|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Felipe Fortuna (Rio de Janeiro RJ 1963)

Além de diplomata e ensaísta, tem presença notada na poesia contemporânea, embora com raros sonetos. Sua esmerada reconstituição dos pormenores, inclusive eróticos, vale, por si só, a atenção de quem cultiva o gênero.


PREMIÈRE

Não me lembro de sua pele, mas do púbis
sobre ácida brancura de fruta e de sexo.
Do sorriso, não sei se alguma vez foi dúbio,
se alguma vez foi súbito, se longe ou perto.

Conheço o que doeu, conheço o que lambi
(e o sabor era muito do que Você disse),
porém quem me chamou, deitado, aberto, ambíguo,
foi seu corpo no meu, com voz de precipício.

Quando acordei, já tinha sido: um tiro a esmo
que perfurou a noite e só feriu o sono
e ensangüentou os braços dados de nós mesmos.

Ninguém se lembrará, mas eu me lembro: outono
que não volta tão cedo, em cuja madrugada
a mulher me falou que estava sendo amada.


SERES [12]

E com o pôr-do-sol no próprio rosto
eles se pintam da cor estática,
rubros do vermelho-indo do sol-posto.
A rotação ali é matemática:
como girassóis, eles também giram
e seus olhos — não os cegos — são placas,
placas fotografadas que reagiram
à cor comum das luzes e das facas,
pois todas machucam no mesmo braço.
E esse sol-oposto à terra contrai-se
de si mesmo, no precipício exangue
onde as pedras são coaguladas. Quando se vai,
mesmo a cáustica luz existente
é, calcada no céu, uma semente.


SERES [13]

Todos os seres são intermitentes,
e em cada vão, vão pedaço de si,
há partes conflitantes, diferentes,
entremeadas de corpos aniqui-
lados. E o tempo lhes dá forma: dá-lhes
também os percursos silenciosos, leves,
de seus cabelos e de seus retalhos
expostos à margem, como relevos,
como entranhas, como sinais, montanha
súbita, longitudes, lago inverso,
— e seus desejos acontecem amanhã:
uma paixão tão frontal que o reverso
é essa mesma paixão, a mesma fé,
tão infinita que vai daqui até.


Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes