|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Ceguinho do Ceará (Ceará 1953)

O poeta que se oculta por trás deste cognome sabe que não será gratuita a associação que se possa fazer à figura de outro conterrâneo poeta, o Cego Aderaldo, célebre cantador falecido em 1967. Entretanto, este cearense nascido em 1953 seguiu trajetória bem diversa, também dedicada à música, porém já num contexto urbano e pós-tropicalista. Radicado em São Paulo desde os treze anos, chegou a residir no Rio e nos States por algum tempo, mas continua sendo um paulistano adotivo. Além da música, o Ceguinho do Ceará tem na versificação outra de suas paixões, e na podolatria a mais secreta de todas. Quanto à poesia, suas noções de métrica e rima vêm dos tempos escolares, quando, além de aplicado estudioso da matéria, aproveitou o privilégio de viver numa terra de repentistas e cordelistas, habituando-se ao ritmo das cantorias. Daí seu domínio do alexandrino e do decassílabo, corretamente acentuados em seus ictos, habilidade que decidiu pôr a serviço daquele fetiche que, a mim também, tanto marcou a veia poética. Sua decisão de revelar essa exótica faceta (sem contudo camuflar a identidade de compositor) demonstra que, até entre os cegos, as coincidências não são lá tão estranhas: antes revelam que cada um de nós, "normais" ou "deficientes", tem algum detalhe biográfico em comum com quem tenha passado por traumáticas experiências. As realidades são mais comuns do que se pensa; a sociedade é que as mascara e censura...




"POEMAS PODOERÓTICOS" do Ceguinho do Ceará


PÉS DE FOGO!

Vai meu nariz envolto nesse sanduíche,
entre teus pés suados, saídos dos tênes!
Na estranha ligação feita feito fetiche,
aspirar teu chulé me faz vibrar o penes!

   O suor dentre os dedos é prata no piche,
narcótico poder me toma enquanto gemes,
que se dane o normal, o mundo, que se lixe!
sou arfante mortal beijando os pés de ARTÊMES!...

   Assim mergulho, feromona em feromona!,
empunho o falo, tua voz é minha dona,
em dominante irresistível sedução.

   E nesse doido, delicioso sacrifício,
meu corpo se divide em fogos de artifício,
a mente se sufoca de tanto tesão!...


AOS TEUS PÉS

Teus pés exalam poder de mágico incenso,
que me aprisiona, me domina, me devora!
Jogas-me ao chão no ritual de quem te adora
e ao aspirá-los sei o quanto te pertenço.

Vivo delírios nesse aroma tão intenso,
na inevitável queda livre então sugado
pelo prazer, cada vez mais escravisado,
não sou mais dono do que sinto, do que penso.

Tua voz vai me arrancando da realidade.
Se eu resistir, quanto mais cheiro mais me tomas.
Tentar fugir? Quanto mais fujo mais me prendes.

Assim, saboreando aos poucos, tu me rendes,
tens no meu gozo o sinal de que me domas
e por amor tens aos teus pés minha vontade.


CHÃO DOS  TEUS PÉS

Senhora do prazer mais delirante,
controlas cada impulso, cada instinto.
Escuta esse teu servo suplicante,
tem compaixão desse animal faminto.

Sei que, nem se mil anos eu vivesse,
alcançaria a sombra do que és.
Mas, quem sabe, assim mesmo eu merecesse
servir de chão aos teus sagrados pés.

Imploro por lambê-los, por cheirá-los,
te adorando beijá-los, refrescá-los,
livrando-te do incômodo suor.

Dá-me ao menos a glória de viver
inteiramente entregue ao teu poder,
provando ser teu servidor maior.


QUEDA LIVRE AOS TEUS PÉS

Tu sabes que enfeitiças meus sentidos,
me ceduzes no néctar  que te aflora,
que brota entre teus dedos recolhidos
nas botas em que vais, minha senhora.

Acham-me tosco? Ridículo? Estranho?
— por me atirar aos teus pés inebriado?
Saibam que meu prazer não tem tamanho,
me purifico em teu suor sagrado.

Transpirando todo o poder e graça,
teu pé descalço, quando me amordaça,
faz-me louco à espera do outro pé.

Tua voz comanda todo meu tesão!
Teus dois pés me comprimem contra o chão
me obrigando a gozar com teu chulé.


APOLOGIA AO CHULÉ DELA

CHULÉ! Um deplorável cheiro marginal!
Odor que denuncia falta de higiene!
Por mais que o mundo te despreze, te condene,
tens em mim o poder de uma droga fatal!

Tão complexa se faz tua magia sexual,
atiras-me aos pés dela, adorador perene
suplicando que mais uma vez ela encene
seu papel dominante em nosso ritual!

Qual mariposa enfeitiçada pela luz,
minha vontade segue o faro que a seduz,
cai dominada, tronco solto na maré.

Em ondas fartas de tesão vou mergulhando,
seus pés suados destilando, desfilando
na passarela do meu rosto seu chulé!...


CHULÉ DE ESCOLA

Ela chegava da escola, riso animado,
meu tronco ardia numa febre inexplicada.
Aguçando bem os ouvidos, excitado,
me perguntava: "Ela ainda estará calçada?"

A porta do quarto fechava-se depressa.
Logo a resposta vinha junto com o abraço.
Sou quase que jogado ao chão, então começa
minha princesa a reclamar do seu cansaço!...

Ela bem sabe o quanto pra mim vale a pena,
meus ombros servem-lhe de apoio, então ordena:
"Tira meus tênes! Vai cheirando os pés suados!"

Sentado em frente a ela, com eles na cara,
mais uma vez eu me entregava à infantil tara,
enquanto a mana cochilava aos meus cuidados.


PÉS DE FADA

"Cheira meus pés!", ela ordenava docemente,
"Nem sei por que é que você gosta tanto disso!"
E eu, sufocado de tesão no reboliço,
embriagava de chulé meu corpo e mente.

Ela sorria e patinava displicente,
às vezes me tomava o rosto e dava um beijo.
Então voltava a fustigar, intermitente,
com seu suor: Borracha, peixe, couro e queijo.

Nos meus oito anos, não naqueles do poeta,
eu me fartava assim, nesta orgia secreta,
no gozo ingênuo dos que não sabem de nada!...

Hoje já tenho, nas solas de outro cetim,
alguém que faça gato e sapato de mim,
me dominando com sagrados pés de fada.


[Entre seus sonetos, CC também verseja em outros moldes, como no idílio
abaixo]


POEMA DO ESCRAVO SEM TEUS PÉS

Se soubesses o que meu corpo sente
quando aos teus pés dominado me entrego!
Que delírios invadem minha mente,
é como encher de luz o olhar de um cego!

Em tua voz faz-se doce o sarcasmo,
dos pés flue a fragrância que eu venero,
pois  teu suor condena-me ao orgasmo,
obrigas-me a fazer o que mais quero.

Assim me acossas, me prendes, sufocas,
quando em meu rosto deslizas descalça!
É tão grande o prazer que em mim provocas,
patinadora em sedutora valsa!

Mas se preferes mesmo me tratar
feito reles moeda de um centavo,
se te comprazes em me abandonar,
perdoa as queixas deste teu escravo.

Que o tempo passe e teu despreso aumente,
por ver crescente minha excitação.
Demonstrarei o quanto estou carente
se com isto alegrar-te o coração.

Por ti suportarei qualquer revés
e se nem sirvo para ser teu chão,
continuarei adorando teus pés
na lembrança de tua dominação.


Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes