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Vicente Augusto de Carvalho (Santos SP 1866-1924)
Se para mim, entre os sonetistas santistas, Martins Fontes é superior a
Vicente de Carvalho (ao contrário do que achava Mário de Andrade), não
resta dúvida de que o segundo ficou mais celebrizado, como atestam
sucessivas reedições de sua obra e inúmeras citações de seu imortal
soneto "Esperança". Abaixo vai minha seleção daquele que é, talvez, o
mais importante representante paulista do parnasianismo:
ESPERANÇA Só a leve esperança, em toda a vida, Disfarça a pena de viver, mais nada; Nem é mais a existência, resumida, Que uma grande esperança malograda. O eterno sonho da alma desterrada, Sonho que a traz ansiosa e embevecida, É uma hora feliz, sempre adiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que supomos, Árvore milagrosa que sonhamos Toda arreada de dourados pomos, Existe, sim: mas nós não a alcançamos Porque está sempre apenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos. VELHO TEMA (II) Eu cantarei de amor tão fortemente Com tal celeuma e com tamanhos brados Que afinal teus ouvidos, dominados, Hão de à força escutar quanto eu sustente. Quero que meu amor se te apresente Não andrajoso e mendigando agrados, Mas tal como é: risonho e sem cuidados, Muito de altivo, um tanto de insolente. Nem ele mais a desejar se atreve Do que merece: eu te amo, e o meu desejo Apenas cobra um bem que se me deve. Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo; E vou de olhos enxutos e alma leve À galharda conquista do teu beijo. VELHO TEMA (III) Belas, airosas, pálidas, altivas, Como tu mesma, outras mulheres vejo: São rainhas, e segue-as num cortejo Extensa multidão de almas cativas. Têm a alvura do mármore; lascivas Formas; os lábios feitos para o beijo; E indiferente e desdenhoso as vejo Belas, airosas, pálidas, altivas... Por quê? Porque lhes falta a todas elas, Mesmo às que são mais puras e mais belas, Um detalhe sutil, um quase nada: Falta-lhes a paixão que em mim te exalta, E entre os encantos de que brilham, falta O vago encanto da mulher amada. VELHO TEMA (IV) Eu não espero o bem que mais desejo: Sou condenado, e disso convencido; Vossas palavras, com que sou punido, São penas e verdades de sobejo. O que dizeis é mal muito sabido, Pois nem se esconde nem procura ensejo, E anda à vista naquilo que mais vejo: Em vosso olhar, severo ou distraído. Tudo quanto afirmais eu mesmo alego: Ao meu amor desamparado e triste Toda a esperança de alcançar-vos nego. Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste; Conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego, Põe-se a sonhar o bem que não existe. VELHO TEMA (V) "Alma serena e casta, que eu persigo Com o meu sonho de amor e de pecado, Abençoado seja, abençoado O rigor que te salva e é meu castigo. Assim desvies sempre do meu lado Os teus olhos; nem ouças o que eu digo; E assim possa morrer, morrer comigo, Este amor criminoso e condenado. Sê sempre pura! Eu com denodo enjeito Uma ventura obtida com teu dano, Bem meu que de teus males fosse feito". Assim penso, assim quero, assim me engano... Como se não sentisse que em meu peito Pulsa o covarde coração humano. A UM POETA MOÇO Desanimado, entregas-te, sem norte, Sem relutância, à vida; e aceitas dessa Torrente que te arrasta a só promessa De ir lentamente desaguar na morte. Que pode haver, em suma, que te impeça De seguir o teu rumo contra a sorte? Sonha! e a sonhar, e assim armado e forte, Vida e mágoas, incólume, atravessa. Ouve: da minha extinta mocidade Eu, que já vou fitando céus desertos, Trouxe a consolação, trouxe a saudade, Trouxe a certeza, enfim, (se há sonhos certos) De ter vivido em plena claridade Dos sonhos que sonhei de olhos abertos. [SONETO DA MUDANÇA] Não me culpeis a mim de amar-vos tanto Mas a vós mesma, e à vossa formosura: Que, se vos aborrece, me tortura Ver-me cativo assim do vosso encanto. Enfadai-vos. Parece-vos que, em quanto Meu amor se lastima, vos censura: Mas sendo vós comigo áspera e dura Que eu por mim brade aos céus não causa espanto. Se me quereis diverso do que agora Eu sou, mudai; mudai vós mesma, pois Ido o rigor que em vosso peito mora, A mudança será para nós dois: E então podereis ver, minha senhora, Que eu sou quem sou por serdes vós quem sois. [SONETO DA DEFENSIVA] Enganei-me supondo que, de altiva, Desdenhosa, tu vias sem receio Desabrochar de um simples galanteio A agreste flor desta paixão tão viva. Era segredo teu? Adivinhei-o; Hoje sei tudo: alerta, em defensiva, O coração que eu tento e se me esquiva Treme, treme de susto no teu seio. Errou quem disse que as paixões são cegas; Vêem... Deixam-se ver... Debalde insistes; Que mais defendes, se tu'alma entregas? Bem vejo (vejo-o nos teus olhos tristes) Que tu, negando o amor que em vão me negas, Mais a ti mesma do que a mim resistes. UMA IMPRESSÃO DE D. JUAN Gastei no amor vinte anos os melhores, Da minha vida pródiga: esbanjei-os Sem remorso nem pena, em galanteios, Colhendo beijos, desfolhando flores. Quentes olhares de olhos tentadores, Suspiros de paixão, arfar de seios, Conheci-os, buscaram-me, gozei-os... Li, folha a folha, o livro dos amores. Quanta lembrança de mulher amada! Quanta ternura de alma carinhosa! Sim, tanto amor que me passou na vida! E nada sei do amor... Não, não sei nada, E cada rosto de mulher formosa Dá-me a impressão de folha inda não lida. CORRIDA DE AMOR Quando partiste, em pranto, descorada A face, o lábio trêmulo... confesso: Arrebatou-me um verdadeiro acesso De raivosa paixão desatinada. Ia-se nos teus olhos, minha amada, A luz dos meus; e então, como um possesso, Quis arrojar-me atrás do trem expresso E seguir-te correndo pela estrada... "Nem há dificuldade que não vença Tão forte amor!" pensei. Ah! como pensa Errado o vão querer das almas ternas! Com denodo, atirei-me sobre a linha... Mas, ao fim de uns três passos, vi que tinha Para tão grande amor, bem curtas pernas... INTEIRAMENTE LOUCO Senhora minha, pois que tão senhora Sois, e tão pouco minha, eu bem entendo Que sorrindo negais quanto, gemendo, Amor com os olhos rasos d'água implora. Meu coração, coitado, não ignora Que num sonho bem vão todo o dispendo E é sem destino que assim vai correndo Cansadamente pela vida afora. Dizeis do meu amor que é coisa absurda, E ele, teimando, faz ouvido mouco; Nem há razão que o desvaneça ou aturda. Não o escutais? Nem ele a vós tampouco. Que, se sois surda, inteiramente surda, Amor é louco, inteiramente louco.
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |