|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

João Batista Fernandes Filho (Bom Jesus da Lapa BA 1975)

Tendo-se nutrido de contracultura em pleno sertão baiano, este anticonvencional sonetista ("talvez por imperícia, talvez por preguiça", segundo ele) performa a proeza de estilizar-se com personalidade em meio à saturação pós-moderna. Seus sonetos, que classifica de "tronchos" e aos quais denomina "sambas-de-treita", não têm divisão estrófica, metro ou rima fixos, mas abundam em colorido, musicalidade, aroma e feromônio, sem torcer o nariz aos pormenores mais indecorosos e perversos quando o poeta "abre-arregaça" sua "caixinha de mazelas". Influências? Em suas próprias palavras, "E pra não ficar parecendo que estou 'seguindo o enterro', [...] meu 'caso de tara' com o soneto é antigo, tanto quanto possa ser nos meus 27 anos de vida, pois apesar de ter nascido depois de todos os ismos, fiz o caminho ortodoxo na poesia brasileira: comecei do começo [...]" Por "começo" entenda-se Gregório, naturalmente. Eis alguns exemplos do "bostiário joanino":


[4]

o verme no fund'olho ciscando
o muco, as cores cruas, o gris
cria de cancro segue sugando
no oco da íris rói/raspa verniz
da luz que era intensa quando
viver era tardes em croquis
andou, andou, agora blefando
negaceiando tão cósmica raiz
catei as guimbas, neguei a letra
calei os cacos, (pingo é treta)
se o meio é muro, meto metralha
cama-de-cobra sossega xereta
espalhou!? pegue na escopeta
curra é pouco, passa a navalha


[8]

o pensamento é rápido raio, devera
o raio é uma descarga que fulmina
como fulmina praga de megera
para as dores é presta a penicilina
sem pressa na presa a morte espera
combustão lépida é pira de gasolina
defunto, o corpo logo degenera
e o suicida sabe, é fatal estricnina
som com som o supersônico dilacera
com choro a vida depressa ensina
moléstia é ríspida, rasga rasteira
somo tudo, mas no fim a soma zera:
pois nada mais rápido (a tripa tintina)
do que uma colossal caganeira


[9]

pulsante de porra a pica explode
na boca-brasa da buça-aberta
ela engolfa, grimpa & sacode
o pau atrás duma gota incerta
suga & sarra meu mote-body
trata a tora, mas com farsa flerta
a pauta é pensa & é crac-acorde
tanto mais troncha mais aperta
cica-antiga fel-fadiga jeu de mot
buçaberta próxima ao cu-carniça
cócega na língua dalgum leitor
vai, explode a dica. da Buça iça
comédias, crimes, desdoura a dor
sua claudicante-clave que enguiça


[13]

a sílaba hiatônica é histriônica
põe na ponta resinosa toda pua
ao palato soa como noz-vômica
periga, tudo abarca e conceitua:
lixa lasca de manha mnemônica
ricuerdo remembrado que atenua
o demônio da dita camale-ôntica
mas na precisão com ele pactua
túmida em pêlo, a buça preferida
enraíza fácil em cama e cachanga
com quintal & flora amanhecida
flutuaceso entre corte e greta
imagem ávida: bunda em tanga
caluda! na quebra, vacilo é valeta


[17]

a pança incha a vértebra entorta
a lida mando às favas, o ócio cresce
toda segunda-feira pr'eu é morta
deixo que apodreça minha messe
o que difere de gozo e não conforta
o que não degringola e não aquece
disto da raia, e meu corpo aborta
a pressa torço e descumpro a prece
eternamente vesperando melhora
se é cama-de-cobra, canto carancho
e farto a fúria que cá dentro mora
se sendo lento prefiguro em ancho
ócio, carne, cânhamo, adul(a)dora
somente na goela engancha gancho


[30]

Cachorrin: exímio engolidor de pica
conhecedor da ciência e do volume
com a perícia duma matrona rica
examina uma peça de costume
antes da lauda peida, pede e fica
fisgando o cu, curtindo o perfume
que a peça exala como num curtume
pois é fome de cinco mil laricas
tudo pronto acolhe o grave broto
lento, cuidadoso, num hábil entubo
ah! se pudesse entrava o escroto
sobe/desce/sua/zanga/enverga
com astúcia e zelo o majestoso tubo
sem jamais perder nenhuma prega


[31]

"engole, engole" oculto escutei em surdina
uma rouca voz que aflita pedia:
" — engole, engole sua boca é ladina,
entranha o talo, não estraga a via."
era Cachorrin de joelhos que engolia
demo-devoto sustentando sua sina.
só soltava o pau quando o saco lambia
com extrema & rigorosa doutrina.
ou quando presto cocaína comia.
do pau ao pó era a ponte perfeita,
rapa-rapina que nem injúria enjeita.
eu escutava oculto pela noite que jazia,
e inda escutei o preço da empreita,
reclamada pelo freguês que se fodia.


[37]

se a merda mela o pau e empulha
e pega a feição dum lambe-latrina
Cachorrin reage: "oco sujo entulha
tem que ser asseado toda matina"
então vai o limpa-greta e vasculha
donairoso, mas com gana canina
pelo buraco inflamado mergulha
como se fosse alargada piscina
se o dono do cu enojado engulha
Cachorrin fareja e dando declara:
"mete em mim sem dó nem perdão!"
o dono do cu não se roga e fagulha
com dois palmos na tora, no tapa
em vez dos bagos ele enterra a mão


[44]

xereca xavasca xota xico xana
prexeca quirica cabeluda rapada
tabaca talho racha xola tirana
beiçuda rasa funda rude refinada
felatriz chuparina papa-porra ana
cabaço selo tampo arregaçada
pinguelo greluda parca soberana
boca-de-cisco boca-mole boca-mijada
anoréxica vetusta enxúndia nova
fedida fudida bojuda reta cova
ampla curva deleitosa xexelenta
buceta buça biscaia cona dadeira
chorada chinfra choça rameira
molhada ingrata enxuta visguenta


[46]

em João Antônio merduncho é:
o pateticamente vil-visceral
merdinho da sinuca. faça fé,
bróder! aqui é a esfola-carnal,
onde bôquêro tosquia mané,
mete a fita & silencia o canal;
samba-de-treita ni mim? qualé!
sangue é b., mas vacilou é vau.
aqui Iraque é favela/crack/coca;
aqui merma na tripa merduncho,
já dono-do-beco e da maloca.
tem patota, mas é cada um na sua,
anti-rango o prato, só tem caruncho,
em vez de cão, verme uiva pra lua.


[53]

métrica & acento são variáveis
sendo que de pica tenho dezenove
onzenas diárias pagas-impagáveis
lanceta na íris, perfurando love
sonetos são soda/mitos marcáveis
e nem no osso o puto se comove
topos, tópicos, atípicos, tratáveis
desdenha o dano, se pranto prove
grasso no gozo sabendo da gora
cínico e santo, servo e manumisso
neste fosso/safo que atolo a tora
quanto mais eu unto mais dá viço
não cabe cá dentro & sobeja lá fora
mas tiro meu som em bluesrebuliço


[57]

inexistinício, velhonovo se fode
ts... ts... realmente, a poesia brasileira...
ou extrasublira ou duca-decodi...
ou pó-pisca-pisca ou pó-pedreira
tem berro grosso que dindinheira
se farejar cifras o rabo sacode
rabo-rombudo em caray-cadeira
senta e vegeta sua ínclita ode
a mesa é farta, vai lá, meta a fuça
com olho, unha, dente esmiúça
se lhe aprouver no reto retém
bostiões babujam certo vintém
pr'este só vale o que purga e pulsa
quem come prego sabe o cu que tem


[71]

já denominada mal-do-mundo
é porta de partida ou entrada?
perseguida no primeiro segundo
e por Sade já foi costurada
é fundamento fértil e profundo
e quantas vezes vista e vetada
é dela qu'este poeta é oriundo
a Segunda Gênese a ela é dada
máxima por ser mole e moca
funcionando no pau como forca
suculenta feito pêra em pose
analise: buça não é racha, é oca
porém parece uma vertical boca
com camadas carnudas em close


[75]

Orides espreme o mais seco gume
verme galgando no oco da garganta
trincando mucosa do que for lume
sois Sibylla severa, etílica santa
Sibylla que pode fisgar cardume
ou estrebuchando cancro acalanta:
relíquia adornando meu estrume
geometriza o vôo, e elegíaca janta
o sedento ser que nunca se resolve
se minério marcheteia e espanta
se etéreo acinzenta, mas comove
como cristal que de repente canta
o ser-sangue que manietado move
rasga-raízes no ar e depois se planta


[77]

ao cair do cu sem pejo e fedorento
o trôço se atravessa no vaso e bóia
parte que n'água fica não é frumento
tanto que a parte pensa não é a jóia
se a tripa alarda um peido espumento
e ao parir sai pastoso e nele se apóia
esse é lerdo, liso, aplique-lhe tento
esse é o mais passível de tramóia
o cago-súpero é o que sai gosmento
borrela que começa num esguicho
(o mole terceto mela no momento)
calibra o cano do cu e descarrega
na cara do poeta/purino no seu nicho
o caldo raro que lhe queima a prega

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes