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Marcus Morais Accioly (Aliança PE 1943)
Advogado e professor, em seus mais notáveis sonetos destaca-se pelo
erotismo graficamente carnal. Se chamo Cecília Meireles de "rainha da
reticência", posso chamar o pernambucano de "rei do parêntese", ou, com
mais propriedade ainda, de "rei da caixa baixa".
AUPARISHTAKA A noite se penteia com dois pentes (o sono e o sonho) e eu penso no teu sexo tentando aproximá-la com mil lentes ou apalpá-lo às vezes feito um cego (que seios nus acendem luas doidas de cães obstinados por mordê-las?) decerto eu comeria as nuvens todas e beberia o álcool das estrelas na máquina do espaço (tanjo os dedos na cabeleira cósmica) sonâmbulo eu te penetro a carne onde os segredos (da boca ao ventre e da cintura às nádegas) mas gozo dentro do meu próprio escândalo descendo as mãos até a raiz das águas AUPARISHTAKA 2 onde tu não estás? (sempre te vejo como um bicho no cio ou feito um pássaro na gaiola de vidro atrás do espelho) onde tu não estás? (em tudo és dentro se me afasto do tempo estás no espaço (porque sais dos lugares onde eu entro para em mim te encontrares sempre) às vezes eu atravesso a sombra do teu rosto como quem cruza um túnel (mexo as fezes que entre nós dois o coração tem posto) porém é farta de pecado e suja que te quero à lembrança que te ama (que porco eu sou fuçando a tua vulva cheirando a peixe sobre o mar da cama?) COITO IN/VER/TIDO Sobre duzentas almofadas postas em seu colchão (já livre de mil panos) o amor se deita e (sob mim) de costas deixa que eu tente possuir seu ânus (vou penetrando devagar) molhado está meu pênis de saliva (desço pelo avesso da carne) do outro lado (a dois dedos da vulva) eu reconheço que aquela região (o amor suporta a dor do seu prazer) estava intata e (violento) arrombo a sua porta como se fosse um bárbaro (se fosse no seu corpo um aríete) "ó mata- me" (diz o amor) "que o gozo dói de doce" COITO IN/VER/TIDO 2 por detrás o prazer é diferente do gozo pela frente (e pela boca e nas mãos e nas) toda a carne é pouca para tanto desejo (pela frente o amor ao próprio amor se satisfaz) mas é diverso o coito por detrás da fêmea (é como os animais copulam) existe um cio por detrás (um jeito de puxar os cabelos quando ondulam como crinas) e o gozo insatisfeito precisa de mais gozo para ser em sua plenitude e goza mais (se uma só vez o amor acontecer é preciso que seja por detrás) AS LÍNGUAS DE BABEL Deu-se a Babel (a confusão das línguas) as mesmas línguas que se penetravam e diziam palavras (lanças ígneas que no escuro da carne se inflamavam com seus fósforos úmidos) seus falos vermelhos (de onde o sexo desponta como uma boca cheia de vocábulos) o amor é um pênis dentro da garganta e a vulva um corte sob a espada em riste (depois do gozo há um momento triste de mútua solidão) e se desprende do corpo o corpo após a luta cega (que ao seu silêncio cada qual se entrega e não há mais Babel e o céu se acende) A SALAMANDRA E A FÊNIX Eis o teu gosto ácido de fruta em minha boca (o gosto do teu pêlo à língua que te lambe e que te chupa) eis o esporrado mar do teu cabelo cheio de mim (o gozo sucessivo da tua carne aberta por meu pênis) ó concha e seu molusco (c)ativo (ostra de sal) orgasmo de onde a Fênix do amor ressurge (salamandracesa de esperma) quando sob mim és presa (nos meus dentes) tão bárbaro te pego que (sensível) tu finges ser um pássaro para que eu sinta (sendo-te mais áspero) em cada poro do teu corpo um sexo TEMPLO DE KANDARYA OU MAQUINÉ A lembrança da carne me faz homem na noite sem ninguém (eu telefono para os fantasmas) meu amor tem fome e sede (sonho que antecede ao sono) leio Vatsyayana ("Os Kama Sutra") se a luz divide a sombra em quatro partes o teu corpo é a quinta (ó imagem ultra- violeta) e mais cinqüenta e nove artes do Manual hindu (ó aforismos sobre o meu coração) sobre o teu ventre poreja o ar gelado (ó gota entre a gruta que se funde em seus abismos) água entre o espaço e o tempo (entre os limites do meu desejo) as estalactites TEMPLO DE KANDARYA OU MAQUINÉ 2 (agulhas de silêncio) pedra curva retida pela abóbada (teus dedos são ausentes de mim feito uma chuva suspensa) como o céu debruça estrelas (de quartzo) desprendes teus cabelos (cortinado de terras) sobre as termas dos teus seios (penetro os doze dígitos da câmara profunda e salitrosa) templo de Kandarya (ó edifício de lábios e de pétalas) a rosa da Lapa (descoberta com seus fósseis) eis a cor dos cristais em que te despes e gozas na parede qual se fosses pintada em teu prazer (poses rupestres) ONANIZAÇÃO Não é tão longe o longe (tudo é perto) o espaço interno é o mesmo tempo interno (que mãe ou amante sabe o meu deserto se é dentro-fora o Paraíso-Inferno?) a minha carta chega ao teu destino sem palavras (quem lê o meu silêncio?) quem sobre a folha em branco é um menino desenhando um triângulo no pênis? (a luz se apaga e a tua vulva cresce como um peixe de sombra que navega a fria solidão que o amor aquece) e a mão apalpa tudo o que não pega ou que aparece (se desaparece) dentro dos olhos pela noite cega ONANIZAÇÃO 2 (quem tateia nas ondas do teu corpo feito um barco no fuso da voragem que encontra no naufrágio o último porto?) quem sabe do arquipélago selvagem onde a sereia acorda o sonho morto para deter no mar minha viagem pelo canal da carne? (fundo búzio guardando um som inteiro de entre os lábios que cantam sob a água o seu murmúrio de alga espremendo líquidos amargos mas doces de prazer) eis os tentáculos envolvendo os sentidos e puxando cabelos como crinas de cavalos (o próprio vento que eu estou pegando)
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |