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Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado (Capivari SP 1875-1929)
Como sucessor de Bilac na respectiva cadeira da Academia, honrou o
compromisso, já que sua poesia foi analisada como representativa da
decadência do parnasianismo. Mas em alguns aspectos (como quando fala de
cenários rurais) o poeta parece mais à vontade e autêntico caipira
orgulhoso, traço que não escapou ao olho clínico e "alacrítico" do
caricaturista Emílio de Meneses. Eis como o Gordo satirizou o Magro:
A AMADEU AMARAL [Emílio de Meneses] Dizem que, às vezes, quer se achar bonito, Mas, nem sendo Amadeu e sendo amado, Mas muito amado mesmo, eu não hesito: Se não é feio é bem desengraçado. Entretanto se o vejo (isto é esquisito) Através de um soneto burilado, É mais que belo, afirmo em alto grito, É o próprio Apolo que lhe fica ao lado. Mais comprido que a universal história, Este Leconte, com seu ar caipira, Me deixa uma impressão nada ilusória. Quando ele ao alto a inspiração atira, Com a cabeça a topar no céu da glória, É um guindaste a guindar a própria lira. O próprio Amadeu, ainda que menos histriônico, também tinha sua veia satírica, a julgar por este retrato implacável: UM FIDALGO NA NEBLINA Uma noite, a vagar entre a neblina, Enxergo um vulto sobranceiro e nobre, Que de um gabão romântico se cobre E sob um largo feltro a testa empina. Nem a chuva a cair faz que se dobre, Nem à rajada mais cruel se inclina. Avanço; e, no halo de um lampião de esquina, Vejo de perto meu fidalgo: é um pobre... Dou-lhe uma esmola e sigo. Continua Pisando a lama parda o Cavaleiro, Na praça morta, sob o céu sem lua... E eis como um triste, amargado e esquivo, Com um pouco de distância e de nevoeiro, Pode passar por um fidalgo altivo. No geral, porém, Amadeu foi sério e compenetrado, faceta que se comprova pela amostra abaixo. Entre seus temas culminantes está a amizade e sua contrapartida, agudamente enfocada no seguinte soneto, ao qual não resisti em replicar: BOM INIMIGO, BOA VINGANÇA Nada é inútil, no entanto: um inimigo não é o oposto do amigo que convém; é, voltado do avesso, um bom amigo, e podemos até querer-lhe bem... A amizade, alimento que bendigo, freqüentemente a maus excessos vem, e põe, não raro, a gente como um figo, a arrebentar do miolo que contém. O inimigo, ao contrário, rói e suga; de humores doentes minha carne enxuga; e, nessa eucaristia singular, enquanto do meu ser ele se nutre, vingo-me, em paz, do inofensivo abutre, indo lá no seu sangue circular. SONETO 595 COMISERADO Falando de inimigos, o Amadeu achava que não são do amigo o oposto, mas nutrem-se de nós e nos dão gosto de deles nos vingarmos. Pensei eu: Foi só minha visão tornar-se um breu e amigos desertaram, mas seu posto às vezes é ocupado por um rosto que ri de mim e faz que se doeu. Dizendo me entender e sentir dó, consente que eu me humilhe e que, de quatro, lhe lamba das botinas todo o pó. No fundo, seu apoio era teatro: apóia, sim, em mim seus pés e só desfruta quando o escuro me é mais atro! Outros sonetos de Amadeu: SONETO MONACAL Quem me conheça, muitas vezes há de ver que na Dor, como hoje, me enclausuro monge vagando em corredor escuro, alheio aos ecos da comunidade. Mudo e grave e alquebrado como um frade que sonha um sonho religioso e puro, olho, às janelas ogivais do muro, o roxo pôr-de-sol da mocidade. Sinto que a noite vem, cheia de horrores, colher-me neste claustro, onde somente ressoam, pelo chão, minhas sandálias; e que meus gritos de profundas dores hão de perder-se desoladamente na mudez cavernosa das muralhas. OUTRO SONETO MONACAL Por entre os claustros da Amargura, arrasto no pavimento minha vil sandália, pondo um ruído no silêncio vasto, que entre as paredes, funeral, se espalha. Eu sei de um monge devotado e casto, que chama a Virgem, para que lhe valha, vendo-a surgir atônito, de rasto no fundo escuro da brutal muralha: assim eu vejo, às vezes, a figura clara e esvelta e formosa duma santa, rompendo a escuridão desta clausura. Santa dum céu ignoto, céu de sonho ao qual toda minha alma se alevanta, nos arroubos dum êxtase tristonho... SONETO ROXO Um triste badalar, como num campanário silente badalando os sinos por finados, há no olhar, em que dorme um torpor funerário, dessa que reza, olhos no céu, joelhos dobrados. Olhos, que eu adorei cheios de álacre e vário luzir, hoje da cor do lírio roxo orlados, tristes como os de Cristo a subir o Calvário entre a chufa do povo e a lança dos soldados... Olhar que tanta vez em volutuosa rede me prendeu, me arrastou, acariciante e fero, coriscando paixões, arquejando de sede, e que me lembra agora um silencioso lago, por cujas águas paira um manso reverbero de roxo pôr-de-sol martirizado e vago... FUI CAVALEIRO Eu já fui cavaleiro, e na guerra, que assola, todo o corpo chaguei, vi que tudo é maldade. Nem me resta esse amor, para o qual se me evola do peito, como incenso, uma louca saudade! Dentro da minha dor, que da Vida me isola, recolhi-me, e hoje arrasto a cogula dum frade, como um frade infeliz, cuja existência rola entre a vida infeliz duma comunidade. Quero que o Mundo estruja em torvelim sangrento, ou que tenha repouso, apodrecendo embora, longe da triste paz deste recolhimento; que a vida me deslize, aqui, como a fumaça, que se eleva em bulcões pelo ar sereno afora, e mansamente, e pouco a pouco se adelgaça... SONETO DA SERPENTE Ei-la que passa, majestosa... Faço de meus desejos cobiçosos uma serpe, que a boca lhe remorde, o braço, o rosto, o seio, todo o corpo em suma. Guarda no grande olhar, em cada traço, no donaire gentil, com que se apruma, a graça austera, com que um anjo o espaço fende e ilumina, por montões de bruma. Em vão nela se enrola meu desejo; nem a boca lhe treme, nem murmura, nem nos olhos um frêmito lhe vejo. Parece estátua prodigiosa, e dura, que nem sente o asqueroso animalejo a enrolar-se-lhe, ao sol, pela cintura. SONETO MAL-ASSOMBRADO Minha alma é uma casa abandonada, por cujos tenebrosos corredores volteia a ronda volatilizada dos espectros de mortos moradores. Um dia esta mansão mal-assombrada, afugentando a treva e seus horrores, entraste, alegre aparição alada, num explodir de claridade e olores; mas de pronto fugiste, e hoje, silente, esconde a velha casa à luz do dia as mesmas sombras, que volteiam juntas. Ah! Terei de guardar eternamente na solidão desta alma escura e fria estas saudades de ilusões defuntas! VERSOS NEVOENTOS (a quem lê) Luta penosa e vã, esta em que vivo, imerso na ambição de alcançar a frase que me exprima, onde o meu pensamento esplenda claro e terso, como o bago reluz pronto para a vindima. Como cristalizar tanta emoção no verso? Como o sonho encerrar nos limites da rima? Bruma ondulante e azul, fumo que erra disperso, não se pode plasmar, não há mão que o comprima. Não, eu não te darei a Expressão que rebrilha na rija nitidez de u'a moeda sem uso, acabado lavor de cunho e de serrilha: só te posso ofertar estes versos nevoentos, conchas em que ouvirás, indistinto e confuso, um remoto fragor de vagas e de ventos. RIOS (a Adalgiso Pereira) Almas contemplativas! Vão rolando Por esta vida, como os rios quietos... Rolam os rios, árvores e tetos, Céus e terras, tranqüilos, espelhando; Vão refletindo todos os aspectos, Num serpentear indiferente e brando; Espreguiçam-se, límpidos, cantando, No remanso dos sítios prediletos; Fecundam plantações, movem engenhos, Dão de beber, sustentam pescadores, Suportam barcos e carreiam lenhos... Lá se vão, num rolar manso e tristonho, Cumprindo o seu destino sem clamores E sonhando consigo um grande sonho. OS MEUS CAMARADAS Por esta melancólica descida através de sarçais e de atoleiros que seria, dizei, de minha vida, sem vós, ó meus amados companheiros? Que seria desta alma, assim ferida, que seria dos sonhos derradeiros, sem quem me ouvisse a voz, jamais ouvida na surda multidão dos caminheiros? Ah! Como é bom sentir, na treva incerta, a amiga voz que à nossa voz responde, a doce mão que a nossa mão aperta! Vamos... Rodeai-me sempre assim... Cuidado! Quero, na escuridão que nos esconde, ouvir os vossos passos a meu lado. LUA É nestas horas em que sofro e tento vencer o tédio, víbora refece, que o teu vulto à lembrança me aparece num mais doce e maior deslumbramento. Vem como a clara lua que esplandece, inesperada, por um céu nevoento; minha alma se ergue, então, no alheiamento de uma dorida fervorosa prece. Ó clara, ó alta, ó refulgente lua, se te elevas meu ser também se eleva, e onde vais flutuando ele flutua... Rompe das nuvens o pesado véu! És a única luz por esta treva e o derradeiro encanto deste céu. TU, SÓ TU... Pensando nesse misterioso encanto, nessa graça tão límpida e tão pura, quase dos olhos me rebenta o pranto, numa explosão calada de ternura. E quando a alma serena, assim, levanto às regiões onde o nosso amor fulgura, sinto no peito o coração de um santo e sinto que a alma se me transfigura. Só tu darias, coração perfeito, levezas de ave sonorosa e doce à serpe que me pulsa aqui no peito; tu, só tu, meu amor, trocar podias o travo mau do antigo fel precoce no dulçor destas lágrimas tardias. BOÁS E RUTE (a Manuel Carlos) Boás, o bom lavrador, a quem só resta, para, enfim, completar sua ventura, ter o carinho de uma esposa honesta e que junte à pureza a formosura. Boás adormece, fatigado, à sesta, e, inda assim, a sonhar, se lhe afigura que contempla, que segue e que reqüesta uma doce visão formosa e pura. Mas eis desperta o rico betlemita e vê o lírio dos lírios montanheses, Rute, a seus pés; toma-lhe as mãos, risonho. E, risonho e feliz, se capacita de que, se o sonho é bom, também, às vezes, a realidade é bem melhor que o sonho. A VELHA COMÉDIA (II) Foges-me?... Seu eu não mendigo o teu amor, meu amado! E, se teu nome bendigo, não te desejo a meu lado. O meu amor é um pecado, o teu desdém é o castigo. Mereci-o, está acabado; deixa que eu sonhe contigo! Vejo-te do alto de um sonho, monte azul que os ares cinde, cujas raias não transponho. De tudo o sonho prescinde... Só minha esperança ponho em que tão cedo não finde. A VELHA COMÉDIA (IV) O meu amor é um cipreste na tumba de uma esperança. Não há vento que lhe empreste uma canção leve e mansa. Quem quer que atenção lhe preste verá que nunca descansa. Com que dor sombria e agreste seu vulto escuro balança! Profundo amor impoluto! Planta que os homens assombra, que não dá flor nem dá fruto! Não se ergue sobre uma alfombra; nada quer, senão o luto: nada produz, senão sombra. A VELHA COMÉDIA (VII) Eu tive amores outrora, confesso, querida, tive-os, cor da tarde, cor da aurora, trigueiros, pálidos, níveos. Foram-se, afinal, embora. Ficou-me desses convívios, não a saudade que chora, mas o maior dos alívios. Mulheres são como flores, existem por toda a parte, há-as de todas as cores... Tu, és a última e a única! Deixa-me, ó anjo, beijar-te a extrema fímbria da túnica! NUVENS Sobre a lâmina azul de um céu todo bonança passa uma nuvem clara em curvas franjas de onda, vaga que adormeceu num mar que não estronda, nas mudas convulsões de uma tormenta mansa... Bruma, sonho da terra, ergueu-se; e enquanto avança, busca a forma fugaz, que se esboça e esbarronda; aqui se esgarça, ali descai, além, redonda, bóia ao sol que a redoira e ao vento que a embalança. Sonhos, bruma secreta, entre anseios e dores, sobem-nos da alma assim, livres, espaço em fora, na lenta indecisão dos informes vapores... Possam os meus pairar na luz por um momento, ser a nuvem que arrasta o olhar perdido embora suceda a cada esboço um desmoronamento! A UM ADOLESCENTE (I) (a Júlio Mesquita Filho) És moço. És belo. És forte. Em ti a juventude lançou todo o esplendor da harmonia e da graça: nem traço feminil que mesquinho te faça, nem o vigor bestial que a imagem torne rude. Vejo o Alcides pagão, pronto a brandir a maça... Mas, não. Alguma coisa há em ti, que não me ilude: teu olhar morno e quieto é um sonolento açude, onde um tardo bulir de água morta perpassa. Destreza, porte, cor, músculos, nada falta, nada te faltaria, oh! não, se não faltasse o sopro, a chama, a luz que transfigura e exalta, o instinto heróico, o ardor de exceder-se nas lides, que essa alma ainda em fusão, vivo e brusco, plasmasse pelo relevo audaz desse corpo de Alcides. A UM ADOLESCENTE (II) Quisera ver-te, ó tu que és moço, olhos erguidos ao beijo alto da luz, o olhar cálido e reto espelhando ante o sol, o amigo predileto, o clarão interior dos sonhos atrevidos. Nem tristeza banal, nem desânimo abjeto, nem plangente desdém, nem queixas e gemidos, mas a graça e o vigor do corpo e do intelecto, e a alma a vida a beber pelos cinco sentidos. Que importa que te falte uma crença radiante! Que a ilusão te morresse ao bafo atroz do mundo? Basta crer na Beleza! E basta a Mocidade... Sê moço. Vive e luta; anela e vibra. Adiante. Vive como um falcão de olhar duro e profundo, vive amando o esplendor, a altura e a imensidade. TAPERA Numa curva da estrada, onde a luz reverbera num tanque entre ervaçais, aparece uma casa. Pombas voejam no oitão, sobre a cumeeira rasa. Tudo ali tem um ar de quem convida, e espera. Sigo. Chego ao pomar: o capim prolifera; a guaxima no juá bravo, alta e rija, se casa. Silêncio. E, no silêncio, o som mole de uma asa e o fremente chiar da cigarra. É a tapera. Bato à porta. Ninguém. Olho por uma fresta: tudo escuro; e no escuro, a descer do telhado, longas fitas de sol. Nada mais ali resta. A velha casa morre. Apenas, sobre as lombas do teto a desabar caminham sem cuidado, nos pequeninos pés, turturinando, as pombas. A BOA ÁRVORE (a J. Carlos) Além, no vale imoto, onde a selva congesta se adensa e enrosca, a ondear os contornos hirsutos, uma árvore surgiu, cresceu, rasgou uma fresta, resistindo aos cipós, e aos encontrões dos brutos. Enquanto as outras mais se estorcem, doidas, esta crava a raiz no solo e, em ritmos resolutos, ergue o tronco e abre a rama, e floresce modesta, e a fronde alta e redonda estrela de áureos frutos. Ninguém lhos colhe. A lama, as aves e as formigas devoram lentamente os pomos de ouro dútil, sob a copa que pende escorrendo fadigas... E a árvore, em breve, a alçar os pendões do renovo, tranqüila recomeça a obra pesada e inútil, para, em vindo a sazão, frutificar de novo. CONTRADITÓRIO Rapaz, vivi num sonho ardente e deletério, que foi da nau sem norte e símile mais justo. Sem conhecer o mundo, achei-o triste e angusto, e fiz do mar imenso o meu suave ermitério. Errei, a demandar, sem cuidado nem susto, miragens de beleza e abismos de mistério. E ainda estaria a errar de hemisfério a hemisfério, se a minha pobre nau já não vogasse a custo... Hoje, conheço o mundo e, enfim, desiludido, comparo, à frouxa luz da razão que amanhece, a terra firme e farta ao proceloso mar. Quanta fadiga vã! Quanto tempo perdido! Como o sonho é enganoso!... Ai de mim! se eu pudesse partir segunda vez e nunca mais voltar... CIGARRA (a Olegário Mariano) Pia um pássaro além. De uma copa, responde estrídula cigarra, e o canto agudo estira. Dir-se-ia que a Terra, ante o Verão que expira, ergue uma prece à luz, dando uma voz à fronde. Por que canta a cigarra? E que diz ela? E onde? Em que frincha de sombra? O grande sol que a inspira, doando-lhe o alto esplendor deste céu de safira, a penumbra produz que a dissimula e esconde. Canta, cigarra! Tu, que, em vez de teres garra, bico, dardo ou ferrão, tens uma voz fremente, enche do teu clamor estas matas e furnas. O destino do poeta é como o teu, cigarra: sonhar sonhos de luz na penumbra envolvente, dar um frêmito e um canto às frondes taciturnas... A VIDA (Impressão do MOISÉS, de Menotti Del Picchia) Eis a Vida: seguir umas quimeras vagas, lançando a mão em sangue aos cardos e aos espinhos; rolar no pó; gemer; deixar pelos caminhos mil farrapos de carne e o sangue de mil chagas; sorver o horrendo fel que anda em todos os vinhos, o veneno que jaz em todas as teriagas; persistir, todavia, entre as chufas e as pragas dos que vão, a ulular, por trilhos convizinhos; chegar, enfim, exausto, ao fastígio da idade, ver desfeito o jardim de encanto que sonhamos, cair desfalecido e supremo revés olhando para trás, ver que a felicidade ficou além, no vale, onde, espectros, passamos, ficou além, na flor que calcamos aos pés... O PRÓXIMO Ora, porém, vos digo: a toda a gente amai. Há, para tanto, um outro amor, menos pronto e vivaz, menos ardente, mas de mais puro e espiritual sabor. Não o andeis amostrando, como o crente ostenta às multidões o seu fervor. Viva esta chama em vós ocultamente, como a luz de uma lâmpada interior. Amai ao vosso próximo. Carrega, como nós, a paixão, víbora cega; filho e escravo da dor, é nosso irmão. Vai, como todos nós, pó levantado, na asa do mesmo vento arrebatado, mais perto, ou mais além do mesmo chão... O AMOR Só pelo amor a triste Humanidade (se algum dia terá de se remir) redimida será. E, na verdade, outro caminho não se lhe há de abrir: o amor diante da vaga Imensidade muda, assombrosa, as gentes a reunir, como em ruína, que uma cheia invade, se ajuntam passarinhos a fremir. Ai! esse amor virá. Quando? Quando o homem aprender que as torturas, que o consomem, só dele vêm, só ele as deterá. Mas para quando essa formosa aurora? Tenhamos fé que há de raiar, embora a treva sempre se adensando vá. À LUA Quero-lhe bem. Ei-la peregrinando além, além, do vasto céu, tão só, tão branca e triste, entre o doirado pó que seus passos ao azul vão levantando. Quero-lhe bem. Na minha infância, quando a olhava, triste e silenciosa avó, não sei por que razão, sentia dó de a ver tão solitária, além, rezando. É que uma obscura relação já havia entre minha alma quieta e a lua fria, entre a minha tristeza e o seu clarão. De lá vieram os sonhos de minha alma, esta revolta estrangulada e calma, este amor e este horror da solidão. SOBRE OS MALES DA BONDADE Quando menino, ouvi freqüentemente que homens duros e pérfidos havia, dos quais devera ser tão diferente quanto da noite é diferente o dia. Entrei na Vida como quem, tremente, fosse escalando horrenda serrania... Quanta vez invejei a bota ingente com que o Pequeno Polegar fugia! Jamais, porém, vi monstros a meu lado. Torturas e aflições messe infinita só almas bem maviosas me têm dado. Oh Vida, quanto da Ilusão destoas! Talvez tu fosses muito mais bonita, se não houvesse tantas almas boas... SAUDADES DE VELHAS SAUDADES Passa uma vela branca no horizonte. Que saudade esquisita, ó vela errante! Quantas vezes um sonho semelhante, na meninice, me alumiou a fronte! Muita vez me quedei, saudoso, diante de uma folha a cair ou de uma fonte, do rio que rolava sob a ponte, do fumo solto de um casal distante. Vendo-te agora, ó nau! tenho saudade da infância, da ilusão, da ingenuidade, e de cem outras coisas, entre as quais essas próprias saudades que eu sentia, tão vagas! talvez sombra fugidia de remotas saudades ancestrais. A UMA SENHORITA ELEGANTE Toda em seda e cambraias ondulando, complicado o cabelo, a tez pintada, Mariquita aí vai, leve, aspirando uma rosa de pano amarfanhada. Senta-se a um canto do salão, calada; olha os bicos dos pés de quando em quando. Apóia o queixo branco à mão rosada, onde há cinco espelhinhos rebrilhando. Vejo-a de longe. Seus vestidos baços põem na penumbra um fumo azul de pintas, em torno ao colo branco, aos doces braços. É uma tela incompleta. Que ventura! Não ser mais que um acúmulo de tintas na surdina feliz de uma pintura!
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |