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Maria José Giglio (São Paulo SP 1933)
A despeito da qualidade e do luxo da edição, seu livro de sonetos não
esconde algumas falhas de revisão na ortografia ou na pontuação,
certamente não devidas à autora, cuja poética é rica de imagens,
requintada no vocabulário e preciosa nas rimas, revelando a segurança da
sonetista.
[1] Abre-se assim o livro da magia que Wagner recompôs em teu olhar, desdobrado em volutas de harmonia seu longínquo chamado tutelar. Quebra-se em sons a vida quando o dia adormece em meus olhos devagar, e tua voz já não me diz Maria porque o silêncio não tem nome a dar. De longe venho palmilhando o rastro daquela morta em tua mão de seda ferida de ouro em mesa de alabastro. Regresso ao tempo, Amado, não me oponho, a sangrar outra vez pela alameda onde em versos deliras o meu sonho. [2] Na torre de cristal de outra manhã meu coração, relógio sublimado, tange a lenda augural de um talismã ao balanço do tempo não contado. Na senda de veludo onde satã esquece as rosas que lhe tenho dado, estão florindo os dentes na maçã da fêmea definida em seu pecado. Vem, entre a fonte e o mar medeia um passo, deixemos para trás esse brinquedo de matéria inferior chamado vida. Que a inumana coragem desse laço gerado ao ventre estéril de um bruxedo imponha compaixão a um deus suicida. [3] Ao meu lado caminha a que não fui, aquela seduzida na voragem dessa trepidação, onde evolui o segredo da forma e da linguagem. Ao meu lado caminha e se dilui aos longes inexatos da paisagem essa que é toda essência e a alma flui retida nos contornos desta imagem. Quando eu dormir, intrínseca em meu sono, igual ao fruto no doirado outono seiva e semente retornado à terra, a que eu não fui, vertida em meus refolhos, falará do fascínio de teus olhos na penumbra de carne desta espera. [4] Não se deve gritar ao surdo vento a canção destinada a ser ouvida na glória silenciosa de um momento no efêmero momento de uma vida. Não se deve pedir ao isolamento a comunhão ao gênio oferecida, na face opaca do deslumbramento espelha-se a maldade enlanguecida. Não bastam para a vida os temas puros, não dês à morte falsos esconjuros que vida e morte se rirão de ti. Ama, inda que esse amor semelhe um crime pois só o amor de teu amor redime a dispersão das almas que perdi. [5] Vem ver, a tarde-ventre deslumbrado aos braços nupciais de um sol galante, acima em conchas-luz transfigurado o líquido mistério da vazante. Vem ver, a noite é lenço perfumado no bolso esquerdo do menino errante, e no êxtase noturno revelado o morno mar de espuma do levante. Vem ver! Doida ilusão, convite louco, se cruzando o ocidente ainda há pouco o mundo ocaso transcendeste em riso! Como supor-te além desta beleza? Não se repara ao rei sua realeza não se rouba do céu o paraíso. [7] Abriste a porta, secular dormida, e o vulto projetado pela luz é tua mão à minha mão unida sobre a resposta muda de uma cruz. Ousaste a dúvida adentrando a ermida e não sabes quem segue ou quem conduz; a tua fronte em minha fronte erguida, a espada em fogo a rosa reproduz. Escutas meu silêncio, reconheces a linguagem há tanto decifrada no murmúrio da noite que adormeces. Sofres o arfar das asas que levanto neste fugir de estrela rebordada no tecido incorpóreo de teu manto. [10] Quero um grito de luz! Dá-me outra voz Silêncio! Uma palavra não marcada pelo Conhecimento, esse albatroz, orgulho em vôo na várgea desolada. Quero ir mais alto, quero ir empós de uma verdade nova, humanizada. Ó vidente memória, deus em nós, se morrer é teu fim, a vida é nada. Pudesse crer naquela idéia eterna revelado atavismo donde inverna o primitivo ciclo da espiral. Ou crer na Mente-livre, crer no axioma a herança celular apenas soma a consciência imperfeita, matinal. [14] O ramo verde no telhado escuro guarnece em noite o colo da montanha. Um passo murmurando o velho muro eriça o pêlo o vento, e ladra e assanha a matilha das folhas. Inseguro dedilha o ramo as telhas, se emaranha ao traçado das ancas, num apuro de remissão à espécie na façanha de ser. Clorofilado orgasmo unindo ao cansaço da terra aquela estrela no impulso germinal. Seiva florindo escamas nas marés, genes no derma, gotas de mel nas asas de uma abelha, galáxias de albumina em teu esperma. [16] Em tua mão a minha onde a penumbra nivela em sons os vultos e as ravinas, ouço fluir a seiva que ressumbra no riso ponteagudo das esquinas. Em tua mão a minha e me deslumbra a mutação da face e das retinas, o sono prende, circunvaga e obumbra a moldura das horas e das sinas. Em tua mão a minha onde o silêncio é o retinir do címbalo que esfria na escala eterna do teclado imenso. Em tua mão a minha onde as esferas traçam claves de fá no olhar do dia e escrevem astros através das eras. [19] O palco não descansa, segue a vida ribalta histérica a parir magia... Um coelho de cetim, branco suicida delira aplausos na cartola fria. Iluminem gambiarras! Divertida assisto-me a dublar a litania. Gargalha a gis a Face distendida alegre por direito e hierarquia. Se cai o pano vê-se atrás dos frisos a claque badalando trinta guizos venderam a alma no bazar da esquina. Conheço o picadeiro... Na platéia sei do rumor faminto da colméia e as flores de acetato e purpurina.
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