|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Elisa Virgínia Kirsten Barreto Rolim de Moura (São Paulo SP 1919)

A coincidência onomástica com a inglesa Elizabeth Barrett dos SONNETS FROM THE PORTUGUESE teria algo de sobrenatural (ou surreal?), segundo me afiança Arnaldo de Nicola Macchione, que me passou estes "Sete sonetos trágicos" e em cuja versão me louvo. Segundo Dru (Macchione), "Durante o período do Principado de Guilherme de Almeida, foi Elisa agraciada com um prêmio concedido pelo poeta para o melhor soneto" [...] "e tem sido a partir dessa época sua consagração como sonetista. O sonetilho como peça de composição para os 'Sete Sonetos Trágicos', aqui apresentados, têm nessa motivação para a tragédia um referencial de lenda, já que esta [autora] o guardou em CATEDRAL DE LÁGRIMAS, havendo o estilo gótico aquinhoado um grupo musical do mesmo nome no inglês: o Cathedral of Tears, que vislumbra uma intenção humanística [...]" Dru associa o catolicismo de Elisa às mitologias do Graal, cujo medievalismo inspira também o "atual príncipe" Paulo Bomfim em seus poemas armoriais.


SETE SONETOS TRÁGICOS

I

Meu Deus, que murmúrio é esse?
Que vozes estranhas ouço?
Tem o sentido da prece
saída de um calabouço!

Por que o estranho ruído
num crescendo vai tomando
totalmente o meu ouvido
e extática vou ficando?

Depois se esclarece tudo:
São vozes de malfeitores
que mortos pedem perdão.

Meu coração fica mudo:
É uma procissão de dores
em grande alucinação.


II

É a alma impura e malvada
de um grande espezinhador.
Vem co'a face macerada
pedindo perdão e amor.

É o corpo de um usurário
sem poder abrir a mão,
gemendo no seu calvário
suplicando uma oração.

É o olhar perverso e mau
que no mundo me olhou tanto
e crestou minha alegria,

navegando numa nau,
sobre um triste mar de pranto,
em macabra sinfonia.


III

É o fingido, o mentiroso
com olhos desmesurados
num sofrimento horroroso,
tributo dos seus pecados.

É o ladrão, o usurpador,
que sem dó nem piedade
fez de um puro e santo amor
um campo de crueldade.

É o opressor que suplica
aflito, desesperado,
comutação para a pena.

Minha alma em dúvida fica:
Que caos desesperançado
que sufoca e que envenena!


IV

E a corte continua,
as almas se aproximando...
O vozerio acentua,
sempre gemendo e chorando.

Meu Deus! Essa gente toda
perseguiu-me quando viva!..
E vai formando uma roda
na fogueira que se aviva.

E eu sempre os aconselhava
que fossem bons, compreensivos,
e que pensassem na morte...!

Mas ninguém se impressionava.
Despóticos impulsivos,
vangloriavam-se da sorte.


V (*)

— Na terra fostes Senhores,
de olhos maus e de ordens duras!
Não parastes ante as dores
das pessoas mais obscuras!

— O ouro era a garantia
suprema do bom viver!
Ele vos dava alegria,
proporcionava prazer!

Mas eu, sempre espezinhada,
por essa gente sem alma,
muito chorei escondido.

A ninguém contava nada,
mas muitas vezes, incalma,
quisera não ter nascido.


VI

E agora esses mortos todos
roídos pelo remorso
enchafurdam-se no lodo
formando um estranho corso.

Nas mãos deles, como eu,
muita gente foi visada
e sob o jugo sofreu
a prepotência, calada.

E suas almas, coitadas,
tudo dariam agora
para a humildade sublime,

pois na fumaça, fechadas,
são presas, não vão embora
do castigo que redime.


VII

Mas num arroubo de fé
de perdão e esquecimento
eu me pus logo de pé
e rezei em pensamento.

Pedi a Deus que guiasse
as almas dos sofredores
e que os espinhos cortasse
em seu lugar pondo flores.

Que eu perdoava e pedia
compreensão e muita luz
para trevas tão atrozes.

Graças a Deus! Tudo é dia!
Brilhante estrada conduz
doce murmúrio de vozes.


(*) Variante melhorada, em alguns versos, de outra versão (possivelmente
mal transcrita) que continha um ou outro pé quebrado.

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes