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Cláudio Manuel da Costa (Mariana MG 1729-1789)
Enquanto o colega e cúmplice inconfidente Tomás Antônio Gonzaga adotou o
nome arcádico de Dirceu, este Cláudio foi quase meu xará: Glauceste
Satúrnio. Se em sonetos como o segundo "Injusto amor" o saturnino ainda
adotava os labirínticos jogos conceituais barrocos, em outros se
celebrizou pela temática bucólica e pastoril que, aliada à melhor
técnica camoniana, lhe deram fama de sonetista do mais alto nível. Eis
minha seleção dessa fértil lavra:
[PARA CANTAR] Para cantar de amor tenros cuidados, Tomo entre vós, ó montes, o instrumento; Ouvi pois o meu fúnebre lamento; Se é que de compaixão sois animados: Já vós vistes, que aos ecos magoados Do trácio Orfeu parava o mesmo vento; Da lira de Anfião ao doce acento Se viram os rochedos abalados. Bem sei, que de outros gênios o Destino, Para cingir de Apolo a verde rama, Lhes influiu na lira estro divino; O canto, pois, que a minha voz derrama, Porque ao menos o entoa um peregrino, Se faz digno entre vós também de fama. [SOU PASTOR] Sou pastor, não te nego; os meus montados São esses, que aí vês; vivo contente Ao trazer entre a relva florescente A doce companhia dos meus gados; Ali me ouvem os troncos namorados, Em que se transformou a antiga gente; Qualquer deles o seu estrago sente; Como eu sinto também os meus cuidados. Vós, ó troncos, (lhes digo) que algum dia Firmes vos contemplastes, e seguros Nos braços de uma bela companhia; Consolai-vos comigo, ó troncos duros; Que eu alegre algum tempo assim me via; E hoje os tratos de Amor choro perjuros. [ANTES PASTOR QUE IMPOSTOR] Se sou pobre pastor, se não governo Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes; Se em frio, calma e chuvas inclementes Passo o verão, outono, estio, inverno; Nem por isso trocara o abrigo terno Desta choça, em que vivo, coas enchentes Dessa grande fortuna: assaz presentes Tenho as paixões desse tormento eterno, Adorar as traições, amar o engano, Ouvir dos lastimosos o gemido, Passar aflito o dia, o mês, e o ano; Seja embora prazer; que a meu ouvido Soa melhor a voz do desengano, Que da torpe lisonja o infame ruído. [ANTES PASTOR QUE IMPOSTOR (II)] Quem deixa o trato pastoril amado Pela ingrata, civil correspondência, Ou desconhece o rosto da violência, Ou do retiro a paz não tem provado. Que bem é ver nos campos trasladado No gênio do pastor, o da inocência! E que mal é no trato, e na aparência Ver sempre o cortesão dissimulado! Ali respira amor sinceridade; Aqui sempre a traição seu rosto encobre; Um só trata a mentira, outro a verdade. Ali não há fortuna, que soçobre; Aqui quanto se observa, é variedade: Oh ventura do rico! Oh bem do pobre! [PASTORA ADORADA] Pastores, que levais ao monte o gado, Vede lá como andais por essa serra; Que para dar contágio a toda a terra, Basta ver-se o meu rosto magoado: Eu ando (vós me vedes) tão pesado; E a pastora infiel, que me faz guerra, É a mesma, que em seu semblante encerra A causa de um martírio tão cansado. Se a quereis conhecer, vinde comigo, Vereis a formosura, que eu adoro; Mas não; tanto não sou vosso inimigo: Deixai, não a vejais; eu vo-lo imploro; Que se seguir quiserdes, o que eu sigo, Chorarei, ó pastores, o que eu choro. [PASTORA MORTA] Parece, ou me engano, que esta fonte De repente o licor deixou turvado; O céu, que estava limpo, e azulado, Se vai escurecendo no horizonte: Por que não haja horror, que não aponte O agouro funestíssimo, e pesado, Até de susto já não pasta o gado; Nem uma voz se escuta em todo o monte. Um raio de improviso na celeste Região rebentou: um branco lírio Da cor das violetas se reveste; Será delírio! não, não é delírio. Que é isto, pastor meu? que anúncio é este? Morreu Nise (ai de mim) tudo é martírio. [PASTOR AMADO] Ou já sobre o cajado te reclines, Venturoso pastor, ou já tomando Para a serra, onde as cabras vais chamando, A fugir os meus ais te determines. Lá te quero seguir, onde examines Mais vivamente um coração tão brando; Que gosta só de ouvir-te, ainda quando Mais sem razão me acuses, mais crimines. Que te fiz eu, pastor? em que condenas Minha sincera fé, meu amor puro? As provas, que te dei, serão pequenas? Queres ver, que esse monte áspero, e duro Sabe, que és causa tu das minhas penas? Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro. [ONDE ESTOU?] Onde estou? Este sítio desconheço: Quem fez tão diferente aquele prado? Tudo outra natureza tem tomado; E em contemplá-lo tímido esmoreço. Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço De estar a ela um dia reclinado: Ali em vale um monte está mudado: Quanto pode dos anos o progresso! Árvores aqui vi tão florescentes, Que faziam perpétua a primavera: Nem troncos vejo agora decadentes. Eu me engano: a região esta não era: Mas que venho a estranhar, se estão presentes Meus males, com que tudo degenera! [ONDE ESTÁS?] Nise? Nise? onde estás? Aonde espera Achar-te uma alma, que por ti suspira, Se quanto a vista se dilata, e gira, Tanto mais de encontrar-te desespera! Ah! se ao menos teu nome ouvir pudera Entre esta aura suave, que respira! Nise, cuido que diz, mas é mentira; Nise, cuidei que ouvia; e tal não era. Grutas, troncos, penhascos da espessura, Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde, Mostrai, mostrai-me a sua formosura! Nem ao menos o eco me responde! Ah! como é certa a minha desventura! Nise? Nise? onde estás? aonde? aonde? [PODEMOS COMPETIR] Eu ponho esta sanfona, tu, Palemo, Porás a ovelha branca, e o cajado; E ambos ao som da flauta magoado Podemos competir de extremo a extremo. Principia, pastor; que eu te não temo; Inda que sejas tão avantajado No cântico amabeu: para louvado Escolhamos embora o velho Alcemo. Que esperas? toma a flauta, principia; Eu quero acompanhar-te; os horizontes Já se enchem de prazer, e de alegria: Parece, que estes prados, e estas fontes Já sabem, que é o assunto da porfia Nise, a melhor pastora destes montes. ARDORES Fatigado da calma, se acolhia Junto o rebanho à sombra dos salgueiros; E o Sol, queimando os ásperos outeiros, Com violência maior no campo ardia. Sufocava-se o vento, que gemia Entre o verde matiz dos sovereiros; E tanto ao gado como aos pegureiros Desmaiava o calor do imenso dia. Nesta ardente estação, de fino amante Dando mostras, Dalizo atravessava O campo todo, em busca de Violante. Seu descuido em seu fogo desculpava, Que mal feria o Sol tão penetrante Onde maior incêndio a alma abrasava. [LOUCA FANTASIA] Sonha em torrentes d'água, o que abrasado Na sede ardente está; sonha em riqueza Aquele, que no horror de uma pobreza Anda sempre infeliz, sempre vexado: Assim na agitação de meu cuidado De um contínuo delírio esta alma presa, Quando é tudo rigor, tudo aspereza, Me finjo no prazer de um doce estado. Ao despertar a louca fantasia Do enfermo, do mendigo, se descobre Do torpe engano seu a imagem fria: Que importa pois, que a idéia alívios cobre, Se apesar desta ingrata aleivosia, Quanto mais rico estou, estou mais pobre. [AMADOS OLHOS] Estes os olhos são da minha amada: Que belos, que gentis, e que formosos! Não são para os mortais tão preciosos Os doces frutos da estação dourada. Por eles a alegria derramada, Tornam-se os campos de prazer gostosos; Em zéfiros suaves, e mimosos Toda esta região se vê banhada; Vinde, olhos belos, vinde; e enfim trazendo Do rosto de meu bem as prendas belas, Dai alívios ao mal, que estou gemendo: Mas ah delírio meu, que me atropelas! Os olhos, que eu cuidei, que estava vendo, Eram (quem crera tal!) duas estrelas. [SATISFAÇÕES PELA INSATISFAÇÃO] Se os poucos dias, que vivi contente, Foram bastantes para o meu cuidado, Que pode vir a um pobre desgraçado, Que a idéia de seu mal não acrescente! Aquele mesmo bem, que me consente, Talvez propício, meu tirano fado, Esse mesmo me diz, que o meu estado Se há de mudar em outro diferente. Leve pois a fortuna os seus favores; Eu os desprezo já: porque é loucura Comprar a tanto preço as minhas dores: Se quer, que me não queixe, a sorte escura, Ou saiba ser mais firme nos rigores, Ou saiba ser constante na brandura. [PROCURA DA DESVENTURA] Continuamente estou imaginando, Se esta vida, que logro, tão pesada, Há de ser sempre aflita, e magoada, Se com o tempo enfim se há de ir mudando: Em golfos de esperança flutuando Mil vezes busco a praia desejada; E a tormenta outra vez não esperada Ao pélago infeliz me vai levando. Tenho já o meu mal tão descoberto, Que eu mesmo busco a minha desventura; Pois não pode ser mais seu desconcerto. Que me pode fazer a sorte dura, Se para não sentir seu golpe incerto, Tudo o que foi paixão, é já loucura! [INJUSTO AMOR] Injusto Amor, se de teu jugo isento Eu vira respirar a liberdade, Se eu pudesse da tua divindade Cantar um dia alegre o vencimento; Não lograras, Amor, que o meu tormento, Vítima ardesse a tanta crueldade; Nem se cobrira o campo da vaidade Desses troféus, que paga o rendimento: Mas se fugir não pude ao golpe ativo, Buscando por meu gosto tanto estrago, Por que te encontro, Amor, tão vingativo? Se um tal despojo a teus altares trago, Siga a quem te despreza, o raio esquivo; Alente a quem te busca, o doce afago. [INJUSTO AMOR (II)] Eu cantei, não o nego, eu algum dia Cantei do injusto amor o vencimento; Sem saber, que veneno mais violento Nas doces expressões falso encobria. Que amor era benigno, eu persuadia A qualquer coração de amor isento; Inda agora de amor cantara atento, Se lhe não conhecera a aleivosia. Ninguém de amor se fie: agora canto Somente os seus enganos; porque sinto, Que me tem destinado estrago tanto. De seu favor hoje as quimeras pinto: Amor de uma alma é pesaroso encanto; Amor de um coração é labirinto. [BRINQUEDO] Não vês, Lise, brincar esse menino Com aquela avezinha? Estende o braço; Deixa-a fugir; mas apertando o laço, A condena outra vez ao seu destino? Nessa mesma figura, eu imagino, Tens minha liberdade; pois ao passo, Que cuido, que estou livre do embaraço, Então me prende mais meu desatino. Em um contínuo giro o pensamento Tanto a precipitar-me se encaminha, Que não vejo onde pare o meu tormento. Mas fora menos mal esta ânsia minha, Se me faltasse a mim o entendimento, Como falta a razão a esta avezinha. [MEMÓRIAS] Memórias do presente, e do passado Fazem guerra cruel dentro em meu peito; E bem que ao sofrimento ando já feito, Mais que nunca desperta hoje o cuidado. Que diferente, que diverso estado É este, em que somente o triste efeito Da pena, a que meu mal me tem sujeito, Me acompanha entre aflito, e magoado! Tristes lembranças! e que em vão componho A memória da vossa sombra escura! Que néscio em vós a ponderar me ponho! Ide-vos; que em tão mísera loucura Todo o passado bem tenho por sonho; Só é certa a presente desventura. [GLÓRIA PASSADA] Que molesta lembrança, que cansada Fadiga é esta! Vejo-me oprimido, Medindo pela mágoa do perdido A grandeza da glória já passada. Foi grande a dita sim; porém lembrada, Inda a pena é maior de a haver perdido; Quem não fora feliz, se o haver sido Faz, que seja a paixão mais avultada! Propício imaginei (é bem verdade) O malévolo fado: oh quem pudera Conhecer logo a hipócrita piedade! Mas que em vão esta dor me desespera, Se já entorpecida a enfermidade, Inda agora o remédio se pondera! [ALTAS SERRAS] Altas serras, que ao Céu estais servindo De muralhas, que o tempo não profana, Se Gigantes não sois, que a forma humana Em duras penhas foram confundindo; Já sobre o vosso cume se está rindo O Monarca da luz, que esta alma engana; Pois na face, que ostenta, soberana, O rosto de meu bem me vai fingindo. Que alegre, que mimoso, que brilhante Ele se me afigura! Ah qual efeito Em minha alma se sente neste instante! Mas ai! a que delírios me sujeito! Se quando no Sol vejo o seu semblante, Em vós descubro ó penhas o seu peito? [NOITE OU DIA] Que tarde nasce o Sol, que vagaroso! Parece, que se cansa, de que a um triste Haja de aparecer: quanto resiste A seu raio este sítio tenebroso! Não pode ser, que o giro luminoso Tanto tempo detenha: se persiste Acaso o meu delírio! se me assiste Ainda aquele humor tão venenoso! Aquela porta ali se está cerrando; Dela sai um pastor: outro assobia, E o gado para o monte vai chamando. Ora não há mais louca fantasia! Mas quem anda, como eu, assim penando, Não sabe, quando é noite, ou quando é dia. [ELE OU EU] Não te cases com Gil, bela serrana; Que é um vil, um infame, um desastrado; Bem que ele tenha mais devesa, e gado, A minha condição é mais humana. Que mais te pode dar sua cabana, Que eu aqui te não tenha aparelhado? O leite, a fruta, o queijo, o mel dourado; Tudo aqui acharás nesta choupana: Bem que ele tange o seu rabil grosseiro, Bem que te louve assim, bem que te adore, Eu sou mais extremoso, e verdadeiro. Eu tenho mais razão, que te enamore: E se não, diga o mesmo Gil vaqueiro: Se é mais, que ele te cante, ou que eu te chore. [HIPOCRISIA] Não há no mundo fé, não há lealdade; Tudo é, ó Fábio, torpe hipocrisia; Fingido trato, infame aleivosia Rodeiam sempre a cândida amizade. Veste o engano o aspecto da verdade; Porque melhor o vício se avalia: Porém do tempo a mísera porfia, Duro fiscal, lhe mostra a falsidade. Se talvez descobrir-se se procura Esta de amor fantástica aparência, É como à luz do Sol a sombra escura: Mas que muito, se mostra, a experiência, Que da amizade a torre mais segura Tem a base maior na dependência! [MAL IMUTÁVEL] Campos, que ao respirar meu triste peito Murcha, e seca tornais vossa verdura, Não vos assuste a pálida figura, Com que o meu rosto vedes tão desfeito. Vós me vistes um dia o doce efeito Cantar do Deus de Amor, e da ventura; Isso já se acabou; nada já dura; Que tudo à vil desgraça está sujeito. Tudo se muda enfim: nada há, que seja De tão nobre, tão firme segurança, Que não encontre o fado, o tempo, a inveja. Esta ordem natural a tudo alcança; E se alguém um prodígio ver deseja, Veja meu mal, que só não tem mudança. TEMEI, PENHAS... Destes penhascos fez a natureza O berço em que nasci: oh! quem cuidara Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza! Amor, que vence os tigres, por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra o meu coração guerra tão rara, Que não me foi bastante a fortaleza. Por mais que eu mesmo conhecesse o dano, A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano; Vós, que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei: que Amor tirano, Onde há mais resistência, mais se apura. [RUDE PESCADOR] Assim como o Pastor, também o pobre, O rude Pescador lá desde a praia, Onde primeiro o Sol nas ondas raia, Do seu voto a inocência não encobre. Se ele cantando alegre se descobre Talvez à sombra da copada faia, Igual o nosso canto aqui se ensaia Ao sussurro do mar, que a penha cobre. Pode render ao Rei talvez Corino Desde a rústica choça o branco leite, O mel dourado, o pomo peregrino; Mas espero eu também que ele me aceite A rama de coral, que por tão fino A coroa lhe esmalte, o cetro enfeite. [UM NOBRE VALADARES] De quem são estas armas, este escudo, Esta malha, este arnês em sangue tinto? Quem guarda aqui despojo tão distinto, Que estímulos de glória acende em tudo? Que espírito sutil, que engenho agudo Esta pena ocupou? Bem que sucinto É da Fama o clarim, soar eu sinto De um e outro o pregão no exemplo mudo. As Armas (uma Letra me responde), As Armas são do Pai, que as militares Tropas regeu; na Pena o Avô se esconde: E a quem se inculca a imagem? Não repares; Tudo está decifrado: ao grande Conde, Que o Título tem de Valadares. [VÍTIMA ALEGRE] Estes do íntimo d'alma retratados, Em tosco acento, métricos gemidos, Mais à força da mágoa dispendidos Do que a cargos do engenho articulados, A quem, senão a ti, dos meus cuidados Ídolo belo, objeto dos sentidos, Pois os viste tu mesma produzidos, Devem ser dignamente consagrados? Recebe o terno voto; e se notares Em pranto, em ânsia, em lágrimas desfeita Uma alma que foi centro dos pesares, Lembra-te que de estragos satisfeita Jamais pôde alguma hora em teus altares Outra vítima alegre ser aceita. [CONVENTO DO BUÇACO] No misterioso horror desta clausura, Austera habitação da soledade, Como em base de eterna santidade, Permanente, a virtude se assegura. Enriquece-se a cândida estrutura Só dos pobres adornos da piedade; E desmaiando pálida a vaidade Se retira sem pompa e sem cultura. Dos corações humanos à harmonia Desta muda, suavíssima eloqüência, Mal se opõem os impulsos da porfia. Tão forte aqui se intima a penitência, Que a sacrilégio passa a rebeldia, E não chega a ser mérito a obediência. EPITÁFIO Aqui jaz, caminhante desatado, Dos anos o esplendor em cinza breve, Salício, aquele engenho que descreve Nesta pedra as vinganças de seu fado. Aos aplausos da fama encomendado, De inveja a sorte os passos lhe deteve, Agora pois seja-lhe a terra leve, E nas sombras o voto consagrado. Templo seja à saudade construído; Este mármore duro o sentimento Aqui lhe assista sempre enternecido. Compense-se da morte o horror violento, Que, se o Pastor roubar tem conseguido, Eterno o há de fazer nosso tormento. [PASSARINHO] (*) As moles asas a bater começa Entre as palhas o tenro passarinho, E largos dias por deixar o ninho, Se cansa, se fadiga, se arremessa. Um impulso, outro impulso, em vão se apressa, Já se firma no pé, já no biquinho, Nas folhas se detém, passa ao raminho, Té que a pena se esforce, e se endureça. Quando enfim é capaz de movimento, Deixa os arbustos, vaga pelos ares, E sobre as altas faias toma assento. Estes sejam, Salício, os exemplares Em que a vossa virtude anime o alento, Porque um dia da Fama honre os altares. [ALVISSAREIRO ANÚNCIO] Festivos Gênios, que cuidado altera Do sono vosso as lisonjeiras horas? Liras, e flautas nunca tão sonoras, Que Nume celestial hoje tempera? Vagam colhendo os dons da Primavera De Graças mil esquadras brilhadoras, Tenros amores que tu, Chipre, adoras, Da branca Juno vão buscando a Esfera. Mimoso orvalho vivifica a planta, Zéfiros brandos dentre nuvens de oiro Fazem soar doce rumor, que encanta: Núncios fiéis de tão propício agoiro, Dizei, que é isto? Mas Amor já canta: "Nasceu ao Minho seu maior tesoiro." [MARQUÊS DE POMBAL] (*) Sombras ilustres dos varões famosos, Que a Grécia e Roma destes leis um dia, Vós que do Elísio na região sombria Respirais entre os zéfiros mimosos. Grande Licurgo, ó tu, Solon, que honrosos Loiros cingis; que egrégia companhia Fazeis aos Mazarinos; eu queria Adorar vossos vultos majestosos: Vós fizestes da vossa Pátria a glória; Por vós é hoje feliz a humanidade, Que dignos sois de uma imortal história! Cesse, cesse, porém, vossa vaidade, Que basta a escurecer vossa memória Um Carvalho, que adora a nossa idade. [MARQUÊS DE POMBAL (II)] Talar Províncias, arrasar Cidades, A cinzas reduzir Reinos inteiros, Foram desses Espíritos guerreiros As nobres, imortais heroicidades. Mas se eles são lembrados nas idades Por grandes, por distintos, por primeiros, Nas campanhas, nas praças, nos terreiros Vive ainda o terror das impiedades. Se Alexandre, Cipião, César, Pompeio Cingem na Fama o disputado loiro, O seu orgulho a funestá-los vejo. Vós da Fortuna com mais fausto agoiro Vivei, Marquês, pois encontraste o meio De nos fazer gozar da idade de oiro. [LEÃO E ÁGUIA] Ruge o bravo Leão, e sacudindo Sobre o pescoço a descomposta grenha, Humilde presa conquistar desdenha, Junto a mais nobre o seu valor medindo. Águia excelsa por entre o ar subindo, Descansa o vôo na elevada penha, E, sem que horror ao precipício tenha, De sangue as unhas descerá tingindo. Feliz Menino, se dos teus Primeiros Eu busco a ver a ínclita nobreza, Da tua eu peso já os graus inteiros. Não geram com oposta natureza Nem Águias pombas, nem Leões cordeiros, Da Fortaleza nasce a Fortaleza. (*) Em alguma reedição de MARÍLIA DE DIRCEU este soneto foi atribuído a Tomás Antônio Gonzaga, a cujo verbete remeto o leitor.
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