|| | ||S|| | ||O|| | ||N|| | ||E|| | ||T|| | ||Á|| | ||R|| | ||I|| | ||O|| | ||||| | ||||| | ||||| | || |
Lucas Puntel Carrasco (Rio Claro SP 1979)
Sem se preocupar com diéreses ou sinéreses, rimas toantes ou falsamente
consoantes, pés quebrados ou engessados, o jovem sonetista revela-se
adepto da sonoridade instrumental e verte os cocoricos de seu galo em
forma de incauta porém lauta pauta, rimando flauta com batuta e
esdrúxulo com chulo. Se não é o rei da sístole, candidata-se a príncipe
da diástole e soneta de coração, com meu cordial entusiasmo.
SONETO PRÉSTITO (014) "concerto de trompete em sustenido" escrito por um músico esloveno aluno de Mozart quando pequeno, Hummel compôs em som ar comprimido. que Miles sempre será o preferido dos trompetistas, isto é fato pleno. seu "kind of blue", um jazz nada sereno obra-prima, be-bop cool, sopro límpido. de Goethe, foi Hummel muito amigo, íntimo. de Beethoven, na música, rival. mas fora dela fez-lhe um favor último: carregou seu caixão no funeral. de Hendrix morto, Miles ficou bem próximo ao enterro do surdo fez igual. SONETO REVELADO (016) lagosta recheada de lombriga farelos de biscoito de baunilha além de creme podre com ervilha foi encontrado dentro da barriga a causa mortis foi uma intriga mal resolvida cujo fim da trilha foi a revelação de uma filha em outro casamento, amante antiga por anos escondeu-se essa notícia até que promulgou o juiz no apelo decreto de pensão alimentícia após preparar uísque em pouco gelo chamou no telefone a ambulância a esposa envenenara o farelo SONETO DIALÉTICO (018) os opostos se atraem, diz a física em duzentos e vinte é a voltagem que circula teu sangue na passagem da alta velocidade não abdica e por eu ser tranquilo, dialética é nossa convivência, pois eu zen garanto que convivo muito bem com a pessoa que é você: elétrica nula seria a bela sem a fera direita sem esquerda, claro e escuro completa é a saudade com a espera mas, se de eletricista é meu futuro, com choques me acostumo desde agora e viro um zen-elétrico guru SONETO PERCUSSIVO (021) atabaque, pandeiro, clave e timba velho hermeto improvisa no som de água onda sonora feita com a régua batucando panela, cospe guimba vai salivando dentro da cacimba o suor escorrendo tal a frágua da seca, onde hermeto anda a légua mais longa, sola que no chão carimba o impacto do seu pé no solo seco tem a sonoridade diferente de uma régua batendo no caneco afina no improviso experiente faz uma sinfonia em qualquer treco pra cada som hermeto um tom pressente SONETO TORTO (023) thelonious monk, do jazz um nome epíteto grande em orquestração ou só, ao piano arquitetava arranjo em sax soprano e no seu instrumento era discreto apesar de solar torto, não reto era um compositor de soberano domínio em melodia, até o tutano era sábio de qual som o correto em sua discografia de jazzista com coltrane, jazzman mítico, gravou ágil no sopro, rápido solista mas como caetano o fez, não vou comparar à compósição cubista o som que o grande epíteto entortou SONETO EXATO (026) compor em versos brancos ficou chato pra mim que do soneto fiquei fã não sei mais relaxar sobre o divã do modernismo - quero o deca exato em quatro & quatro e três & três achato cerca de cem palavras como a lã tramada pelas mãos da tecelã compor sonetos é artesanato tanto faz a linguagem ou o estilo ou se é camoniano ou inglês compostos num motel ou num asilo se for um quatro & quatro, três & três ou três de quatro & um de dois, perfilo em "Sonetos", dos quais virei freguês SONETO LANCINANTE (037) com a mão quebrada eu toco a partitura do brandenburgo três, por bach composta mexendo um dedo só, o gesso encosta nas cordas e eu entorto a minha postura no metacarpo dentro da atadura o osso afrouxa a fiação nele transposta latejando a fratura quase exposta que desse modo nunca terá cura oportuno latejo que aproveito na pulsação do tempo como indício de contagem, é método perfeito se o metrônomo antigo é pulveráceo ou seja, está empoeirado e com defeito improviso, pois são ossos do ofício SONETO FAVELADO (049) eu moro num barraco de favela mas limpo a minha casa todo dia. no tempo da m'a prima aqui fedia mistura de bolor, cravo e canela. trabalho aqui no morro: sentinela do tráfico; resguardo a moradia do chefe. antigamente eu invadia mansão, mas hoje atiro da janela. ativo, eu participo da guerrilha com bala atrás de bala em tanto prédio que ergueram pra esconder a nossa ilha. domingo eu ouço o jogo pelo rádio, só quando eu tenho grana para a pilha, senão vou ver minha prima no presídio.
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