O SONETO FEMININO

Que será que há, na mulher, de fascinante por trás da beleza ou da sensualidade? Eis como nossos sonetistas registram suas impressões daquilo que seria a psicologia feminina, impressões geralmente pouco positivas, aliás. Para quem busca maior ênfase na feminilidade mais exterior e física, sugiro uma visita à seleção que enfeixei na página intitulada O SONETO FORMOSO. [GM] CORAÇÃO DE MULHER [Alexandre Fernandes] Vira o rosto se eu passo; no entretanto, Seu olhar a seguir meu vulto fica. Que me estima, de certo não indica, Porque parece que me odeia tanto! Se um dia não me vê, ligeiro espanto Quando me avista o seu olhar explica; E, nessa alternativa, mortifica Minha alma, escravizada a seu encanto. Às vezes, eu também, rapidamente, Volto meu rosto, finjo, indiferente, Nem pensar que ela vive neste mundo. Mas, vejo, de revés, que ela me segue, Que o seu olhar ansioso me persegue... Coração de mulher, como és profundo! A UMA POETISA SATÍRICA [Augusto de Lima] Se bem me lembro, um dia me disseste, Que o gênero das sátiras cultivas. Urtiga, tu, a flor das sensitivas? Anjo de amor — um Juvenal agreste? Não com certeza! A forma que reveste Tuas composições, belas e altivas, É bem diversa, embora, pungitivas, Firam, pois nascem do ideal celeste... Astro, o fogo da sátira te inflama! Rosa, tens os espinhos do epigrama! Feiticeira, alfinetas em arminhos... Fizeste-me, entretanto, a alma ditosa Ferindo-a, pois bem sei que guardas, rosa, As setas de Cupido, entre os espinhos... ORGULHOSA [Azevedo Cruz] Teu desdenhoso olhar, de deusa desterrada Da olímpica mansão das almas soberanas, É a muralha em que esbarra a alcatéia esfaimada Das humanas paixões, das misérias humanas! Na diluência sutil de uma chuva dourada, Serenamente escorre através das pestanas, E interdito às visões e às miragens profanas, Olha, e é debalde que olha — esse olhar não vê nada... Passas. Sôfrego logo, inquieto logo, ansioso, Procuro o teu olhar, busco a tua pupila, Como o nauta um farol, sobre o mar tenebroso... E em vão nos cílios teus, ávido, o olhar mergulho! Somente uma ou outra vez, na retina tranqüila, Passa um clarão fugaz de desprezo e de orgulho! MATER NUTRIX [Bastos Tigre] Mãe, ao teu filho dá teu farto seio! Com o teu leite é a tua alma que lhe dás! Seja, Mãe, teu orgulho e teu enleio Dar-lhe o pão que em ti própria amassarás! Não lhe sabe tão bem o leite alheio Que em suas gotas sangue alheio traz. — Linfa que escorre do materno veio — Só teu leite o teu filho satisfaz! Tiveste a glória da Maternidade, Prêmio, bênção divina do Senhor! Sê Mãe em toda a pompa e majestade! Como a planta dá seiva à própria flor, Sê a "ama" do teu filho que, em verdade, "Ama" é do verbo amar... provém de "Amor". SER MULHER (à minha amiga Lourdes Palmer) [Carmen Cinira] Ser mulher não é ter nas formas de escultura, No traço do perfil, no corpo fascinante, A beleza que um dia o tempo transfigura E um olhar deslumbrado atrai a cada instante... Ser mulher não é só ter a graça empolgante, O feitiço absorvente, a lascívia e a ternura; Ser mulher não é ter na carne provocante A volúpia infernal que arrasta e desfigura... Ser mulher é ter na alma essa imortal beleza De quem sabe pensar com toda a sutileza E no próprio ideal rara virtude alcança... É ter, simples e pura, os sentimentos francos, E ainda no fulgor dos seus cabelos brancos, Sonhar como mulher, sentir como criança! SER MÃE [Coelho Neto] Ser mãe é desdobrar fibra por fibra O coração! Ser mãe é ter no alheio Lábio, que suga, o pedestal do seio, Onde a vida, onde o amor cantando vibra. Ser mãe é ser um anjo que se libra Sobre um berço dormido; é ser anseio, É ser temeridade, é ser receio, É ser força que os males equilibra! Todo o bem que a mãe goza é bem do filho, Espelho em que se mira afortunada, Luz que lhe põe nos olhos novo brilho! Ser mãe é andar chorando num sorriso! Ser mãe é ter um mundo e não ter nada! Ser mãe é padecer num paraíso! DONZELAS [Emiliano Perneta] Donzelas que passais com esse gesto ameno, E a doce palidez enfim duma cecém, E em vão esse ar é grave, e esse aspecto é sereno, Não me olheis, não me olheis, que não vos quero bem. Sulamitas gracis e de rosto moreno, E claras como luz, e cheias de desdém, Tendes perfume, sei, mas não tendes veneno, Sois muito lindas, sois, não vos quero porém... Lírios do campo com figura de mulher, A minha decadência é um fruto caprichoso Desta época sem luz que não sabe o que quer. Não sabe nada; mas, ó candidez ideal, Eu não posso querer senão o Monstruoso, E o bem Maravilhoso, e o bem Fenomenal! PÉRFIDA [Francisca Júlia] Disse-lhe o poeta: "Aqui, sob estes ramos, Sob estas verdes laçarias bravas, Ah! quantos beijos, trêmula, me davas! Ah! quantas horas de prazer passamos! Foi aqui mesmo, — como tu me amavas! Foi aqui, sob os úmidos recamos Desta aragem, que uma rede alçamos Em que teu corpo, mole, repousavas. Horas passava junto a ti, bem perto De ti. Que gozo então! Mas, pouco a pouco, Todo esse amor calcaste sob os pés". "Mas, disse-lhe ela, quem és tu? De certo, Essa mulher de quem tu falas, louco, Não, não sou eu, porque não sei quem és..." MARIA-GILMA [Galba de Paiva] Minha filha, nem sempre a vida é boa. Nem tudo o que se quer às mãos nos vem; Mesmo a felicidade — a que atordoa — Não representa a síntese do bem. És a menor de todas... mas, ressoa Dentro em meu coração, o teu, também. Minha filha, nem sempre a vida é boa, Mais amarguras que alegrias tem. Ampara-te à virtude. Estuda e pensa. Não cobices o fruto mal colhido; Resume na bondade a tua crença! Se casares então, haja o que houver, Ama teu lar, teus filhos, teu marido, E, pelo sacrifício, sê mulher! REFLEXÕES [Gilka Machado] Homem! um dia para mim partiste, colhendo-me no horror da plenitude de uma penúria em que eu medrava, triste, qual flor de neve em meio a erma palude. Desde então, com prazer, sempre, seguiste os desfolhos da minha juventude; e o tempo faz que para mim se enriste melhor teu trato cada vez mais rude. Se fiel a ti o corpo meu persiste, a alma idealiza o amor, sonha-o, se ilude... guardes-me, embora, de perfídia em riste! À pertinácia do teu trato rude, o amor se fez minha virtude triste e meu pecado cheio de virtude! SONETO 200 AO PÉ DA LETRA [Glauco Mattoso] Mulheres são mulheres. Traduzindo, são como as traduções: se são fiéis não são belas; se belas, infiéis. E quanto ao tradutor, nenhum é lindo. Algumas belas damas vivem rindo. Apenas desempenham seus papéis. Têm sempre um par de homens a seus pés, mas cada um chupando um dedo mindo. E os outros dedos, quem os vai chupar? E a sola, tão sedosa, quem lambeu? E o peito? O tornozelo? O calcanhar? De minha parte, digo: não sou eu. Não sou de belas damas desdenhar, mas, mais do que a Julieta, sou Romeu. A PULGA [Hermes Fontes] Um sinalzinho preto em teu colo de neve: Examino se é próprio, ou fingido a nanquim... Mas o pontinho escuro anima-se; e, ágil, breve, Salta aqui, salta ali e vem pousar em mim. Sinto-o no corpo: o inseto, a mais e mais se atreve. Põe-me um ardor de urtiga em cada poro, e, assim, Fervo e salto, eu também... Ao seu contacto, leve, A epiderme é um incêndio, o sangue é um torvelim. É uma pulga! Tirou-me o bom humor e o agrado! — Serena perfeição em que a gente se julga, Morre num sopro: é grão de pó, miga qualquer... Quanto orgulho se tem despido e desmanchado, Por um nada, um nadinha, uma pulga!? É que a pulga Em astúcia é igual à raposa e à mulher... ÍNTIMO [Humberto de Campos] Minha mãe! Minha mãe! Tu, que adivinhas esta mágoa amaríssima que eu canto, tu, que trazes as pálpebras de pranto cheias, tão cheias como eu trago as minhas; tu, que vives em lágrimas, e tinhas a vida, outrora, tão feliz, enquanto deste teu filho, que tu queres tanto, todas as mágoas serenando vinhas; tu, que do astro do Bem, segues o brilho, pede ao Deus que, apesar das tuas dores, ainda persiste a castigar teu filho, que eu não morra a sofrer, como hoje vivo, esta angústia de uma árvore sem flores e esta mágoa de pássaro cativo. FREIRA [J. G. de Araújo Jorge] Em teu calmo semblante e em teu olhar parado há perdido, — bem sei, — um mistério qualquer... Quem sabe se pecaste... e se foi teu pecado que te fez esquecer que és bela e que és mulher?... Hoje és santa... O passado passou, — é o passado... — dele já não terás uma ilusão sequer... E o amor que se tornou funesto e amargurado sepultas no silêncio... e em teu árduo mister... Mais à frente está a vida... a vida humana e bela! Teu presente é uma prece; teu passado: um poema; teu futuro: um rosário, um altar, uma cela... Evadida do mundo, — ao ver-te, à luz do dia, — não sei se te admire a renúncia suprema, ou se lastime a tua imensa covardia! NOIVA [J. G. de Araújo Jorge] Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véu como em flocos de espuma, espalhado no chão... No olhar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu, e leva um céu maior dentro do coração... Nos lábios... Ah! nos lábios há o sabor do mel, e uma carícia em flor se entreabre em cada mão, — e que tremor no braço, ao deixar no papel o nome dela, o dele... o dos dois desde então... Quem lhe falou da vida? A vida é um sonho, a vida é esse caminho azul, esse estranho embaraço de sentir-se ao seu lado adorada e querida... Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu... Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braço não pensa que caminha em direção do céu?... MULHER [J. G. de Araújo Jorge] — "Já é demais! me disseste, — o teu ciúme é irritante e há de acabar na certa por nos indispor, fazes do meu viver um martírio constante e ao que vês, tu dás sempre afinal outra cor!" Eu resolvi então, daquele dia em diante, sem nada te dizer, e sem nada propor, sufocar esse amor egoísta e dominante e o ciúme... que era o fel que punha em nosso amor! Hoje... Tu sofres mais quando em minha presença... E há pouco, (creio até que bateste com os pés!) — já achavas ser demais a minha indiferença... E possa eu compreender, afinal, o que queres, quando enfim descobri, sem surpresa, que tu és incoerente... e igualzinha a todas as mulheres! DE VOLTA [Jaime Guimarães] Fomos... E quem nos visse pensaria: — Que almas felizes! que casal ditoso! — Como ele vai a estremecer de gozo! — E ela como é formosa! que alegria! Voltei sozinho e ao meu passar ouvia: — Que olhar magoado!... Como vai choroso! E uma voz que sangrou meu peito ansioso: — Louco daquele que no amor confia! Falena! à luz de um riso eis-te perdido! Foste cheio de fé, voltas descrido, E o desengano teu caminho junca... — "Hás de esquecê-la", ouvi dizer ao lado... Meu coração responde estrangulado: "Odiá-la, sim, mas esquecê-la, nunca!" A UMA NOVIÇA [Júlio César da Silva] Amam-se as borboletas no ar; na grama Os insetos; as águias lá nos picos; E, aos pares, pipilando, os tico-ticos Na câmara nupcial da mesma rama. Ais, pios, urros, beijos impudicos, No antro, no pó, na cripta, no ar, na cama... Cada qual, a seu jeito, o amor proclama, Unindo as bocas ou juntando os bicos. No banquete brutal das carnes nuas Em que a carne se cria e se consome, E do qual, assustada, hoje recuas, Não há quem o apetite vença ou dome Senão tu, magra e fria, que jejuas E nas festas de amor morres de fome! DEUS PELA MULHER [Luís Delfino] Basta, Helena, que em ti Vênus renasça; Teu nome é sempre Vaga e Movimento; Teu apelido eternamente — Vento — Que ciciando osculta tudo, e passa. Tu, Mulher, hás-de ser a ebúrnea taça, Cheia de sóis, por onde o pensamento Bebe a luz, bebe a força, e bebe o alento, E o divino esplendor, que põe na raça. Eva imortal, tu és a formosura; És Mãe; e como mãe és boa, e pura: Não tens lua aos teus pés, nem sóis tu calças: Mas por ti vai-se a Deus, e a compreendê-lo, Tu nos ensinas, mesmo a ver, sem vê-lo... E essas belas visões jamais são falsas... HINO À MULHER [Luís Delfino] Mulher, lírio puríssimo do vale, Eva criada, Eva renascida, Só para amar e para ser querida, Há perfeição acaso que te iguale? Antes que o alento extremo o poeta exale, Sabe que de ti sai perene a vida: Que sendo a Virgem-Mãe preconcebida, Ninguém na terra ou céu hoje te vale. Há um clarão sutil e peregrino Que em ti corre e te faz um ser divino, Tens em ti, alma e corpo, a luz dos sóis. Há um Deus? — És a Mãe: Ele é teu filho; Há um Herói? — De ti lhe vem o brilho: Mulher, ó Mãe de Deuses e de Heróis. O PODER DAS LÁGRIMAS [Luís Murat] Com que saudade para o céu não olhas, Vendo de nuvens todo o céu coberto, E engastadas de pérolas as folhas E o coração das árvores deserto. Como uma grande rosa, a alma desfolhas Dentro do seio, inteiramente aberto, E esses restos de flor passando molhas N'água do arroio que coleia perto! Molha-as, sim, nesta linfa algente e casta! Que uma só gota cristalina basta Para o calor em chuva ir transformando. Hás de ficar com olhos rasos d'água, A dor há de acalmar que a própria mágoa Tem dó de ver uma mulher chorando. ÚNICA [Nilo Brüzzi] No turbilhão da vida cotidiana Há sempre um rosto oculto de mulher. Há no tumulto da existência humana Alguém que a gente quis e ainda quer. E numa sede de paixão insana, Cego e humilhado, aceita outro qualquer, Mas, sem íntimo ardor, de alma profana, Porque a alma nem acordará sequer. E vão passando, assim, uma por uma, Mulheres e mulheres, como vieram, Sem depois despertar saudade alguma... Pobre de quem, como eu, vê que, infeliz, Teve todas aquelas que o quiseram, Mas nunca teve aquela que ele quis!... SONETO DA ESCRAVA [Onestaldo de Pennafort] Ela chegou, chegou-se a mim e disse Que tinha vindo para ser escrava... E eu respondi-lhe que era uma tolice Aquela frase que ela murmurava. Lembrei-lhe a triste história de Belkiss... E ela, sem dar ouvido ao que escutava, Fechou os olhos e, num beijo, disse Que tinha vindo para ser escrava... E eu, num gesto de pura maluquice, Ao vê-la assim, tão cheia de meiguice, Abri os braços para a que chegava... Sem pressentir que, por desgraça minha, Do meu destino ia ficar rainha Quem tinha vindo para ser escrava... FRIEZA [Osman Assunção] Encontro-te de novo em meu caminho! És sempre a mesma — fria e indiferente; Tendo no olhar o mesmo brilho algente, Sem um raio de amor ou de carinho. Achas-me em teu caminho novamente! Sou sempre o mesmo — frágil e mesquinho; Trazendo n'alma o mesmo desalinho E no meu peito o mesmo fogo ardente. E nosso olhar se encontra enfim. Anseio Ofegante de amor e de receio!... Impassível (até custa dizê-lo) Tu me fitas co'a mesma indiferença, Assassinando minha velha crença Co'a fria luz de teu olhar de gelo. LONGE DE TI [Otoniel Beleza] A tua ausência — que aborrecimento! E, ao mesmo tempo, que necessidade! Longe de ti, punge um pesar violento E um brando anseio o coração me invade! Se, ausente, mais seguras te apresento Mil provas de constância e lealdade, Volva o tempo assim mesmo lento-lento, E amor assim se apure e nos agrade!... Longe de ti, de outras mulheres perto, De outras mulheres mil, núbeis e belas, É que mais brilha esta afeição bendita. Pois perto delas é que sinto, ao certo, Que não palpita por nenhuma delas O coração que só por ti palpita! SONETO SUBMISSO [Samantha Rios] Passo noites e noites acordada Apenas recordando, recordando, Que ainda estou por ti apaixonada E disposta a atender ao teu comando. Um teu aviso me dizendo quando E eu irei num instante à ordem dada. — Enquanto a ordem não vem fico sonhando No desespero desta madrugada... Também sei muito bem que ainda me queres, Que tens buscado em outras mil mulheres As chamas do desejo que eu te dava. Mesmo quebrado os elos da corrente, De ti o meu amor se faz presente E inda me sinto ser a tua escrava. MATER [Soares Bulcão] Floresces na penumbra anônima do albergue, Sob o humilde casal de pobres infelizes, Onde mora a honradez, e a cuja sombra se ergue A árvore da desgraça onde o amor fez raízes. Ao mundo, sem que à dor teu ânimo se vergue, Surges predestinada às fundas cicatrizes, E passas sem deixar quem o teu passo enxergue, Vás, embora, onde vás, pises por onde pises. Segues a tua estrada entre flores e espinhos, Ora esbarras na treva, ora na luz e dentre O universal rumor fere-te a voz dos ninhos; E o teu sonho é tão grande, e a missão tão profunda, Que desprezas a dor, porque trazes no ventre, — Fonte de eterna vida — a dor que em ti fecunda! RISO E LAMA [Venturelli Sobrinho] O desengano, lúgubre carrasco, Ao meu peito levou trauma profundo; E, mágoas carregando, eu me acorcundo Como que sob o peso de um penhasco... Pois meu destino tenebroso é um frasco, Onde maligno espírito iracundo Pôs todos os venenos deste mundo, Para eu sorver cheio de horror e de asco. Fui, no entanto, feliz, quando a quimera, Em forma de mulher me disse que era Aquela a quem meu íntimo reclama. E eu me deixei perder, porque não via Em cada riso a mesma hipocrisia, Em cada coração a mesma lama... VELHO TEMA (III) [Vicente de Carvalho] Belas, airosas, pálidas, altivas, Como tu mesma, outras mulheres vejo: São rainhas, e segue-as num cortejo Extensa multidão de almas cativas. Têm a alvura do mármore; lascivas Formas; os lábios feitos para o beijo; E indiferente e desdenhoso as vejo Belas, airosas, pálidas, altivas... Por quê? Porque lhes falta a todas elas, Mesmo às que são mais puras e mais belas, Um detalhe sutil, um quase nada: Falta-lhes a paixão que em mim te exalta, E entre os encantos de que brilham, falta O vago encanto da mulher amada. DONA FLOR [Vicente de Carvalho] Ela é tão meiga! Em seu olhar medroso, Vago como os crepúsculos do estio, Treme a ternura, como sobre um rio Treme a sombra de um bosque silencioso. Quando, nas alvoradas da alegria, A sua boca úmida floresce, Naquele rosto angelical parece Que é primavera, e que amanhece o dia. Um rosto de anjo, límpido, radiante... Mas, ai! sob esse angélico semblante Mora e se esconde uma alma de mulher Que a rir-se esfolha os sonhos de que vivo — Como atirando ao vento fugitivo As folhas sem valor de um malmequer...
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