Ezra Weston Loomis Pound

—Da Imagem à Poética—



Por Andréa Santos  * 



"O artista proporciona mais do que uma consolação momentânea de nossas misérias; ele vai além do véu que oculta a fonte de nossa depressão e nos apresenta provas da vitória do impulso criador sobre as forças da destruição (...) Nossa necessidade de beleza nasce da tristeza e sofrimento que experimentamos com os nossos impulsos destrutivos em relação aos nossos objetos amados  1 ".
A Cyl Gallindo.

I. Interpretando E. W. L. Pound
entre o Imagismo e a Ortoepia.


Se a Literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai” - E. Pound

No século '900, a poesia estimulada pelos grandes nomes oitocentistas, a parti dos simbolistas, deu lugar as mais diversas e expressivas manifestações. Além das respostas aos variantes períodos sobre os influxos na arte e na literatura praticada por um único autor – por exemplo, a idéia que se reflete ao serôdio descobrimento das poesias de Emily Dickinson (1880-86) sendo apropriado assinalar uma tendência motora fortíssima da poesia, obtida essencialmente com meios fônicos e ainda por uma inércia alcançada primeiramente pelas imagens. Se, em geral, as veredas criativas, as palavras de liberdade e a poesia concreta levaram determinantemente ao encontro das imagens icônicas, do som e do conceito, a literatura em versos a qual se é usada apenas pelo meio lingüístico [que é, então, a mais considerável] está se diversificando ao apontar sobre as formas prosódicas ou sobre as formas do rimar icônico.

A força motora é significação à escrita tímbrica ou rítmica, fortemente fixada em eventualidades e repetições temporalmente apresentada, uma escritura já tradicional, mas que a introdução ao verso livre fora vigorosamente reformulada. Atenta a este aspecto, mas constituída decididamente sobre outra vertente, a poética da imagem, ou Imagismo  1 , mesmo se tivesse tido “sucessos” - estes êxitos distanciaram-se muito da intenção inicial, nos oferecendo um límpido perfil do ofício poético dos anos novecentos a respeito dos próprios propósitos.

O encontro de um principiante deste movimento como Ezra Weston Loomis Pound com a poesia chinesa, a qual nos restam as esplêndidas e as livres traduções de Cathay, entrecruzou-se se não com outro europeu da Idade Média da qual E. Pound era um exímio conhecedor. Fazer a releitura de Cathay, hoje, permite-nos, entretanto, aproximamo-nos de uma capacidade intelectiva da escrita poética não privativa do ocidente, mas que no ocidente medieval do Stilnovo  3 encontrava-se em uma expressão resolutamente caracterizada. Os perigos da introdução são múltiplos!

Mais que, em uma nova atitude de interesse pelo extremo Ocidente, o semiólogo francês Roland Barthes ilustrou-nos um modo de se pôr nos interstícios entre Oriente e Ocidente, nem tanto a procura de “descobrir” o Oriente, com linha dominante sem mesmo desvirtuá-lo ou deformá-lo através da patina do olho ocidental; quanto mais “imaginando-o" para se descobrir a si mesmo e seus similares ocidentais, o nosso modo de pensar - que nos parece sempre uno e satisfatório, enquanto forma não nos induz acreditar que o oposto move-se melhor que o habitual - a nossa alteridade.

No Stilnovo , onde a curiosidade pela imagem é valorosa, as coisas inanimadas percebem auferir um valor espiritual e moral, também, alegórico e anagógico, de maneira que os objetivos de suas presenças sobre a página são todas reguladas por uma lógica perfeitamente ocidental, ou seja, uma lógica de relações recambiáveis aos princípios; uma lógica de hierarquias que, se não dadas, podem ser reedificadas conforme um processo analítico e associativo. È a relação com a natureza, considerada fundamental pelo reconhecimento cosmológico e pela compreensão do homem qual criatura privilegiada, vindo reconduzida - ainda nas suas manifestações menos evidentemente celebradas - por uma geração filosófica mais ou menos individual como a pessoa do autor: a poesia, por mais metafísica que possa parecer, funda-se pelo stilnovista em princípios físicos e culturais.

O celebre dístico imagista de E. P. em “In a Station of the Metro” consiste de apenas dois versos onde é posto uma relação analógica:

“A visão destas faces na multidão; Pétalas sobre um úmido, ramo negro.”


Neste tipo de composição não se usa a imagem com o propósito de evocar uma singular e intraduzível referência externa, porém para nos reenviar a um dado sensorial que tem conotações de carácter emocional; a imagem é de uma estética transcendental sugestionada por meio de uma expressão lingüística, não já fundada numa estética exclusivamente lingüística.

A diversidade das composições simbolistas cujos textos são uma intercessão entre prática e interioridade que nos oferece um ponto de menção - não ao livre jogo da imaginação - a começar dos significados e sons. A sua finalidade não é o de sugerir alguma outra forma, mas de restituir ao leitor participante seu aspecto em toda sua plenitude. Contudo, é impressionante, o término da poesia imagista é a representatividade da emoção brotada pelas imagens. Em priori, a forma não contém em si valores de simulação e dissimulação, é ao contrário e, primeiramente, direcionada a um valor de verdade - que pode ser também emocional – que foge da escritura.

Apesar das fronteiras desta poética de grupo  4 , um grande bardo dos anos novecentos como W. B. Yeats quis admitir ter aprendido muito com o jovem poeta americano, Ezra Weston Loomis Pound em “Autobiography”, Yeats lembra-se da situação em que um dia Pound falou-lhe desta poética de palavras concretas em lugar daquelas abstratas. Já célebre e ainda mais maduro que o poeta americano, W. B. Yeats deu-lhe uma composição sua, convidando-o a mostrar as palavras abstratas que ele tinha usado. E.P. pegara a composição e levara-a consigo para então devolver em pouco tempo. A poesia fora quase toda sublinhada. Desta vez, o bardo Irlandês voltou à atenção para o apontamento do então cordial “secretário”.

Seja qual for o poeta, este deveria ter presente à qualidade e à força das palavras abstratas que coloca em seu texto. Os poetas sucessivos a Pound, como T. S. Eliot, W. B. Yeats, Dylan Thomas dentre outros, e ainda o próprio poeta americano em “Cantos” fez largo uso dos termos abstratos, com finalidade ainda muito diversa, mas eles souberam dar maior vigor à escrita nos seus textos, em que a abstração é reduzida a osso. O poeta americano, E.P. se vale desta dessemelhança como regra principal, assinalando que a “Divina Comédia” [de Dante] é uma obra-mestra com o uso da poética de imagens, “O paraíso perdido” - de Milton, assemelhar-nos-ia a um “saco-vazio”, por estar privado das imagens concretas.

II. Uma Iniciação
a Tradução Poundiana.



Cathay:



È hora de beber, / De tanger a terra/ com o pé liberto”. Horácio

O The Times Literary Supplement [1977], publicou um artigo de Gianfranco Contini sobre Pound que assim deleitava-se:

"[…] O ponto dolorido realmente é este: um escritor que foi um dos melhores tradutores, não apenas de um para quase todos os idiomas inverificáveis do extremo Oriente, mas de território familiar, seja qual fosse a sua compreensão da escrita, não é poeticamente fruível em algumas traduções [...]. Mas muitos, também, de nomes celebres, são postos à prova em pequenos grupos com Pound para homenagem e como por um tipo de jogo de sociedade. […] não hesito em dizer que estas tentativas de aproximações ou falseiam a letra ou deixam dissipar a poesia”.

A exposição é por certo notável, se se considerem as excepcionais habilidades musicais poundianas, essas excepcionalidades as quais acompanharam-no em toda sua vida com um caráter rígido e obstinado que surgia em uma miragem intuitiva, e que se inclinava sobre a página para requintar um verso, onde se adaptava o senso e o som de uma palavra, onde cem outros poetas teriam deixado inalterados [Ezra pôs essas habilidades para compor os dois versos de "In a Station of the Metro" que reflete as impressões das primeiras vistas da sua chegada a Paris]. Em entrevista registrada a 22 de novembro de 1968, por Fernanda Pivano e Allen Ginsberg declaram que William Carlos Williams havia o dito que Pound era dotado de uma “orelha mágica” - vale salientar, havia uma capacidade extraordinária no captar a extensão prosódica das vogais, a repetição tônica das frases em aparecimento métrico irregular:

A orelha de Pound era 'misticamente' sensível às qualidades musicais e a extensão das vogais. [...] Aquela orelha transmitiu algo aos poetas que davam mais atenção ao conteúdo do que aquilo que fora dito, porque eles deveriam estar cientes do modo com o qual pronunciavam as frases, do modo com qual andavam pronunciando o verso e qual ênfase devia ser posta sobre esta ou aquela vogal”. 5

Dito por William Carlos Williams, cuja capacidade de orelha e de reprodução dos tons da fala tem nos ofertado modelos poéticos de extraordinária inspiração [recorda-se do cogitar inocente dos poemetos “This Is Just to Say” e “Turkey in the Straw”, em Collected Poems, Palatin, Londres, vol I, p 372 e Paladin, Londres 1991, vol II, p 231]. Aquela orelha mística soa como um imenso tributo na esfera literária americana a um autor cuja formação fora de um modo especialíssimo e cuidadoso, como também para as últimas instâncias contemporâneas, para as vivências de uma 'Era Comum', exportando, adequadamente, as consecuções européias daquela época no universo literário americano.

Isto que transparece subitamente com imediata clareza nas poesias que compõem Cathay é a sensualidade incondicional da refinada sensibilidade fônica de E. P. e da concretitude da sua linguagem - que se desvencilha dos termos abstratos, deixando-lhes passar em pequenas doses pelos lábios apenas para avivar uma necessidade inderrogável. Deste modo, abundam como por deleite, mas nunca com a aproximação do diletante, imagens sem esboço, como feito por pincel, com evocações impressionistas de grandes incentivos:

"Cinco nuvens penduram no alto, luzentes no céu purpúreo,
As sentinelas avançam adiante da casa d'ouro em suas armaduras vistosas.”
(Canto Fluvial)

"As flores fumaçadas que ponteiem o rio.
A sua vela, só, traça um distante céu.”
(Separação sobre o Rio Kiang)

"Os martins-pescadores vermelho e verde flamejam entre orquídeas e trevos,
Um pássaro emite mutuamente sua centelha.”
(Poema aos Sennin de Kakuhaku)


Trata-se dos ecos de um tempo encantado e descoberto, como se tivesse perdido a debandada no atormentado Ocidente por outras evocações, que novamente se debruça como por encanto para um mundo que precede o Stilnovo, de uma Idade Média legendária, de efeitos bélicos e de incursões não cultivada na multidão representativa, mas no torpor da solidão e das incertas esperas que, nos momentos de grande conforto, poderia desejar ao Rei Pescador o seu deserto. Neste sentido dever-se-ia ler a nota de Ford Madox Ford:

"Estas poesias apresenta-os [os chineses] semelhantes a nós"  6 . Porque a aura da antiga China de E. P. evoca em nós o exótico do passado europeu vivido a distância, mas sem o tom de uma nostalgia que o invoque por completo e incondicional. A homenagem é, sempre com Madox Ford, à beleza e ao sentimento.

A observação de Gianfranco Contini que soou como uma advertência, é válida a todos esses que tentam traduzir a obra de um grande poeta que, apesar das numerosas publicações em vida e póstuma, da facilidade em encontrar uma vastíssima estrutura de seu trabalho e da vastidão de sugestões que ele ofereceu aos escritores de sua época e daqueles que virão, permanecendo em maior parte ignorado  7 . Certamente, a dificuldade no traduzir Pound requer o esforço de tradutores que sejam tentados a “interpretá-lo”, sondando-o, ainda na escolha de textos que seriam de outra maneira aproveitados em várias possibilidades evocativas e interpretativas.

Costantino Belmonte se arriscou, com naturalidade e amor, a traduzir uma parte de Cathay  8 , omitindo e seguindo com obstinação os traços habituais, referindo-se mais a um senso não escolástico de interpretação poética, sacrificando a escrita ao sentimento e a sensualidade do texto poundiano. É o tributo liquidado a um autor cujos versos se antecipam à cerca de quinze anos aos movimentos monossilábicos e fortemente acentuados de “Ariel Poems” de T.S. Eliot, e quase trinta anos daqueles mais matizados que a edição completa de Four Quartets. Eu espero que, como recompensa a inacessível atmosfera sugerida por Belmonte, abertamente ao gosto da poesia mais que para exegese literária, não se deva pronunciar o louvável esforço de nos aproximar um pouco mais de Ezra. W. L Pound, a isso que o poeta e o crítico Matthew Arnold escreveu, em 1865, relativo à versão de a Ilíade de Wright:

"Senhor Wright a sua versão da Ilíade, repete principalmente os méritos e os defeitos da versão de Cowper, como aquela de Sotheby que repetiu algumas versões de Pope, não tivesse, se me perdoa por falar, um apropriado motivo para existir".  9

In a Station of the Metro:

Os artistas são as antenas da raça”.


Alguns comentários críticos, interpretando E.Pound em “In a Station of the Metro” (“Em uma estação de metrô”), cita constantemente o poder conotativo da palavra aparição (apparition) no primeiro verso deste poema. De acordo com alguns estudiosos é a única palavra que revoga o par de versos da trivial declaração poética. Comenta-se sobre as muitas conotações da palavra. Fala-se: a palavra aparição dá instigações a outras interpretações como algo sobrenatural ou imagístico, e a uma inspiradíssima experiência que estabelece a princípio sensação de irrealismo e falta de precisão - as quais são reforçadas então pela metáfora, e que, conseqüentemente permeia o espírito do poema, e de tal maneira, por meio dela, E. W. L Pound insinua-nos que a vida pode parecer suportável apenas pela metáfora de uma “aparição”, uma noção de fatos com fulgor exemplar crescendo livremente na luz solar. Todos estes comentários guiam a nossa atenção àquela ditosa necessidade de precisão pertinente na palavra aparição cujo resultado é uma riqueza singularíssima no poema. Há uma concordância em relação às múltiplas conotações do substantivo (aparição), as implicações são possíveis. Poder-se-ia sugestionar a possibilidade dele ter tido um singular e especialíssimo propósito em mente onde desejava acometer de significados a palavra. Este significado tem um claro seguimento, além disso, torna-se patente já que o poema é um exemplo claro, em verso, da própria concepção de Pound pelo modo que produz a imagem, pode-se constatar tal concepção no ensaio que ele realizou a Revista Poetry.

A apresentação da imagem, na realidade, inclui a busca de uma equação que aproximará uma beleza, porém de uma proeza psíquica inefável. Esta estampa, ele fez evidente quando retratou a técnica de composição de “In a Station of the Metro”.

O momento da deleitável proeza psíquica e a subseqüente busca à exata equação não pôde ser mais claramente descrito. De algum modo, o poema pode ser compreendido pelos significados das exposições em "A Few Don'ts by an Imagiste”: o conjunto de imagens é apresentado de modo instantâneo, a transição da estação do Metrô para o ramo molhado noutro lugar libertando-nos do limite de espaço, e a passagem dos presentes anversos para as lembranças das pétalas retiradas sob o tempo limítrofe. Entretanto, o don'ts (nãos) não responde especialmente pela palavra poderosa do poema: aparições (apparitions). Esta palavra venda os anversos em mistério, para isto sugere que elas (as aparições) não são uma mera impressão visual, mas uma visão de beleza mostrando-se para o poeta um outro reino. A palavra aparição une-se a metrô com a estética do The Spirit of Romance.

A segunda linha do haikai “super-poses" é uma imagem concreta a qual dá uma equação sensória com percepção rara. O coração do poema não fica nem na aparição nem nas pétalas, mas no processo mental cujo transporte é de um processo para um outro. Em um poema deste tipo, como explica E.P., alguém está tentando registrar o momento preciso quando uma coisa extrínseca e objetiva se transforma, ou se lança em uma coisa extrínseca e subjetiva. Isto lançado toma lugar entre as primeiras e segundas linhas. Na mais simples e possível equação verbal (a=b), a proeza estabelece-se na declarada relação entre os elementos. Os fatores há por causa da equivalência, as imagens por causa da Imagem (recorre-se aqui ao imagismo). Como Stanley Coffman reflete: assim as imagens estão ordenadas aonde o exemplo vem se transformar em uma Imagem, em um esqueleto orgânico o qual dá uma força e prazer que são maior que e diverso das imagens apenas.

III. Conclusão:



Apesar da sua brevidade célebre, Ezra Weston Loomis Pound é considerado um grande imagista e tradutor, surpreendendo-nos com a variedade de textos e de indagações interessantes sobre o processo de escrever e ler, sobretudo LITERATURA. A leitura de seus textos pode nos influenciar numa extensão de mudanças e buscas constantes pela boa escrita, sempre fazendo-nos questionar. Tudo nele é distinto!

Não devemos olvidá-lo. Não apenas porque possuía um aprimorado conhecimento de diversos idiomas europeus, principalmente francês e italiano, onde seu mérito é reconhecido. Conformemente dever-se-ia compreender que ele está mais atento às sutilezas e aos tons dos vocabulários nesses idiomas.

A composição poundiana fala da Imagem em condições que são significantes a uma compreensão da concepção poética aos seus olhos: O poema de imagens é um modelo de super-posições, quer dizer, são idéias fixadas uma em cima da outra.

O que poderia ser mais ilustrativo no resultado poundiano que o efeito da fala, a função da palavra e suas conotações súbitas e ainda a rápida percepção?

De mais a mais, a palavra escolhida sempre enriquece a qualidade e a efetividade da metáfora poética ilustrando todo o texto. Essa é a vantagem de se ler Ezra Pound: o rumo da nossa faculdade à invenção analógica e ao pensamento vem se fixar como veia principiante de um bom leitor e quiçá um bom escritor.

 

 

Copyright © Andréa Santos.

 

(matéria gentilmente enviada pela autora para Pop Box)

 

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: Elson Fróes