas constantes pela boa escrita, sempre fazendo-nos questionar. Tudo nele é distinto!
Não devemos olvidá-lo. Não apenas porque possuía um aprimorado conhecimento de diversos idiomas europeus, principalmente francês e italiano, onde seu mérito é reconhecido. Conformemente dever-se-ia compreender que ele está mais atento às sutilezas e aos tons dos vocabulários nesses idiomas.
A composição poundiana fala da Imagem em condições que são significantes a uma compreensão da concepção poética aos seus olhos: O poema de imagens é um modelo de super-posições, quer dizer, são idéias fixadas uma em cima da outra.
O que poderia ser mais ilustrativo no resultado poundiano que o efeito da fala, a função da palavra e suas conotações súbitas e ainda a rápida percepção?
De mais a mais, a palavra escolhida sempre enriquece a qualidade e a efetividade da metáfora poética ilustrando todo o texto. Essa é a vantagem de se ler Ezra Pound: o rumo da nossa faculdade à invenção analógica e ao pensamento vem se fixar como veia principiante de um bom leitor e quiçá um bom escritor.
Copyright © Andréa Santos.
(matéria gentilmente enviada pela autora para Pop Box)