A GALINHA a galinha tem pavor ao mar e mal sabe dar braçadas no ar a galinha tem garras pontiagudas para plantar-se no chão e desejar-se raiz a galinha cisca o terreiro e a cal do muro e mal distingue a quirera do sol que se levantou no passado e migra para o escuro ciosa do ovo perfeito pois nele guarda o futuro estende sua teia de nervos e estaca como um pára-raios choca como uma árvore dia e noite para ver maduro seu fruto e quando um pé-de-vento põe a poeira em remoinho lá está ela comandante louca de olhos esbugalhados ancorados no seco da tempestade O HOMEM-CARACOL O homem-caracol caminha pela parede do viaduto. Sua casa invisível guarda parcos pertences. Aonde vai arrasta a amnésia entre os badulaques. Sonhos de alguma infância cimentaram-se-lhe nos olhos. Sua dignidade é o osso sua casa. As pombas o frio no caminho são sua gente. Amor? Gesto cariado dor que pratica em público. É um dos poucos homens públicos que Deus perdoa. Se não me engano já o teremos visto rebarbativo na parede de casa num fim de tarde. NOVA ORDEM o ciclone tenta arrancar pelos cabelos a vegetação terrestre os terroristas estão dormindo há mais de 24 horas bois nasceram com guelras na Nova Caledônia (voltará a primavera voltarão as aves as ovelhas perderão o pelame) o relâmpago estilhaça a abóbada celeste a faca talha a melancia pelo abdômen nada tem piedade de nada (voltará a primavera voltarão as aves as ovelhas perderão o pelame sim, o dia renascerá mas já preparado para outro envelhecimento precoce) VARANDA a poesia envenenou-me já não há mais tempo a lua investirá com seus chifres e as cebolas no escuro despertarão o olho do coração da cadeira de balanço a Paciência contempla a penugem dourada das horas enquanto um gato dorme sobre sua cabeça uma tempestade de diamantes arremessará suas flechas sobre o Estreito de Magalhães exatamente assim passará um milênio LUGARES há lugares na alma tão escuros que até os cegos podem contar as estrelas cadentes contar as estrelas e fazer muitos desejos tantos quantos cabem na alma de um cego há praias na alma tão escuras que até os videntes pensam que é céu cada grão de mica encerra uma estrela que caiu de modo que o mundo da alma parece não ter pé nem cabeça * * * o cheiro da mexerica não é o cheiro da morte a casca rasgada no canto do prato é o mapa de Guadalamaxica o gomo atravessado nos dentes, como onda na areia, infiltra o beijo úmido, por séculos tão esperado chupa longamente o sumo da tangerina! contra o gemido do prazer não há vacina a vida toda é uma muiraquitã o tempo em que se mordisca a carne da poncã tudo é cegueira, nada mais se nota quando se come a fundo a bergamota o cheiro não é o cheiro da morte a chama laranja do amor cresce por dentro da boca depois, pode-se ler o rascunho do fogo: cascas, bagaços, sementes e a excêntrica flor felicidade |
poemas gentilmente enviados pelo autor
Leia uma entrevista com o poeta em Balacobaco
Copyright © 1999 by Ruy Proença.
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: Elson Fróes |