|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior (Ouro Preto Mg 1860-1938)

Tinha de que se orgulhar, pois era conde e filho de visconde, foi reitor e acadêmico. Talvez por isso se sentisse tão vaidoso a ponto de lhe devermos a palavra "ufanismo", que remete a seu ensaio POR QUE ME UFANO DO MEU PAÍS. Mas em poesia, transitando do romantismo ao parnasianismo, o ilustre personagem não pode se orgulhar de estar entre os primeiros, ainda que seus sonetos não sejam descartáveis nem ineptos: apenas ficam na mediocridade, exceto quando falam da filha, fonte de autêntico sentimento.


A MISSA

Ao altar o sacerdote mesto e grave,
Do missal as paragens percorria,
E um murmúrio de branda melodia
Suspirava do templo pela nave.

Derramavam os círios luz suave
Que dava aos corações melancolia;
E a turba ia dizendo: Ave Maria,
Virgem-Mãe do Senhor três vezes ave!

Subiam para o ar nuvens de incenso;
Qual extremo ansiar de moribundo
Do órgão soluçava um ai extenso...

Nos olhares se lia amor profundo,
E todos a rezar no enlevo imenso
Longe estavam das mágoas deste mundo.


NA FAZENDA

Dorme ainda a fazenda: ao longo da varanda
Repousa o boiadeiro em couros estendidos;
Desponta no horizonte aurora froixa e branda,
No meio do terreiro um cão solata ganidos.

Mas nisso de repente escutam-se alaridos,
Dum sino que desperta estruge a voz nefanda;
Começam a soar conversas e balidos
E a ordem de rigor que rude aos negros manda!

Chegou a começar das lides e trabalhos,
Ressoam do feitor os brados e os ralhos:
A boiada desfila à porta do curral.

Os pretos esfregando os olhos sonolentos
Levando samburás lá vão a passos lentos
Da porta da senzala ao denso cafezal.


MORTO VIVO

Mais pavoroso fado
Não sonha a fantasia;
Por morto ser tomado
Alguém que inda vivia;

Sentindo-se gelado
Do susto na agonia,
No féretro pregado
Baixar à terra fria!

Mas oh! inda é mais triste
(Porém eu sou altivo,
Não peço compaixão!)

Sentir que o corpo existe
Mas é sepulcro vivo
De um morto coração.


NO BAILE

Ontem, ao contemplá-la decotada,
Ao primor do seu colo descoberto,
Senti-me tonto, da vertigem perto,
Fremente o pulso, a vista deslumbrada.

E, como em láctea fonte perfumada,
Sorvi-lhe sonhos mil no seio aberto,
Com a sede de um filho do deserto
Que encontre enfim a linfa suspirada.

Giram em derredor das níveas flores,
Sofregamente, insetos zumbidores...
— Meus desejos então foram assim...

Mas arredei os olhos, de repente,
Pois meu olhar podia, de tão quente,
Crestar-lhe a fina cútis de cetim!


FELIX CULPA

Penso em ti... penso em ti... Posto o não queira
De ti não se me vai o pensamento;
E sinto que o pensar deste momento
Sempre o mesmo será, na vida inteira.

Pensar, sem pausa, em ti, desta maneira,
Sem de esperança alguma ter alento,
É remorso, é saudade, é sofrimento,
É castigo, é loucura verdadeira.

Sim! Do meu crime a pena ora padeço!
Que é pena em ti pensar, quando contigo
Leve instante passar não mais mereço.

Mas, oh! crime de amor e seu castigo,
Sois de existência minha o encanto e o preço,
Quanto mais me afligis, mais vos bendigo!


TEDIUM VITAE

Esta aversão a toda atividade;
Esta fadiga, sem ter feito nada;
Esta melancolia desbotada;
Esta imprecisa e estúpida ansiedade;

Este sentir que tudo desagrada,
Que tudo é vão na humana sociedade;
Este julgar uma inutilidade
Qualquer esforço e o mundo uma cilada;

Este aborrecimento, este fastio,
Este constante espírito sombrio,
Este sofrer sem dor e sem remédio:

És tu, enfermidade indefinida,
Que, num suplício transformando a vida,
Nem sequer dás a morte, horrível tédio!


SENHORITA

Ela, às vezes, nas rendas da mantilha,
Com a esbelteza audaz de uma espanhola,
A trança negra, onde áureo pente brilha,
E o busto altivo donairosa enrola;

E provocante, lânguida, casquilha,
Desferindo fragrâncias de corola,
Cativa muito orgulho, que se humilha
Pedindo amor, como quem pede esmola!

Então, os seus olhares atrevidos,
Não sei por que, recordam dois bandidos,
Armados de punhais longos e finos,

Que entre as moitas floridas da alva estrada,
Traiçoeiramente, ficam de emboscada
Para assaltar incautos peregrinos!


PORTO CELESTE

Andei em longas excursões distantes:
Vi palácios, sacrários, monumentos,
Focos da indústria, artísticos portentos,
Praças soberbas, capitais gigantes.

Mas lia, em toda a parte, nos semblantes,
Dores... lutas... idênticos tormentos...
— Onde a pátria dos risos?!... Desalentos
Colhi apenas, mais cruéis que d'antes.

Achei, enfim, n'um pequenino porto,
Crenças, consolações, calma, conforto,
Tudo o que anima, enleva e maravilha:

Ninho de encantos que a inocência habita,
Promontório do céu, plaga bendita,
É junto ao berço teu, ó minha filha.


ANJO ENFERMO

Geme no berço enferma a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?!

Ó melindroso ser, ó filha minha,
Se os céus ouvissem a paterna prece
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
Gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não ta extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito...

Sim... é pai, mas a crença no-lo ensina:
— Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina!...


13 DE MAIO DE 1888 (a S. M. I. Regente)

Princesa, em vossa mão de aristocrata,
Mão de criança, melindrosa e fina,
Estua a intrepidez adamantina
Que dos heróis a fábula relata.

Bendita mão! Angélica, arrebata
A infância escrava às garras da rapina,
E a luminosa lei que ela hoje assina
Raça inteira de míseros resgata.

Ante iminentes, pavorosas crises,
Na redentora mão dos infelizes
Não sei se o cetro ficará, ou não:

Mas da história no intérmino cortejo,
Das gerações o reverente beijo
Sempre tereis, Princesa, n'essa mão!


QUE IMPORTA?!

Para exprimir-te a graça extraordinária,
Mister seria que formassem liga
A palheta, o cinzel e a forma vária
Que ao sentimento a melodia instiga.

Desabrochasses, flor, na Grécia antiga,
Resplendesses na Roma legendária,
Tornara-te imortal a estatuária,
Vênus, de zelos, fora-te inimiga.

És um modelo estético! Que importa
Nada te mova a consciência morta,
Ferva-te n'alma um pélago de insídias?!

De inspirações em ti que larga messe!
— Talvez de alguém o teu amor fizesse
Um grande artista, — um Rafael, um Fídias...

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes