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Carlos Fernando Fortes de Almeida (Rio de Janeiro RJ 1936)
Médico, ficcionista e teatrólogo, cultiva no soneto, sob o decassílabo
cuidadoso, questões fundamentais que o raciocínio claro resolve com o
devido pessimismo e desencanto. Registrem-se alguns exemplos:
I Aqui jaz um futuro que pertence Aos maiores enganos do passado Se não queres amar nem ser amado Pede ao pecado que te recompense. Pois não sabes na vida quando vence Aquele que do amor é derrotado E que mesmo depois de abandonado Mais se arrebata e menos se convence. É que não pode ter amor quem pensa Que ser preso do amor é uma peçonha Ser deixado por ele é uma sentença. Já não há lei que o coração disponha Senão aquela de sofrer a ofensa De uma paixão maior do que a vergonha. V Tu que não podes dominar a morte Porque não sabes enfrentar a vida Que te socorres da razão perdida Por covardia de quem teme a sorte; Tu que não queres te fazer mais forte Para não ter a força repartida Que preferes fugir à dura lida Para pedir a alguém que te conforte; Tu que iludes o todo de que és parte E procuras no tempo que te farte A alegria do sonho que diverte; Busca na vida o dom de arrepender-te Busca na morte a fé que te liberte Busca em ti mesmo a força de salvar-te. VII Paragens, vistas, vargens preferidas, Cada vez mais se alongam dos meus olhos De abrolhos das cidades homicidas Fujo nos velhos textos dos infólios. É lá onde as maldades desta vida No misticismo livre dos escolhos Rendem-se à fé de uma alma posta em giolhos Na úmida paz tranqüila das ermidas. É lá que a claridade me ilumina: Da magia das letras e dos nomes À pureza do estilo que domina E se já não sei mais onde termina A perdida ilusão de tantos homens Sei do encanto onde o sonho se imagina. X Tu finges que és feliz e em ti persiste A miséria de todos os humanos Se os anos da existência foram tristes Não há por que ocultar teus próprios danos. Fizeste pela vida tantos planos E nenhum de teus planos construíste Tudo aquilo que um dia possuíste Foi poeira na estrada de teus anos. A velha eternidade te carrega No seu colo triunfal de fantasia Mas foge o tempo e a morte ainda não chega. Buscas a Deus e o mesmo Deus te nega O coração do céu que se anuncia: Pois Deus existe mas jamais se entrega. XIII Tenho o corpo cansado mas sem sono E o cérebro de idéias agitado Quisera ter a calma do abandono Para morrer um dia sossegado. Meu pensamento já não tem mais dono Já tantos sonhos tenho imaginado Que não sei mais se creio ou me questiono Se fracassei ou se nasci errado. E me pergunto o que é ser vitorioso Neste mundo de fúrias e de gozos De infortúnios de fraudes e de fama? Custo a lembrar as ilusões de um vício: Como se chama mesmo esse exercício Que faz morrer e amar na mesma cama? XIX A esperança que sempre me mentia E todavia não me abandonava Não era em vão que outrora prometia Que me iludia e me desenganava. Cheio de mágoa, farto de alegria Eu a perdia e logo a procurava Se não a achava ou se ela se escondia Mais a queria, mais a imaginava. Que seria da vida sem mentira Sem o sonho de amor que se suspira Para fingir que é doida esta saudade? Pois o amor que nos tenta e nos inspira A dor maior que nos sustenta a lira É uma mentira vinda da verdade. XLI Os antigos mandavam que jurasses E não mentisses ante teu Senhor Mas se jurasses só de assim supor Não caberia mais que duvidasses; E quando a porta da calúnia entrasses E a verdade ocultasses por temor Não saberias encobrir a dor Que faz correr a lágrima nas faces: Pois teu direito à dúvida é sagrado À descoberta da razão mais justa Que hoje é robusta e já depois não presta. O homem do povo é tanto mais honrado Quanto mais sabe o esforço que lhe custa Colher na dúvida a verdade honesta.
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |