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Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo (São Luís MA 1855-1908)
Enquanto o mano Aluísio se notabilizava no romance naturalista, Artur
preferiu o teatro de revista. Ambos foram também sonetistas, e Artur
aplicou na poesia a mesma sátira de costumes que recheava suas comédias.
Seus sonetos, tanto quanto os de Emílio de Meneses, alfinetam a
sociedade da época, e nem depois de mortos esses ferinos observadores
perderam a verve, a julgar pelo que se lê na página dedicada ao SONETO
PSICOGRAFADO.
INFANTILIDADE Que reboliço vai em casa de Marieta! É que fugiu Mignonne, a gata favorita, E tanto chora e chora a pobre pequenita, Que o papai manda pôr anúncio na gazeta. Da vizinhança alguém, com olho na gorjeta, A trânsfuga encontrou, que andava de visita Ao demo de um maltês filósofo que habita De um canto de fogão a cálida saleta. Marieta, ao ver Mignonne, estende-lhe os bracinhos. Dá-lhe um banho de amor em beijos e carinhos, Nervosa, a soluçar, e, ao mesmo tempo, a rir. E entre afagos lhe diz: "Senhora, foi preciso Pôr um anúncio! Veja o que é não ter juízo!" E todo o anúncio lê para Mignonne ouvir... AS ESTÁTUAS No dia em que na terra te sumiram, Eu fui ver-te defunta sobre a eça, Fechados para sempre oh, sorte avessa! Aqueles olhos que me seduziram. À luz do sol uma janela abriram, E o jardim avistei onde, oh, condessa, Uma noite perdemos a cabeça, E as estátuas de mármore sorriram... Saíste por aquela mesma porta Onde outrora os teus lábios me esperaram, Cheios do amor que ainda me conforta. Quando o jardim saudoso atravessaram Seis homens com o esquife em que ias morta, As estátuas de mármore choraram! TERTULIANO, O PASPALHÃO Tertuliano, frívolo peralta, Que foi um paspalhão desde fedelho, Tipo incapaz de ouvir um bom conselho, Tipo que, morto, não faria falta; Lá um dia deixou de andar à malta E, indo à casa do pai, honrado velho, A sós na sala, diante de um espelho, À própria imagem disse em voz bem alta: Tertuliano, és um rapaz formoso! És simpático, és rico, és talentoso! Que mais no mundo se te faz preciso? Penetrando na sala, o pai sisudo, Que por trás da cortina ouvira tudo, Severamente respondeu: Juízo! MUTAÇÃO Batel sem norte, o espírito naufraga Neste medonho pélago de ciúme, Que os suplícios do amor todos resume, E as vítimas do amor todas alaga: Quando entram n'alma as sombras do azedume, Quando nasce no peito hedionda chaga; Sofre-se... curte-se uma dor que esmaga, E não se exala ao menos um queixume... Mas, de repente delicioso instante! Uma doce cartinha, inesperada, Torna feliz um coração amante! Dor... azedume... isso não vale nada! Todos os males se dissipam diante Das garatujas da mulher amada! SONETO DRAMÁTICO "O Incesto". Drama em 3 atos. Ato primeiro: Jardim. Velho castelo iluminado ao fundo. O cavaleiro jura um casto amor profundo, E a castelã resiste... Um fâmulo matreiro Vem dizer que o barão suspeita o cavaleiro... Ele foge, ela grita... Apito! Ato segundo: Um salão do castelo. O barão, iracundo, Sabe de tudo... Horror! Vingança! Ato terceiro: Em casa do galã, que, sentado, trabalha, Entra o barão armado e diz: "Morre, tirano, Que me roubaste a honra e me roubaste o amor!" O mancebo descobre o peito. "Uma medalha! Quem ta deu?!" "Minha mãe!" "Meu filho!" Cai o pano... À cena o autor! à cena o autor! à cena o autor! O RELÓGIO Quando não vens, formosa desumana, E, saudoso de ti, sem ti me deito, Fica tão esperançoso o nosso leito, Que me parece o campo de Sant'Ana! Quando não vens, oh, pálida tirana, Torna-se lúgubre o quartinho estreito! Com muitas flores, flor, debalde o enfeito: Falta-lhe a flor das flores soberana. Se vens, é natural que isso me apraza; Mas, se não vens, quanta amargura, quanta! As próprias coisas sentem n'esta casa! É o relógio, porém, que mais me espanta, Pois, se não vens, o mísero se atrasa, E, se vens, o ditoso se adianta! 33 GRAUS À SOMBRA Calor que os colarinhos me descolas, Vê como tenho as roupas ensopadas! Já tomei não sei quantas cajuadas! Já gastei não sei quantas ventarolas! Canícula que a toda a gente amolas E me privas de algumas namoradas. As pobres ficam; as remediadas, Perseguidas por ti, vão dando as solas! Do nosso "high-life" as pálidas donzelas, Como um bando travesso de andorinhas Para as montanhas vão, batendo as asas... Sem me dizer adeus, voou com elas A mais gentil das namoradas minhas! Dize, meu anjo, é certo que te casas? A LUÍS DELFINO Há no teu livro longas cavalgadas De versos, cavaleiros arrogantes, Nervosos, prontos a levar os guantes Às valorosas, ínclitas espadas; Imagens as mais belas, reclinadas No dorso de pesados elefantes, Tendo nos lábios beijos sussurrantes E nos olhos a luz das madrugadas; Tropos, também montados em ginetes, Fazendo mil fantásticos corcovos, Brandindo no ar os nítidos floretes; E finalmente multidões e povos De Adjetivos, os rúbidos valetes, Ledos, alegres, elegantes, novos. O MURO Com justa maldição já te não falto, Desalmado pedreiro, que tão alto Fizeste o muro de jardim que cerca, A habitação da minha namorada! Baldado esforço! Qual o quê! Não salto! Não quero espapaçar-me neste asfalto! Fortuna, amor, prazer, tudo se perca! Ah, maldito pedreiro, alma danada! Furioso diante das paredes altas, Consolação debalde vos procuro, Peito que saltas, perna que não saltas! Que lamente, que chore o fado escuro, Quem fora o mais ditoso dos peraltas, Se não fosse tão alto aquele muro!
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |