|| | ||S|| | ||O|| | ||N|| | ||E|| | ||T|| | ||Á|| | ||R|| | ||I|| | ||O|| | ||||| | ||||| | ||||| | || |
Luís Carlos da Fonseca Monteiro de Barros (Rio de Janeiro RJ 1880-1932)
Neoparnasiano e co-fundador da Academia, sonetava com pouca freqüência
mas com muita competência, fosse o tema sentimental ou sensorial, fosse
o metro em redondilha, deca ou dodeca. Exemplos:
CREPÚSCULO No pudor melancólico do ambiente O Céu dissolve a sua paz de asilo, Desvanecendo o azul, serenamente, Entre uns tons de ametista e de berilo... Fluidificam-se, ao longe, sutilmente, As rosas do crepúsculo tranqüilo, Transparecendo no vitral do poente, À feição de um seráfico sigilo... Vaga uma unção litúrgica nas cousas, Num silêncio de naves e de lousas, Que enleia a luz e a sombra, a entretecê-las... E da angústia profunda do horizonte Vem a noite, trazendo sobre a fronte A coroa de espinhos das estrelas... MINHA SOMBRA Esta minha implacável companheira, Que em si me reproduz a vã figura, Numa expressão de morte prematura, Caminhando comigo a vida inteira; Sempre muda, se fez a mensageira Dos silêncios da minha desventura; Convertendo-me o corpo em nódoa escura, À força de ser muda é verdadeira. Em vão procuro aprofundar-lhe o arcano. Sombra... Visão de uma outra vida ausente. Toco-a. Dissolve-a o meu contato humano. Mas, se esqueço quem sou, surge-me à frente E, quanto mais ao sol me aprumo e ufano, Mais ao chão me reduz humildemente. SUTILIZAÇÃO Essa criatura de expressão singela, Que se adelgaça pelo gesto, quando Vai num sopro de zéfiro passando Visão da nuvem que se desnovela; Vaga, como no mar longínqua vela, Passa, em meus olhos a impressão deixando Do azul, que morre cada vez mais brando, Num fundo fugitivo de aquarela. Lembra ave etérea ou flor de essência esquiva Mas do seu vulto virginal deriva Um diáfano clarão de ocultas brasas. O Sol, beijando-lhe as feições de neve, Dissolve-a no ar, numa vertigem leve De centelhas, de pétalas e de asas... MÊS DE AGOSTO Mês de agosto. A madrugada Debrua a crista do monte, Iluminando o horizonte, Como uma imensa queimada. Entre névoas desmaiada, Porque o dia já desponte, A noite reclina a fronte Na derradeira cumeada. Mês de agosto. Que tristeza! O Sol, de uma luz tão presa, Nasce já como sol-posto. Bruma... vento... ânsia de um grito... Sufocação do Infinito. Minha vida é um mês de agosto. FINADOS Dois de novembro. Finados. Quanta flor! Quantas criaturas, Guarnecendo as sepulturas Dos ricos e potentados! E junto deles, fadados Sempre às mesmas desventuras, Dormindo em campas obscuras Os pobres abandonados! Mas, como que em julgamento De súbito, irrompe o vento. E, às suas arremetidas, Os mausoléus, tão cobertos De flores, ficam desertos E as covas rasas floridas. REFLEXOS Velho tronco derribado, Mas inda a reflorescer, Lá tens, pelo mesmo fado, As condições do meu ser. Tudo o que sempre hei sonhado Fez-se dor e era prazer: O coração sem cuidado, Bate, bate até doer. Tombado agora por terra, Tua seiva ainda descerra Uns restos de floração, Como eu, nos versos que faço, Tombado já de cansaço, Floresço em recordação. AOS MEUS AMIGOS MORTOS Ó meus amigos desaparecidos Brancas visões da minha escuridade Com que recordação, com que saudade Me trazeis à memória os tempos idos! Hoje, que a glória é feita dos sentidos, Que um rude sensualismo a vida invade, Aquela antiga espiritualidade Revoa em vossos túmulos queridos. De algum modo, meu ser morreu convosco, Pois que, em vossa memória, se enclausura Como o brilho se apaga no ouro fosco. E o coração que me tornais cativo, Faz do meu peito a sua sepultura, Nele a bater como enterrado vivo. A UMA ÁRVORE Escuta, árvore amiga, a minha vida É, de certo, mais triste do que a tua. Sofres, apenas, quando tumultua O Vento em galopada desabrida. No mais, o teu destino é uma subida: É crescer, sob o Sol e sob a Lua, Deitando sombra, quando o Sol estua, Quedando, à luz do luar, adormecida. Que diferença no meu ser tristonho! Vives quieta, vivo eu porque me agito. E, se adormeço, vibro mais no sonho. Pois não tens, como eu tenho, a arrebatar-te Dia e noite, a sem-fins, por toda a parte, O pensamento boêmio do Infinito. ENTERRO POBRE Roda um coche a ranger de áspero atrito. É um enterro a passar, enterro pobre. Quase ninguém ao morto se descobre. Ninguém o segue. Vai como um proscrito. Junto à minha janela, olho e medito: Nenhuma flor! Na igreja, nem um dobre! Mas quanto a morte, assim, fica mais nobre, Na sua condição de ermo infinito! A grinalda do pobre é o Sol, que abrasa, E lhe fica a enfeitar a cova rasa, Onde o abandonam, descansando, enfim. Como é, porém, sincero esse abandono! Quando eu adormecer no último sono, Peço aos homens e a Deus que seja assim. A MISSÃO DO POETA Quem já disse o que sofre? Quem da vida Pode, acaso, esperar tudo o que sonha? Não se vê pela face mais risonha Esgueirar-se uma lágrima incontida? Quem não leva, por fim, desiludida A alma, após si seguindo tão tristonha, Que, em silencioso, de rastos, não suponha Já ser o enterro prévio de um suicida? Ai de quem vê nosso destino a fundo: O homem, a cada passo, diferente, Mas sempre, em qualquer cousa, moribundo! Pois, ser poeta é sentir, constantemente, Esta expiação de compreender o mundo E este mal de sofrer por toda a gente. SUAVE DESCIDA (a Lasinha, minha filha) Desço a vertente da vida, Como um roble derribado, Que lá fosse de vencida, Na correnteza levado... Mas, porque vás a meu lado, A tua graça florida Tem por mim sempre o cuidado De abrir em flor a descida. Por isso, em plena agonia, Sonho a rir, de vez em quando, Como, ainda, um roble que um dia Numa enchente ia levando Uns restos de ramaria Com passarinhos cantando... ALVORADA (a Luís Carlos, meu primeiro neto) Deus que tem sido para mim clemente, Dando-me graças pela vida afora, Viu que o meu lar sorria, tristemente E quis tocá-lo de um sorrir de aurora. Toda a minha alegria andava ausente. Eis senão quando, na inefável hora, Em que o crepúsculo angeliza o poente, Alguém me diz: És mais feliz, agora. E, nessa noite, entre a carícia e o brilho De uma nuvem de estrelas, numa salva, Vieste a meus braços, filho de meu filho! E, em minha casa de feições singelas, Vendo, hoje, em ti, raiar a estrela d'alva, Os passarinhos cantam nas janelas. O CANHÃO (a Luís Loureiro) Guardando uma expressão de austera indiferença Por tudo que o circunda, atento no Infinito, Queda-se a meditar no destino maldito Que prende a sua glória a uma tragédia imensa. Não há poder algum que tão de vez convença, Traz sempre a boca aberta a sugerir um grito, Deixando, em toda a parte, um pânico inaudito, Sinistro núncio, que é, da máxima sentença. Mal resiste no peso ao bélico transporte, Na inversão do seu fim, como que, por encanto, Lembrando um condenado a rastros para a morte. E parece, afinal, compenetrar-se tanto Do seu delito atroz que, em repulsão mais forte Quando atira, recua, enchendo-se de espanto!
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |