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Manuel Antônio Álvares de Azevedo (São Paulo SP 1831-1852)
O lírico dos vinte anos fez poucos sonetos, não porque a Morte prematura
lhe desse pouco tempo, mas porque essa mesma Morte lhe desviou a atenção
para o mórbido e gótico cenário dos delirantes contos de NOITE NA
TAVERNA, ou simplesmente porque a própria estética do romantismo não
privilegiava o soneto. Seja como for, seus parcos exemplos são
definitivos e definidores daquele período
SONETO DO ANJO Pálida, à luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar! na escuma fria Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d'alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! o seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando... Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti as noites eu velei chorando, Por ti nos sonhos morrerei sorrindo! SONETO DOS MOÇOS PERDIDOS Um mancebo no jogo se descora, Outro bêbedo passa noite e dia, Um tolo pela valsa viveria, Um passeia a cavalo, outro namora. Um outro que uma sina má devora Faz das vidas alheias zombaria, Outro toma rapé, um outro espia... Quantos moços perdidos vejo agora! Oh! não proíbam pois ao meu retiro Do pensamento ao merencório luto A fumaça gentil por que suspiro. Numa fumaça o canto d'alma escuto... Um aroma balsâmico respiro, Oh! deixai-me fumar o meu charuto! SONETO DA PREGUIÇA Ao sol do meio-dia eu vi dormindo Na calçada da rua um marinheiro, Roncava a todo o pano o tal brejeiro Do vinho nos vapores se expandindo! Além um Espanhol eu vi sorrindo, Saboreando um cigarro feiticeiro, Enchia de fumaça o quarto inteiro... Parecia de gosto se esvaindo! Mais longe estava um pobretão careca De uma esquina lodosa no retiro Enlevado tocando uma rabeca! Venturosa indolência! não deliro Se morro de preguiça... o mais é seca! Desta vida o que mais vale um suspiro? SONETO DA ARMIDA Os quinze anos de uma alma transparente, O cabelo castanho, a face pura, Uns olhos onde pinta-se a candura De um coração que dorme, inda inocente. Um seio que estremece de repente Do mimoso vestido na brancura, A linda mão na mágica cintura, E uma voz que inebria docemente. Um sorriso tão angélico! tão santo E nos olhos azuis cheios de vida Lânguido véu de involuntário pranto! É esse o talismã, é essa a Armida, O condão de meus últimos encantos, A visão de minh'alma distraída! SONETO DA MORTE Já da morte o palor me cobre o rosto, Nos lábios meus o alento desfalece, Surda agonia o coração fenece, E devora meu ser mortal desgosto! Do leito embalde no macio encosto Tento o sono reter!... já esmorece O corpo exausto que o repouso esquece... Eis o estado em que a mágoa me tem posto! O adeus, o teu adeus, minha saudade, Fazem que insano do viver me prive E tenha os olhos meus na escuridade. Dá-me a esperança com que o ser mantive! Volve ao amante os olhos por piedade, Olhos por quem viveu quem já não vive! SONETO DA VIRGEM Passei ontem a noite junto dela. Do camarote a divisão se erguia Apenas entre nós e eu vivia No doce alento dessa virgem bela... Tanto amor, tanto fogo se revela Naqueles olhos negros! só a via! Música mais do céu, mais harmonia Aspirando nessa alma de donzela! Como era doce aquele seio arfando! Nos lábios que sorriso feiticeiro! Daquelas horas lembro-me chorando! Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro É sentir todo o seio palpitando... Cheio de amores! e dormir solteiro! SONETO DA DOR Perdoa-me, visão dos meus amores, Se a ti ergui meus olhos suspirando!... Se eu pensava num beijo desmaiando Gozar contigo uma estação de flores! De minhas faces os mortais palores, Minha febre noturna delirando, Meus ais, meus tristes ais vão revelando Que peno e morro de amorosas dores... Morro, morro por ti! na minha aurora A dor do coração, a dor mais forte, A dor de um desengano me devora... Sem que última esperança me conforte, Eu que outrora vivia! eu sinto agora Morte no coração, nos olhos morte! SONETO DA MÃE Ó páginas da vida que eu amava, Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado!... Ardei, lembranças doces do passado! Quero rir-me de tudo que eu amava! E que doido que eu fui! como eu pensava Em mãe, amor de irmã! em sossegado Adormecer na vida acalentado Pelos lábios que eu tímido beijava! Embora é meu destino. Em treva densa Dentro do peito a existência finda... Pressinto a morte na fatal doença!... A mim a solidão da noite infinda! Possa dormir o trovador sem crença... Perdoa, minha mãe eu te amo ainda! SONETO DO BEIJO Um beijo ainda! os lábios teus, donzela, Nos meus se pousem junto de teu seio Que treme-te e palpita em doce enleio Beba eu o amor que teu olhar revela. Vem ainda uma vez! és pura e bela, Arfa-te o seio, amor, n'olhos te leio... Que importa o mais? vem, anjo, sem receio! Um beijo em tua face! ind'outro nela! Aperta-me ao teu colo assim um beijo Desses em que ao céu um'alma se transporta!... E o mundo?... Um louco. E o crime? Só te vejo. Mas quando a vida em nós gelou-se morta E o inferno? Contigo eu o desejo. E Deus? Meu Deus és tu. E o céu? Que importa! SONETO DO AMIGO Perdoa se hoje em verso rude não cadente Ledos os sentimentos de minha alma exprimo: Tu verás que na arte de poeta eu não primo Porém verás que só digo o que meu peito sente. Mas os teus anos que me alegram a mente, Triste pensamento me faz vir de imo De meu peito alegre. De ti que eu tanto estimo Para o ano, em igual dia hei de estar ausente! Mas se de ti separar-me a extensão tão imensa, A grande distância que entre nós estiver Lembrança de ti não me fará perder. Faz que tua alma a distância também vença, Neste dia entre os amigos não te esquece Daquele em quem tua lembrança não fenece.
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |