"Está uma tristeza. Parece que acabou algo que não sei o que é. O interesse de Haroldo de Campos pela derrota da segunda lei da termodinâmica era como uma guerrilha: um dia, guiava Dante Alighieri para o limbo da língua portuguesa; no outro, atacava o hebraico para roubar uma jóia da Bíblia..." (Tom Zé)
A três dias de fazer setenta e quatro anos Desnace em Sampa Haroldo de Campos O poeta-crítico-pétreo-pan-Haroldo Falta múltipla de órgãos - de soldo (Não conheci crítico de Haroldo de Campos Que fosse melhor do que ele em escambos Os seus críticos brucutus eram mais hilários Em que pese alguns vazios e ordinários) Porque falar de Haroldo de Campos funda Uma dicotomia sobre o que em nele abunda Recriações que transcria e coisa-sente Todo o fazer poético de soma em nova mente Estava em Haroldo um pan-não-ser que era Derrama de orquidários em íntima primavera Que ele traduzia numa performance sangria Como o que em de tudo do que toca se alumia Formado em Direito pelo Largo São Francisco Era rápido ultrapássaro e alado além de arisco Noigandres um totalconcretismo crisantempo Espaço curvo nasce um que foi ele sendo imenso Desmorreu agora como se em cada tanta poesia Calibre grosso almanaque enluado alquimia Presença pública meio Ezra, John Cage, Octávio Paz Todo mosaico que criou em seu ser de si Campos jaz Personagem de uma novela de Borges - Umberto Eco Cachalote com barbas de Netuno - Cortázar Júlio Impactou imagens e palavras e fez um pandareco Levando as línguas multidimensionais de embrulho O cosmopolitismo em sua própria infinitude Foi seu labor sintaxista metódico alaúde Neobarroco pós-moderno seu concretismo monstro Aboliu os versos para ser tantras nosotros Valores gráficos e fônicos nas imagens relacionais Pregou a eliminação dos laços lógicos-sequenciais Num jogo de dados em que foi Joyce e gerou Xisto Meio Mallarmé e tudo muito mais que in-previsto Intelectual de ofício e operário das pás lavras Carajá de eldorados transcriou Homero e Dante Possesso se fez em planos-pilotos com rompante De ser ele mesmo sendo muito além das clavas Galáxias e epifanias pós-utópicas consumou-se Na intertextualidade de ser poeta sem cabresto E à deriva em alma nau reverberou o de-quê Butim essência do que eternizou-se em arresto Teórico, experimentador, mó, salubre porto, lagar Insightas foi Maiakóvski nas domésticas ibéricas Workaholic pensou adjetivos além de táxi lunar Questionário e renúncia de multimídias coléricas Apaixonado pelo confeito de palavrear as odes Múltiplas facetas explicando a língua pra língua Dialética pluridimensional de berros e bodes Divergiu esmiuçou a miopia oficial à míngua Atacou brumas sazonais tempestades em copos de egos Rara envergadura dionisíaca meio oiticica entre cegos Deixou o arquipélago Gullar ser menor sendo contrário Mas serviu de palco-travessia para escadas do ser vário O signo ficante dele ainda oxigena ensaios e vertentes O contexto de antes dele inventar o inexistente Nesse finismundo com seus anormais sentidos Xadrez godê de porta-lapsos em pães dormidos A sua metalinguagem foi a sua vida inteiriça Amarrando caibros de palavras em caixilhos de outras liças Meio morfologia macunaímica foi também tupi-davídico Banto pedro malazarte em andaimes e ofícios As palavras têm ofídios diria ele todo operando o textual Nas rupturas da água ser vinho e açúcar ser sal Ideograma exato de um ser que foi humanus e ente Arco-íris branco de seu prisma prumo sempre Em pedra e luz e chão e jades agoras cinzas é Um novo O Que Fez numa lira de poetna-capilé Deixou seu legado e todos os nomes dos navios Avante crusoés que seus poemas são vaus em rios Pois morto Haroldo de Campos descansa sua sina Água, terra e ar no Cemitério da Vila Alpina De Sampa que foi mago - em desvairada paulicéia Pois a sua causa mortis não foi por falta de idéia ...................................................................... Não conheci nenhum crítico de Haroldo de Campos Que foi melhor do que ele em estilo, criames e trampos!
Silas Corrêa Leite
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: Elson Fróes |