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CHICO JÓ (pseudônimo) José Lira (Pedra Lavrada PB 1946)

Escritor, poeta, tradutor e professor na UFPE, traduziu diversos poetas para o português como Buson, Issa, Shiki, Bashô, Poe, Kerouac e Emily Dickinson. Publicou dois livros de contos VELHAS HISTÓRIAS ORTIGÃS e NOVAS HISTÓRIAS DO BRAZIL. Escreveu diversos artigos sobre a poetisa americana Emily Dickinson, de quem é especialista e exímio tradutor. Publicou, entre outros: EMILY DICKINSON: ALGUNS POEMAS, finalista do Prêmio Jabuti 2007, A BRANCA VOZ DA SOLIDÃO, 2011 e A PAISAGEM LA FORA - VIAGENS HAICAÍSTICAS (zuihitsu) 2016.


CONTRIÇÃO 

Com migalhas de amor me satisfaço,
De nada, ou pouco menos, me sustento:
Vejo-te — e já venci todo o cansaço,
Sorris — e já esqueci todo tormento.

Na mesa farta em que te serves, passo
Por bem do que me dás, a teu contento:
Se me deixares o menor pedaço,
Será esse meu único alimento.

Não exijo, não peço, não suplico:
Espero - e se tu ficas, também fico,
E se foges de mim, eu te procuro.

Da luz que há nos teus olhos me cobriste:
Uma réstia de sol num dia triste,
Um raio de luar no céu escuro.


LINHA RETA

Por seres tu mulher e eu ser poeta
Foi que um dia juramos, com fervor,
Traçando a diretriz de nosso amor,
Seguir juntinhos uma linha reta.

Na geometria do viver, repleta
De curvas, com desvelo e sem temor,
Afrontei desengano e dissabor
E consegui manter a linha reta.

Mas, de juras e votos esquecida,
Foste aquela afinal que nesta vida
Perpendicularmente se afastou.

E hoje — trágica ideia desastrosa —
Tu vais como uma linha sinuosa
E eu... paralelo a tua vida vou!


CENAS DAQUELA FESTA

E é só vê-la outra vez... E é só fitá-la
Para em mim renascer o antigo ardor,
O mesmo antigo e apaixonado amor
Que de repente o coração me abala.

Os pares se entrelaçam pela sala,
A música maltrata a minha dor.
— Peço a todos silêncio, por favor,
Quero ouvir novamente a sua fala!

Mas ela não demonstra haver notado
Que busco o seu olhar, desesperado,
Nem parece entender minha aflição.

E alguém a chama e ela se vai, dançando,
Pisando tão de leve, mas pisando
Os restos de minha alma pelo chão!


VERÔNICA

Recordo agora os já desfeitos laços
Que nos uniram pela vida afora:
Ardentes confissões, doces abraços,
Eternidades gastas numa hora.

Vivos me surgem na memória os traços
Daquelas loucas emoções de outrora —
Lágrimas, risos, êxitos, fracassos,
Tudo que nos uniu recordo agora.

Ah! bem melhor seria o esquecimento,
Que essas evocações só desalento
Trazem, só desprazer, e não prazer,

E só me deixam na alma esta agonia,
Esta inquietude de quem não queria
Mas não mata a vontade de querer.


PIANO ANTIGO

Na penumbra de um canto da saleta,
Ex-amante infeliz e desprezado,
O teu piano de madeira preta
Esquecido ficou, velho e quebrado.

Mal se vê sua escura silhueta
Escondida no vão do cortinado;
Lá deixaste os papéis sobre a banqueta
E a poeira e o bolor sobre o teclado.

Mas em noites de lua e de surdina
Uma sombra saudosa, feminina,
Pairar nos ares, solitária, vem

E ele recorda, enternecido, quando,
Ao se entregar a tuas mãos, chorando,
Murmurava noturnos para alguém.


EXILIUM

Muito tempo depois que neste mundo
Eu distante estiver, noutro lugar,
Quando alguém te sorrir, por um segundo,
Meu sorriso haverás de recordar.

Depois, muito depois que neste mundo
Eu esquecido for, em outro olhar
Qualquer coisa acharás, por um segundo,
Para a cor dos meus olhos relembrar.

E já longe, e depois de muito tempo,
Conhecerás alguém tímido e triste
Que te fará pensar que eu era assim.

E ouvirás dele o que de mim ouviste,
E notarás — depois de tanto tempo —
Que sem querer estás falando em mim!


TOUJOURS LA MÊME CHOSE

Hoje se foi minha última alegria:
Estou mais miserável do que Jó.
Vida, que enfim não passas de ironia...
Bem que dizia a minha sábia avó:

— À margem de qualquer filosofia,
Volvem, como o homem volve para o pó,
Todos os dias para o mesmo dia
E os sentimentos todos para um só.

Ontem, hoje, amanhã — depois de tudo,
Que é que resta, afinal? E por que a fútil
Dor de não entender que é sempre assim?

Por buscar e querer já não me iludo,
Ah! vi que tudo, em suma, é vão, é inútil,
Porque tudo há de ter o mesmo fim!


DEPOIS DA TEMPESTADE

Nessas noites incertas e terríveis
Em que a farsa da vida me amedronta,
Dentro em meu ser um temporal aponta,
Rasgado por relâmpagos horríveis.

Chove; a água borbulha nos desníveis;
Não vê o sol que outra manhã desponta;
Monstro malsão de assombrações sem conta,
O vento inventa sons inexprimíveis.

Porém eu sei que essa aflição termina
E em minha alma lavada e cristalina,
Depois que a paz de espírito vier,

A brisa irá, como um clarim plangente,
Passando entre as folhagens, suavemente,
A murmurar um nome de mulher.

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes