|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Augusto Luís Browne de Campos (São Paulo SP 1931)

O arquiteto do concretismo já me esclarecera (com aquela modéstia só plausível nos grandes mestres) que [Alegram-me o seu saudável entusiasmo e farta produção, que contrastam com o meu "mood" pós-mudo e o agrafismo, a afasia, apoesia, ou sei lá o que seja que tem reduzido a quase-nada a minha fala poética. Mas sem querer me intrometer, ou desarvorar essa sua animada sonetotrip, eu, que sofro de sonetofobia (e julgo ter-me desembaraçado dos sonetos com duas soneterapias e um falso pós-soneto) lhe pergunto: você já pensou em usar outros sistemas mnemônicos, como p. ex. linhas de duas, três, quatro sílabas, crescendo e decrescendo, ou melhor ainda: métodos tipo "sprung rhythm" à Hopkins, que fazem equivaler três monossílabos, como "sou tal qual", a versos de quatro tônicas, como: "pássaros sumindo no céu horizontal"? Seria um modo de fugir da tirania sonetífera e diversificar a dicção que o soneto coage a certos estilemas, por mais que se queira libertá-lo deles e se o use com a competência com que você o usa. Se meu palpite é furado, deixe de lado, e "go for it", esquecendo a desesperiência dos velhinhos de vanguarda que mal conseguem abrir a boca para dizer duas ou três palavras provavelmente equivocadas.] — mas não o vejo tão avesso ao molde a ponto de deixar de cultivar-lhe os espécimes mais raros e preciosos, como em Kilkerry ou Rosas; além disso, seu faro criterioso já me brindou com uma tradução do poeta dialetal romano Giuseppe Gioachino Belli (1791-1863) publicada no JORNAL DOBRABIL, que editei entre 1977 e 81, abaixo transcrita em cotejo com o original:


ER PADRE DE LI SANTI
[Belli]

Er cazzo se pò di radica, uscello,
Cischio, nerbo, tortore, pennarolo,
Pezzo de carne, manico, scetrolo,
Asperge, cucuzzola e stennarello.

Cavichio, canaletto e criavistello,
Er gionco, er guercio, er mio, nerchia, pirolo,
Attacapanni, moccolo, brugnolo,
Inguilla, torciorechio e manganello.

Zeppa e batocco, cavola e turaccio,
E maritozzo e canella e pipino,
E salame, e sarciccia, e sanguinaccio.

Poi scaffa, canochiale, arma, bambino:
Poi torzo, crescimano, catenaccio,
Mannola e mi'-fratello-piccinino.


O PAI DOS SANTOS
[tradução de Augusto de Campos]

O membro pode ser careca e anão
Estaca espada espeto espiga falo
Pavio bordão bengala pinto e galo
Palmito vara vassoura pilão

Mangalho manivela ou aguilhão
Ferro fumo porrete mastro malho
Lança-perfume fósforo caralho
Espingarda cacete obus canhão

Piroca pênis pau e pica e piça
Priapo prego porra pito e pino
Pirolito pistola pão rabiça

Mandioca nabo pimentão pepino
Banana macarrão peru lingüiça
Maçaranduba e mano pequenino


De sua própria lavra há, por exemplo, este que aparece no livro de
estréia, O REI MENOS O REINO (1951), no qual a modernidade dos versos
brancos é mais transgressiva do que então parecia aos 45istas e aos
próprios 22istas, pois sua chave de ouro já prenunciava a chave léxica
do que viria a ser a verbivocovisualidade:


Do que há de ouro na palavra "dolce"
Levo-me aos teus cabelos, não a ti.
Cabelos que iluminam quando morres
Um rosto ainda mais claro do que de ouro.

Dos teus olhos molhados água o mar
Que o teu olhar detém e duas conchas
Enterram. Que outra seda enterraria
O que há de azul entre os olhos e o mar?

Do que há de morto na palavra outono
Galgo o teu corpo — não a ti — teu corpo
Mais alvo de o fechares contra mim.

Dulcamara, porém, que fazes do ar
Quando começo: — Mar... — apenas vento?
— Amara amara amara mar e amarga.


Além deste, Augusto cometeu, quando quis, sonetos de teor satírico, não
só para alfinetar os poetas "discursivos" e reafirmar a tese
concretista, mas para glosar, aguda e lucidamente, alguns decisivos
momentos em que a poesia foi atropelada pela contemporaneidade do
cancioneiro popular. No primeiro caso abaixo ("Soneterapia", publicado
em 75 na revista NAVILOUCA), avaliando e avalizando o impacto do
concretismo e do tropicalismo; no segundo caso ("Soneterapia 2",
publicado em BALANÇO DA BOSSA E OUTRAS BOSSAS [1986, 4ª ed.]), montando
uma colagem de fragmentos que mistura versos de autores clássicos a
versos de sambas tradicionais, num dos mais perfeitos centões já
compostos no decassílabo lusófono:



SONETERAPIA

          "desta vez acabo a obra" (Gregório de Matos)


drummond perdeu a pedra: é drummundano
joão cabral entrou pra academia
custou mas descobriram que caetano
era o poeta (como eu já dizia)

o concretismo é frio e desumano
dizem todos (tirando uma fatia)
e enquanto nós entramos pelo cano
os humanos entregam a poesia

na geléia geral da nossa história
sousândrade kilkerry oswald vaiados
estão comendo as pedras da vitória

quem não se comunica dá a dica:
tó pra vocês chupins desmemoriados
só o incomunicável comunica



SONETERAPIA 2

tamarindo da minha desventura
não me escutes nostálgico a cantar
me vi perdido numa selva escura
que o vento vai levando pelo ar

se tudo o mais renova isto é sem cura
não me é dado beijando te acordar
és a um tempo esplendor e sepultura
porque nenhuma delas sabe amar

somente o amor e em sua ausência o amor
guiado por um cego e uma criança
deixa cantar de novo o trovador

pois bem chegou minha hora de vingança
vem vem vem vem vem sentir o calor
que a brisa do brasil beija e balança

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes