Poemas de Rodrigo Garcia Lopes

 


PENSAGEM


Árvore entre raios: arvora-se
um ruído. Tudo claro, lindo, ido.

A língua, mente, sente seu gosto:
tudo o que toca é verdade.

O discurso da tarde e seu susto
se cola ao sentido, seu duplo aqui

onde repousa e se excita, visiva,
sua clareza intensiva.




	° ° °




Coisas vistas uma só vez,
        nítidas, brisa ao revés.
Partículas de tempos,
        possibilidades de luz.

 


	STANZAS IN MEDITATION
 	
		para Henry David Thoreau



Folhas negras caem, rufam em profusão. O vento encrespa a
Água, Tempo, enruga 
faces. Um vale revela
canyons, grutas:
em silêncio, exploramos o interior

Destas montanhas. Uma uma chuva fina, estranha,
começa a cair
e súbito dissipa —
o ruído áspero
de uma vespa.
Este é o céu, claro, como metal. E aquilo,

A fumaça abandonada por um trem, talvez. Flores
Se dissolvem nos olhos, e nos debruçamos sobre velhas lendas
Conferindo as pegadas de um animal desconhecido.

A trilha termina num riacho.

A água se surpreende com este vento todo
que vem do Oeste
e que agita a sinfonia das  árvores.

Neblina nítida, colinas, um vapor neste espelho.
Num ponto qualquer da paisagem captamos
seus olhos verdes, mudos, fixos na relva úmida.
Um animal e você contemplam do mirante
este milagre

(a baía vazia
— a areia do dia exibindo sua rasante —
rochedos & distâncias, como antes,
animada pelas danças do vento
fazendo desta ausência
presenças manifestas em tudo:
chuva
que desaba
entre os olhos
abertos
da serpente.
Um flash
de luz
entre os
bambus)
:
o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz entre a verdade dos instantes. 

 


CANÇÃO DAS MUSAS


a noite arrasta seus cascos
abrindo clareiras no acaso
que precede o som.

até
as estrelas, atrás,
estão mais
acesas

se por tristezas
a morte que acusas
não couber em belezas

linha por linha
arrastem-nos como a um cão
de espumas
levem-nos a parte alguma.

 


	DURAME

		

No cerne, a carne, o ser.
O instante, que ia ser isto,

Não foi, ficou, de repente,
no mistério de um sorriso.

 


	A TEMPESTADE


Canibal, palavra latina,
à maneira de canis, animal
de fidelidade canina.

Nas Bermudas, sublime ironia,
será um vento do cão
e vai se chamar hurracán.

E quando o mar de lã
de repente apontar terra à vista
Então será Caliban.

 


SOBRE UM DITADO ANTIGO


Vou dizer de novo o que disseram
Para que a mente nunca esqueça
Que um dia, folhas, nossos lábios se fizeram
Relva, céu veloz, veludo e névoa espessa.

Essa fumaça no vazio é parecida
com a outra que, vida,
dura como dura o raio, quartzo
que uma pupila dilata e irradia.

Quem diria, por exemplo,
que sob a carne do incenso,
no durame da tarde,
o sândalo respira
sem fazer nenhum escândalo.

 


	FUGAZ


passagem por uma paisagem,
lugar do onde, do ontem, do quando,
quantas palavras ficaram faltando
na boca cheia de imagens.

o outro é aquele que ficou à margem,
no espanto de um pronome,
no corpo de uma brisa suave;
o outro é como uma fome
pluma à deriva, à distância, ou quase.

estranho em sua própria viagem,
garrafa com uma mensagem,
olhar durando numa flor,
sem nome, secreta, selvagem.

Desterro, água bebida num trem,
peça incompleta, festa adiada, vertigem,
a cabeça sempre em alguém,
eu outro, eu todos, ninguém.

 

Os poemas são do livro VISIBILIA (Sette Letras, 1997).

Leia uma entrevista com o poeta em Balacobaco

Rodrigo Garcia Lopes?

Copyright © 1998 by Rodrigo Garcia Lopes.

 

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: Elson Fróes