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Ulisses Lins de Albuquerque (Sertânia PE 1889-?)
Mais conhecido como político que como poeta, em ambas as atividades fez
plataforma da temática sertaneja, aliás mais que alusiva a seu torrão
natal. No lirismo e na ambiência nota-se-lhe a influência de Olegário
Mariano.
VELHA MUSA (à minha neta Maria Cristina) A velha Musa, há tempos escondida De mim, volta de manso ao meu casebre, Onde, por vezes, eu ardendo em febre, Tive-a a velar-me terna irmã querida. Em alto canto o trovador celebre A sua vinda. E a dar-me alento à vida, Ela demore até que, desprendida De minhas mãos, a harpa, a cair, se quebre. Tendo-a a meu lado, não me atemorizo, Mesmo quando entre sombras já diviso A funérea visão que, em hora morta, Ao redor dos enfermos baila e ronda... Não estou só. Se ela me espreita e sonda, Durmo tranqüilo. Deixo aberta a porta. FALANDO AO CORAÇÃO (a meu neto Rogério) Alto lá, coração! Refreia as ânsias Que estão eu sinto a fermentar no peito. Recorda bem aquelas circunstâncias Em que me embaracei por teu respeito. Vê que as águas dos rios às distâncias, Nas margens, vão; mas retornando ao leito, No húmus que espalham, cheio de fragrâncias O vale, empós, lembra um jardim perfeito. Segue esse exemplo, e escuta, velho amigo: Já me impeliste às bordas do perigo E hoje, à voz da razão subordinado, Só me resta conter os teus arrancos. Por ti, ganhei muitos cabelos brancos... Tem paciência: ficas enjaulado! À MARGEM DE UM POEMA OLEGARIANO (à minha neta Maria Regina) A cigarra cantou, cantou... e um dia, Lá da ingazeira em flor, rolava ao chão. As formigas cercaram-na. Caía Ali perto, uma flor, na ocasião. Delas, um bando diligente agia. E uma pétala à flor colhendo, então, Nela posta a boêmia, lá saía O enterro... Parecia procissão! As que carpiam, longe, a companheira, Foram pousar na copa da ingazeira Que, a estremecer, deixando cair flor, Salvava junto às aves em cantigas O carinho, a nobreza das formigas, Carregando a cigarra... num andor. PANTEÍSMO (às minhas netas Ângela e Sílvia) Vinde, ó poetas, músicos, pintores, Ver e ouvir o conjunto de beleza, O verde, sombra e luz, gorjeios, flores, Que em seu seio nos mostra a Natureza! Quando, em êxtase, admiro esses primores De harmonia, de graça, de pureza, Vejo o mundo sorrir-me em róseas cores, A vida para mim tem mais grandeza. Quanto me empolga esse esplendor selvagem Da floresta, e um encanto na paisagem Da canafístula os festões de flor! E eu sonhando em gravar tanta magia, Numa tela, na pauta ou na poesia, Sem ser poeta, músico ou pintor! NATAL (a José Wamberto) Natal da minha infância! Lá na aldeia, Badala o sino. A celebrar em frente Da ermida, o Padre Colombet folheia O Missal... ergue os braços lentamente... De em meio à multidão surge a voz cheia De Joaquim Padre o preto alto, imponente, E o som do seu Bendito empolga e enleia A alma cristã daquela boa gente. A casa de meu pai era um cortiço. Até de madrugada em rebuliço O pobre lugarejo (hoje é cidade...). E agora eu, a evocar aquilo tudo, Quando chega o Natal, assisto, mudo, Rolar a minha noite de saudade! NINHO ABANDONADO (a João Torres Bandeira) Que és hoje, peito meu? Casa vazia, Onde no entanto, as ilusões, outrora, Ofertavam-me o vinho da Poesia, Embalando-me aos cânticos da aurora. Mas por culpa, de quem? Nem sei! um dia, Todas, bailando, a rir, foram-se embora; E desde então, na angústia que a excrucia, Minha alma esta alma de criança chora. E nunca mais um riso, um canto, um hino, Foi quebrar o silêncio impressionante Do ninho abandonado ao seu destino. Apenas, alta noite, às gargalhadas, Dele em redor, o vento frio, uivante, Lembra um triste clamor de almas penadas. ADEUS Ah, para que falar na linda história De um amor que talvez nem chegue ao fim! Não. Vou guardá-la a um canto da memória, Como um segredo a sepultar-se em mim. Esse amor foi talvez a maior glória Que em altos sonhos aspirei; e, enfim, Não passa de miragem transitória... Para o poeta, quase tudo é assim! Quero apenas dizer-te na hora extrema Da despedida, neste pobre poema, Uma palavra simplesmente: Adeus. Mas neste Adeus minha alma, te enlaçando, Ficará junto a ti, talvez bailando, Qual doida abelha à flor dos lábios teus. ROSA MURCHA Como outrora eu te vi, graciosa e bela, Rosa humana de sonhos orvalhada! Eras um misto, assim, de flor e estrela, Irradiando o esplendor de uma alvorada. Foram os anos perseguindo aquela Rara beleza, aos poucos desgastada; E à ação do tempo o encanto se esfacela Ah, murcha rosa! e tudo em breve é nada! Perfumaste de amor o meu caminho, Na rósea quadra em que era um sonho a vida, Para mim, junto a ti, Flor sem espinho! Ilusão da perdida mocidade! Minha alma ainda te beija, enternecida, E hoje sente um espinho: é o da saudade.
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |