|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Antônio Gonçalves Dias Boa Vista (Caxias MA 1823-1864)

Principal fixador do clichê romântico tupiniquim (ou melhor, timbira) que aclimatou a epopéia européia à nacionalidade da tropicalidade, Dias, como outros colegas de escola, não era lá muito bom de soneto: ou puxava o saco do imperador (como os arcádicos faziam à nobreza metropolitana), ou tietava Victor Hugo, grande guru daquela geração. Em todo caso, guardo como suvenir, por motivos pessoais, este redundante e repisado soneto:


ANDO ABAIXO

Ando abaixo, ando acima, e sempre às solas,
Afronto a tempestade, o vento, o frio,
Qual se fora ambulante corropio,
Seguindo o exemplo enfim de outros patolas.

Do meu engenho e arte gasto as molas
Em suspiros quebrar que à luz envio;
E, já por teima só, render porfio
A cabeçuda, por quem rompo as solas.

E a amo, ela me adora com loucura,
Di-lo ao menos; se a beijo não se espanta;
Paga-mo até; se insisto... adeus ternura!

Do matrimônio a estátua se levanta,
Negro espectro! ela torna-se brandura,
Eu a imagem do horror que me aquebranta.


Outros sonetos de Gonçalves Dias:


A "NOTRE-DAME" DE V. HUGO

Satanás passeando — veio um dia
Ao mundo sublunar e viu criada
A formosa Esmeralda — doce fada,
Vivo sonho de viva fantasia.

Ora o diabo tem queda p'ra ironia.
— Hei de pregar, disse ele, caçoada
No padre eterno, que não sabe nada,
Se não sabe o que é bom em poesia.

Falou desta maneira o Sr. Diabo,
Escoucinhando no ar, como um jumento,
Coçando a fula orelha e alçando o rabo.

E foi o resultado deste evento
Parir ao Quasimodo — que no cabo
C'o anjo do Senhor fez casamento.


A ESMERALDA

Vede a soberba divinal criatura
Na "Corte dos Milagres" milagrosa!
A caterva brutal estrepitosa
Estranha e pasma tão gentil figura.

Encobre a peregrina formosura,
Tão estranha de si — tão graciosa,
A mente inda mais bela e mais formosa,
E inda mais pura do que a neve pura.

Ao ver a cortesã face mentida
Desse que te salvou, que tanto amaste,
Perdeste o coração — perdeste a vida.

Não quebrou teu amor cruel tortura,
Com ele inda no cárcere cismaste,
Foi dele o teu pensar na morte escura.


A CLÁUDIO FROLLO

Na mente renegando o altar sagrado
Por seguires do século a demência,
Quiseste consumir tua existência
Em busca do segredo em vão buscado.

Já hoje tens o rosto descorado
Nas vigílias da acesa inteligência,
Que intentaste, rival da Providência,
Do saber divinal fazer achado.

Esse raio do sol, tua obra d'oiro,
O sábio — já o vês — produz o amor —
O amor, coisa melhor que o teu tesoiro,

O amor — a só ventura dos humanos,
Prazer celestial — ardente flor,
Que não pousa nas cãs dos tardos anos.


AO QUASÍMODO

A disforme cabeça lhe descia
Entre dois ocos montes; na achatada
Fronte por fulva coma sombreada
Um olho de ciclope aparecia.

Um tetraedro por nariz trazia,
E da nojenta boca desdentada
Por entre a dentadura feia e usada
Bem raro a rouca voz se desprendia.

Tinha braços e pernas mui calosos,
Era todo seu corpo um calo inteiro,
Um composto de calos monstruosos!

E dele se dizia: É vesgo infame,
Corcunda — torto e coxo e feiticeiro,
Sineiro atroador de Notre-Dame.


AO ANIVERSÁRIO NATALÍCIO DE S. M. I. [Sua Majestade Imperial]

Pudesse eu, triste vate, semelhando
O ronco do trovão, que ruge irado,
Alçar — entusiasta — ingente brado
Dum pólo — noutro pólo, repulsando.

Pudesse, além das nuvens remontando,
De mil astros brilhantes rodeado,
Derramar — sobre o globo eletrizado
Seu nome, entre mil nomes fulgurando.

Pudesse — a um brado tal o doce encanto
Juntar de um terno cisne moribundo
Que o alento final transforma em canto.

Teu nome, sem cessar, dissera ao mundo,
Tu que és nosso paládio Sacrossanto,
Augusto Imperador — Pedro Segundo.


BAIXEL VELOZ

Baixel veloz, que ao úmido elemento
A voz do nauta experto afoito entrega,
Demora o curso teu, perto navega
Da terra onde me fica o pensamento!

Enquanto vais cortando o salso argento,
Desta praia feliz não se desprega
(Meus olhos, não, que amargo pranto os rega)
Minha alma, sim, e o amor que é meu tormento.

Baixel, que vais fugindo despiedado,
Sem temor dos contrastes da procela,
Volta ao menos, qual vais tão apressado.

Encontre-a eu gentil, mimosa e bela!
E o pranto qu'ora verto amargurado,
Possa eu verter então nos lábios dela!


DOCE AMOR

Doce Amor — a sorrir-se brandamente
Em sonhos me falou com tal brandura,
Que eu só de o escutar vida mais pura
Senti coar-me n'alma fundamente.

Depois tornou-se o tredo fogo ardente
Que o instante, o ano, a vida me tortura.
Bem longe de gozar tanta ventura,
Cresta-me o rosto agora o pranto quente.

Homem, se homem és no sentimento,
Não zombes, não, de mim tão desditosa,
Nem seja o teu alívio o meu tormento.

Deixa-me a teus pés cair chorosa,
Soltar no extremo pranto o extremo alento,
Que eu morrendo a teus pés serei ditosa.


PENSAS TU

Pensas tu, bela Anarda, que os poetas
Vivem d'ar, de perfumes, d'ambrosia,
Que vagando por mares d'harmonia
São melhores que as próprias borboletas?

Não creias que eles sejam tão patetas,
Isso é bom, muito bom, mas em poesia,
São contos com que a velha o sono cria
No menino que engorda a comer petas!

Talvez mesmo que algum desses brejeiros
Te diga que assim é, que os dessa gente
Não são lá dos heróis mais verdadeiros.

Eu que sou pecador, — que indiferente
Não me julgo ao que toca os meus parceiros,
Julgo um beijo sem fim cousa excelente.


ROLLI

— Diz-me tu, pastorzinho,
Se aqui estás desde manhã,
Viste passar, — sabes onde
Está minha Egéria louçã?

"Anda aqui o seu rebanho,
Mas há pouco, além, eu vi-a,
Tão certo que por sinal
Seu cordeirinho a seguia."

— Ia só com seu cordeiro?
"Não, — ia mais um pastor."
— Era Sílvio? — "Esse mesmo";

"Mas que tens? Mudas de cor!"
— Feliz de ti, pastorzinho:
Não sabes o que é amor!


À ESPERA DO BOLO...

Apenas oiço dar Ave-Maria,
Quer seja tempo bom, quer trovoada,
Lá vou eu nesta vida malograda
Ao pão-nosso, que espero em cada dia!

De crianças me assalta uma algarvia,
E a velha a pespegar-me aparelhada
Contos da eterna sedução malvada
Da quadrilha de heróis que a perseguia!

O campo de Santa Ana atravessando,
— Meu Deus, isto é que é não ter miolo! —
Para ver uns nenês que estão mamando!

Vê por fim se me dás ou não do bolo:
Se sim, nada direi; se não, bradando
Jurarei terra e céus não ser mais tolo!

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes