|| | ||S|| | ||O|| | ||N|| | ||E|| | ||T|| | ||Á|| | ||R|| | ||I|| | ||O|| | ||||| | ||||| | ||||| | || |
José Guilherme de Araújo Jorge (Tarauacá AC 1914 - 1987)
Desdenhado por alguns como apelativamente sentimental, o fato é que
soneta com impecável perícia, tanto no alexandrino (seu preferido)
quanto no deca, e está entre os pouquíssimos poetas brasileiros que
vendem muito e tiram sucessivas reedições, donde o despeito de colegas e
críticos. De sua opulenta produção destaco abaixo alguns dos que fizeram
mais sucesso, associando a imagem do autor a um lirismo de gosto
popular.
AMO! Amo a terra! Amo o sol! Amo o céu! Amo o mar! Amo a vida! Amo a luz! Amo as árvores! Amo a poesia que escrevo e entusiasta declamo aos que sentem como eu a alegria de amar! Amo a noite! Amo a antiga palidez do luar! A flor presa aos cabelos soltos de algum ramo! Uma folha que cai! Um perfume pelo ar onde um desejo extinto sem querer inflamo! Amo os rios! E a estranha solidão em festa, dessa alma que possuo multiforme e inquieta como a alma multiforme e inquieta da floresta! Amo a cor que há nos sons! Amo os sons que há na cor! E em mim mesmo, amo a glória de sentir-me um Poeta e amar imensamente o meu imenso amor!... VERSOS A MIM MESMO Anda! Segue a cantar!... Fala aos outros da Vida livre, e pura, e feliz, e esplêndida, e radiosa! Luta por teu amor! E a alma em ânsia possuída segundo por segundo os teus segundos goza! Que a vida é pura e é boa, e chega a ser formosa quando pode afinal ser amada e vivida, se o dinheiro é a moral, e a força é a lei honrosa, vive livre e sem leis que a Terra está perdida! Se falarem de templos, olha o céu!... te basta! Se falarem de fé, adora a terra!... é tua! E que no teu viver errante e iconoclasta ergas sempre o teu verbo olímpico e pagão diante da multidão que vacila e recua arrastando à hecatombe a civilização! FILOSOFIA Dentro do meu olhar altivo de descrença não tenho uma atitude humilde e irrefletida, olho os homens de cima, e trago de nascença um íntimo desdém superior pela vida... Não me irrito e não choro. À pedra desferida contra mim que em minha alma abre uma chaga imensa sorriso... E o meu sorriso é a dor, quase esquecida, que nos lábios transformo em fria indiferença... A vida toda é vã. Resumo a vida nessa mistura com que fiz minha filosofia: um verso de Leoni e um mau sorriso de Eça... Um olhar de desdém numa alma de fumaça, e a superioridade fina da ironia de quem sabe que tudo é uma ilusão que passa! ALEGRIA! Há alegria no sol que num triunfal rompante como um broto de luz que rompesse as entranhas da terra, surge além pelas sombras, distante, a incendiar como um louco a encosta das montanhas! Há alegria no mar onde as conchas apanhas! Na noite mansa e azul, silenciosa e brilhante, e nas nuvens que no ar tomam formas estranhas, nas mãos ágeis do vento irrequieto e inconstante! Há alegria nas ruas, nas flores, nas aves que enchem ramos e céus de melodias suaves, e em meus olhos tristonhos refletindo os teus... Alegria não há, no entanto, mais completa que essa que canta e ri no coração de um Poeta quando ao findar de um poema se imagina um Deus! NATURISMO Foi aprendendo a ler que aprendi a pensar e hoje pelo pensar sou um degenerado, já foi puro o meu Ser, tal como a luz e o ar, como o ar e a luz de um céu sereno e descampado... Bem que podia ter esse olhar encantado do homem que não sabia onde parava o Mar... Sendo bruto, talvez eu me fizesse amado! Bruto, que importa? ao menos poderia amar! Teria por meu templo o côncavo profundo dos céus, e a religião que acaso professasse correria sem deuses, livre, pelo mundo... No pedestal da ciência: a beleza sem véus! E o mais sábio seria o ignorante que amasse a música da Terra e a poesia dos Céus! VELHA IMAGEM Trago essa alma de um rio e parar não consigo. Avanço!... e hei de acabar sozinho, sem ter nada... As mulheres que amei, já esqueci-as!... bendigo a paisagem que passa e se some apressada!... Explicar não sei bem o que se dá comigo, minha vida se vai, por minha alma levada como um barco sem rumo em constante perigo à tona d'água livre em revolta enxurrada! Sou arrastado assim... e assim vou para a frente, são as águas levando pela corredeira o barco sem governo ao sabor da corrente... Até que a minha vida, arremessada ao léu, se arrebente ao rolar de uma queda traiçoeira enquanto a alma em vapor de espumas sobe ao céu! VERSOS A UM SÁBIO Por que te atormentares? Rasga toda a ciência! Odeia a esse que um dia te ensinou a ler. Destrói deuses eunucos, nega a onipotência gerada por ti mesmo para o teu sofrer! É inútil a descida aos socavões do Ser para chegar-se à fonte ignota da existência... Está, nessa tua ânsia eterna de crescer a causa subterrânea de uma decadência... Não vale a pena o esforço ingente da subida... Se queres um conselho, volta ao homem são e feliz, que primeiro despertou na vida... Volta a ser livre! Adora a natureza e o amor! Foi com a tua ciência e a tua religião que inventaste a miséria... e descobriste a dor! CONSELHO Não protestes! Que adianta? E não te desesperes! Vive a vida, e compreende esse determinismo das forças naturais que regem o organismo social, onde se encontram homens e mulheres... Já não podes voltar se vais em pleno abismo! Se te ferem, perdoa... E enquanto tu puderes não entoes o canto vil dos misereres mas canta um hino ousado ao teu estoicismo! Procura, e encontrarás um pouco de beleza, que a Beleza ainda vive, exilada e perdida muito longe dos homens, pela natureza... E seja o teu consolo, a superioridade com que sofres calado os reveses da Vida, sem um grito de dor!... ou um gesto de vaidade! VERSOS A JESUS Serviu-te a manjedoura humilde de começo, nem palácios reais, nem berços de cetim... aliás, para pregares a obra que conheço tu só podias mesmo ter nascido assim... Decorei tua história e dela não me esqueço porque sei que tu foste humano e igual a mim! e sofreste, e sonhaste, e pagaste por preço do teu sonho o Calvário que aureolou teu fim! Sem falsas liturgias revelaste a Vida, e curvado, com o peso da cruz sobre os ombros sangraste os pés desnudos na íngreme subida... Inútil sacrifício!... Hoje, apóstolos teus reduzindo a grandeza do teu sonho a escombros mercadejam teus restos em nome de Deus! SONETO A ARIEL Arquiteto do sonho, escultor da Poesia, desenhei num projeto de ilusão dourada, o templo de cristal da minha fantasia à beira de uma fonte irrequieta e encantada. Ergo o meu templo no alto, sobre a escadaria das minhas emoções, e o mármore da escada é rubro, e vou fazendo essa obra, na alegria do sonho, e na tristeza da alma já cansada... Há colunas de pé, hieráticas, serenas, relembrando a visão do Partenon de Atenas num tempo em que os heróis eram deuses no céu... E quem entra, percebe, no interior em calma, o esboço de uma estátua, onde plasmo a minha alma feita apenas de luz... como a estátua de Ariel! VERSOS A UMA TAÇA Nasceu para servir ao estranho ritual dos festins, no cristal puríssimo, sem jaça reflete da loucura o cortejo triunfal que alegre, ao seu redor, todas as noites, passa... Quanta dor já entornou! Quanta alma turva e baça já a ergueu na ilusão de esquecer o seu mal... Leva o vinho que apaga a tristeza e a desgraça e põe na boca um riso inconsciente e boçal!... Destino estranho o seu! No seu cristal sem bruma vive num mundo à parte, e insensível parece ao vinho que transborda e ao champanha que espuma... E boêmia há de acabar, num último tinir como as almas que embriaga, e aniquila, e enlouquece, do seu próprio destino... espedaçada, a rir! VERSOS A UMA CIGARRA Ela cantou lá fora o dia inteiro veio hoje à tarde morrer aqui na minha mesa... meu olhar que ainda há pouco estava alegre e cheio de luz, turvou-se agora em singular tristeza... Ouço (e já ouvir não posso), o estrídulo gorjeio que é a marcha funeral da tarde azul-turquesa, sobre a folha do bloco onde ela está, releio um verso que hoje fiz ao sol e à natureza! Ela andava lá fora, era a boêmia do céu! Mas na hora de morrer, trocou o azul de anil pela folha de um simples bloco de papel... Na tristeza em que estou, ao menos me conforta saber, que aquele poema que escrevi, serviu para embalar o sono da cigarra morta! A VIDA (I) "...Mudarás, todos mudam, e os espinhos com surpresa verás por todo lado, são assim nesta vida os seus caminhos desde que o homem no mundo tem andado... Não hás de ser o eterno enamorado com as mãos e os lábios cheios de carinhos, hoje, juntos os dois... tudo encantado! amanhã, tudo triste!... os dois sozinhos!... E sentindo o teu braço então vazio, abatido verás que não resistes à inclemência do tempo úmido e frio! Rolarás por escarpas e barrancos: sobre o epitáfio dos teus olhos tristes trazendo a campa dos cabelos brancos! A VIDA (II) "...Tem sido assim e assim será... Mais tarde o que hoje pensas chamarás: quimera! E esse esplendor que nos teus olhos arde, será a visão de extinta primavera... Escondido à traição, como uma fera, bem em silêncio, e sem fazer alarde, o Destino que é mau e que é covarde, naquela sombra adiante já te espera! E num requinte de perversidade faz de cada ilusão, de cada sonho, a ruína de uma dor... e uma saudade... E se voltares, notarás então desesperado, ao teu olhar tristonho que em vão sonhaste... e que viveste em vão!... A VIDA (III) "...A vida é assim, segue e verás, a vida é um dia de esperança, um longo poente de incertezas cruéis, e finalmente a grande noite estranha e dolorida... Hoje o sol, hoje a luz, hoje contente a estrada a percorrer suave e florida... amanhã, pela sombra, inutilmente outra sombra a vagar, triste e perdida... A vida é assim, é um dia de esperança, uma réstia de luz entre dois ramos que a noite envolve cedo, sem tardança... E quando as sombras chegam, nós, ao vê-las, ainda somos felizes se encontramos a saudade infinita das estrelas!... A VIDA (IV) "...A vida é assim, uma ânsia... feito a vaga que se ergue e rola a espumejar na areia, por esse bem que a tua mão semeia espera o mal que ainda terás por paga! A essa hora boa que te agrada e enleia sucede uma outra torturante e aziaga, a vida é assim... um canto de sereia que à morte nos convida, e nos afaga... O teu sonho melhor bem pouco dura, e há sempre 'um amanhã' cheio de dor para 'um hoje' nem sempre de ventura... Toma entre as mãos o búzio da alegria e surpreso verás que no interior canta profunda e imensa nostalgia!..." A VIDA (V) Isso tudo nos dizem, entretanto nós dois seguimos braços dados, creio que se tu sabes que te adoro tanto do que ouviste talvez não tens receio... A vida, é o nosso amor, o nosso encanto! Nem a podemos mais parar no meio... Chorar? bem sei que choras, mas teu pranto é a alegria que canta no teu seio... O mundo é bom e nós o cremos, basta! E se um amor tão grande nos enleva e pela vida unidos nos arrasta, que eu te abrace e te apóies sempre em mim, e desafiando o mundo envolto em treva sigamos juntos para um mesmo fim! COLEGIAL Gosto de vê-la, sim... Quando à tarde ela vem, fisionomia suave, ingenuamente franca... Toda a rua se alegra, e eu me alegro também com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca... Quantos nadas de sonho o seu olhar contém! A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca. Gosto de vê-la, sim... E ficam-lhe tão bem aquela saia azul, e aquela blusa branca... Azul: azul é a cor da vida que ela sonha! E branca: branca é a cor da sua alma de criança onde ela própria se olha irrequieta e risonha... Feliz... Não tem presente e ainda nem tem passado... Só o futuro, e o futuro é uma imensa esperança um mundo que ainda fica oculto do outro lado! NÚPCIAS PAGÃS Braços dados, nós dois, vamos sozinhos... O teu olhar de encantamento espraias pelas curvas e sombras dos caminhos debruados de jasmins e samambaias... Há queixumes de amor na alma dos ninhos e as nuvens lembram danças de cambraias... na minha mão ansiosa de carinhos tonta de amor, a tua mão, desmaias... Andamos sobre painas... entre alfombras... E à luz frouxa da tarde em desalento misturam-se no chão as nossas sombras... Aqui... Há rosas soltas, desfolhadas... Nada receies, meu amor é o vento em marcha nupcial pelas ramadas!... CIÚME Encontro em ti tudo o que imaginara na mulher, para ser o meu ideal; não é só teu olhar, tua voz clara, e essa expressão que tens sentimental... Nem essa graça ingênua, hoje tão rara, de quem não sabe onde se encontra o mal, ou teu riso feliz, que se compara ao tinir de uma taça de cristal... É tudo em ti, traço por traço, tudo! As tuas mãos são rendas de ternura; teus carinhos, macios, de veludo. Por isso mesmo é que é maior a dor, quando amargo a mais íntima tortura por não ter sido o teu primeiro amor... MASCARADOS Mascarados os dois, eu, mascarado na hipocrisia com que iludo a vida, tu, na aparência inútil e fingida que usas na rua com o maior cuidado... Passas por mim, e segues ao meu lado como uma outra qualquer desconhecida, quem há de imaginar nosso passado e a intimidade entre nós dois perdida?... Ninguém... Certo ninguém pensa e adivinha porque eu não digo e porque tu não dizes que eu já fui teu... e que tu foste minha... Mas, quanta vez, amargurado, penso em como nos sentimos infelizes no carnaval do nosso orgulho imenso! FIM... Nem foi mesmo preciso que você falasse, era um pressentimento antigo dentro em mim, há muito, na expressão que havia em sua face via que o nosso amor ia chegando ao fim... Hoje, para encontrá-la, eu quase que não vim... Era o medo covarde deste desenlace... E tudo terminou... e foi melhor assim talvez, para você, que tudo terminasse... Nosso amor, e ninguém há de saber porquê, morreu (bem que o sentimos pelo nosso olhar), e não somos culpados nem eu, nem você... E o que é estranho afinal é que tudo acabasse, sem que nenhum de nós falasse em terminar, e assim como se tudo ainda continuasse... INSATISFEITO Quem ler os versos meus onde há certa tristeza e certo desencanto suave e contrafeito, poderá num momento pensar, com certeza, que trago inutilmente um coração no peito!... E que vivo afinal inquieto e insatisfeito de paixão em paixão... de surpresa em surpresa; como um rio a mudar o curso do seu leito sem saber onde o arrasta a própria correnteza! E acertará talvez, pois falta essa mulher que consiga escrever seu nome em minha vida sem deixar no passado outro nome qualquer... Falta-me um grande amor... Falta-me tudo em suma! E sinto a alma vazia, estranha e incompreendida por ter amado tantas sem amar nenhuma! INCOERÊNCIA? Achas-me indiferente... e até crês que há desdém quando falo de amor em palavras singelas... pensas que as juras todas que já ouviste, aquelas juras, a outras mulheres vou fazer também... Dizes que não te quero... E eu te pergunto: a quem devo tudo o que fiz, as poesias mais belas? outras dirão talvez que as fiz pensando nelas, mas todas te pertencem mais do que a ninguém! Não vês que o que te cerca é a mentira da vida... nem sabes descobrir essa paixão imensa que o meu orgulho torna egoísta e dolorida... Não vês que o meu viver é falso, e se resume em te amar como um louco em minha indiferença, e fingir que amo as outras para o teu ciúme! NOIVA Ei-la toda de branco. Aos pés, o imenso véu como em flocos de espuma, espalhado no chão... No olhar, dentro do olhar, cabe inteirinho um céu, e leva um céu maior dentro do coração... Nos lábios... Ah! nos lábios há o sabor do mel, e uma carícia em flor se entreabre em cada mão, e que tremor no braço, ao deixar no papel o nome dela, o dele... o dos dois desde então... Quem lhe falou da vida? A vida é um sonho, a vida é esse caminho azul, esse estranho embaraço de sentir-se ao seu lado adorada e querida... Aos seus pés, como nuvem branca, o imenso véu... Quem dirá, que ao seguir apoiada ao seu braço não pensa que caminha em direção do céu?... GATA ANGORÁ Sobre a almofada rica e em veludo estofada caprichosa e indolente como uma odalisca ela estira o seu corpo de pelúcia, e risca um estranho bordado ao centro da almofada... Mal eu chego, ela vem... (nunca a encontrei arisca) sempre esse ar de amorosa; a cauda abandonada como uma pluma solta, pelo chão deixada, e o olhar, feito uma brasa acesa que faísca! Mal eu chego, e ela vem... lânguida, preguiçosa, roçar pelos meus pés a pelúcia, de prata, como a implorar carícias, tímida e medrosa... E tem tal expressão, e um tal jeito qualquer, que às vezes, chego mesmo a pensar que essa gata traz no corpo escondida uma alma de mulher! TIMIDEZ Eu sei que é sempre assim, longe dela imagino mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor, perto dela, meu Deus!... lembro mais um menino que esquecesse a lição diante do professor... Penso, que a minha voz terá sons de violino enchendo os seus ouvidos de canções de amor, e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino dos meus beijos, no instante em que minha ela for... Ao seu lado, no entanto, encabulo, emudeço, e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam, eu, de tudo, das cousas, de mim mesmo, esqueço... E ficamos assim, ela em silêncio... eu, mudo... Mas meus olhos, nem sei... ah! quantas cousas falam! e seus olhos, seus olhos!... dizem tudo, tudo! PENSANDO NELA Neste instante em que escrevo, estou pensando nela, longe de mim, no entanto, em que estará pensando? quem sabe se a sonhar, debruçada à janela recorda o nosso amor, a sorrir, vez em quando... Ou terá tal como eu, esse ar de alguém que vela um sonho que estivesse em nosso olhar flutuando? Ou quem sabe se dorme, e adormecida e bela o luar lhe vai beijar os lábios, suave e brando... Invejaria o luar!... É tarde, estou sozinho, ela dorme talvez, e não sabe que ao lado do seu leito, a minha alma ronda de mansinho... Nem vê meu pensamento entrar pela janela e ir na ponta dos pés, murmurar ajoelhado este verso de amor que fiz, pensando nela! PASSIONAL És lânguida e amorosa quando estás sozinha e em teu corpo perfeito este amor apoteosas! Nos teus olhos distantes, tudo se adivinha e há em teu beijo um sabor encarnado de rosas! Nasceste com certeza para ser rainha, e o serias na certa, das mais poderosas! no entanto, aqui te tenho escrava, e sendo minha cabes toda e inteirinha em minhas mãos nervosas! Os teus cabelos louros, soltos sobre o leito espalham-se em meu ombro, emolduram teu rosto, e, quando assim te sinto abatida em meu peito os teus olhos castanhos, místicos, oblongos, vão morrendo em desmaios roxos de sol posto sob a noite de seda dos teus cílios longos! MENTIRA... Tanta cousa passou... E, no entanto, vivemos noutros tempos, felizes, como namorados... Nossa vida... ora a vida, era um barco sem remos, levando-nos ao léu... a sonhar acordados... Ontem juntos, felizes... hoje, separados, (não pensei que este amor chegasse a tais extremos...) E sorrimos em vão... sorrimos conformados na mentira cruel de que a tudo esquecemos... Cruzamos nossos passos muita vez: é a vida! eu, volto o rosto (fraco à paixão que ainda sinto), tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída... Mentira inútil, cruel... se ontem, tal como agora, tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto, e eu sei quanto este amor te atormenta e devora! MEU CALVÁRIO Ando sempre a seguir-te... a buscar-te distante como a visão que anseio e os olhos me seduz, e espero te encontrar, sentir de perto a luz do teu olhar feliz em êxtase constante... Mas tu foges de mim, foges a cada instante, e eu que a este andar eterno já me predispus, embora às vezes pare, sigo logo adiante sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz! Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento cresce à frente de mim, no entanto, o imaginário desejo de alcançar-te ergue o meu desalento... E, após tanto sofrer, sentir-me-ei consolado, se ao cair no caminho... e ao fim do meu Calvário for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado! AQUARELA Pelo jardim (será o jardim dos poetas?), andam sombras aos pares enlaçadas, no alto, trançam-se todas as ramadas cheias de flores, de botões repletas... Ainda se ouvem das aves atrasadas um ruflar de asas trêmulas e inquietas, andam faunos e ninfas nas estradas à procura das sombras mais discretas... Vivem beijos pelo ar; morrem suspiros! e criança, pés descalços, corre o vento na quietude amorosa dos retiros... Todos se amam, meu Deus! E eu só, sozinho! Quem me dera afinal neste momento vê-la cruzar adiante em meu caminho! POR QUÊ? Foi tudo uma surpresa, tudo de repente, talvez nenhum de nós saiba explicar porquê, você deixou de ser o que era antigamente e o que era antigamente eu já não sou, se vê... Eu era um seu amigo. E para mim, você por muito tempo foi a amiga e a confidente, deixei-a ler, assim como um cigano lê nas mãos, toda a minha alma indiferentemente... Por muito tempo, os dois, felizes nos julgamos, até que certo dia... (e eu não lhe disse nada nem você disse nada) nós nos afastamos... Hoje você me evita... Hoje evito a você... E seguimos então, cada um por sua estrada sem que nenhum de nós saiba explicar porquê... POUSO Pervaguei muito tempo à procura de um pouso como alguém que batesse em vão de porta em porta, meu olhar parecia perguntar ansioso: quem me dá sua mão?... quem minha alma conforta? Caminheiro sem rumo, a alma já quase morta, via ao longe o caminho intérmino e sinuoso... (quanta cousa afinal na vida se suporta antes de conseguir-se um pouco de repouso!) Minha vida era assim... uma estrada vazia... E eu caminhava a olhar buscando o que surgisse à frente, e ao meu redor tudo aos poucos fugia... Até que te encontrei!... E se não te encontrasse, talvez que há muito tempo eu já não existisse! talvez que há muito tempo eu já não caminhasse! DEDICATÓRIA Este meu livro é todo teu, repara que ele traduz em sua humilde glória verso por verso, a estranha trajetória desta nossa afeição ciumenta e rara. Beijos, saudades, sonhos... Nem notara tanta cousa afinal na nossa história... E este verso, é a feliz dedicatória onde a minha alma inteira se declara... Abre este livro... E encontrarás então teu coração de amor rindo e cantando, cantando e rindo com o meu coração... E se o leres mais alto, quando a sós, é como se estivesses me escutando falar de amor com a tua própria voz! MEU CÉU INTERIOR Se esses teus olhos, no meu livro, imersos, encontrarem diversas emoções, não tentes decifrar: mil corações nós os temos num só, todos diversos... Os meus poemas aqui, vivem dispersos, como as estrelas... e as constelações no céu das minhas íntimas visões, no "meu céu interior..." cheio de versos. Não procures um poeta compreender... Os versos que umas cousas nos desnudam, outras cousas, ocultam, sem querer... Uns, são felizes... Outros, ao contrário... No rosário da vida, as contas mudam, e os versos são as contas de um rosário!... FREIRA Em teu calmo semblante e em teu olhar parado há perdido, bem sei, um mistério qualquer... Quem sabe se pecaste... e se foi teu pecado que te fez esquecer que és bela e que és mulher?... Hoje és santa... O passado passou, é o passado... dele já não terás uma ilusão sequer... E o amor que se tornou funesto e amargurado sepultas no silêncio... e em teu árduo mister... Mais à frente está a vida... a vida humana e bela! Teu presente é uma prece; teu passado: um poema; teu futuro: um rosário, um altar, uma cela... Evadida do mundo, ao ver-te, à luz do dia, não sei se te admire a renúncia suprema, ou se lastime a tua imensa covardia! ÚLTIMO VESTÍGIO Tu deves te lembrar: aquela casa antiga entre o verde bambual e a frondosa mangueira, a varanda, a esconder-se sob a trepadeira, e o riacho a marulhar sua velha cantiga... As flores... o jardim... a estrada: uma alva esteira onde nós a sonhar andamos sem fadiga olhando para o céu, tudo isso minha amiga mudou... A nossa vida é mesmo passageira... As paisagens de outrora, estranhos transformaram: o jardim... o bambual... a estrada, e até nem sei se as águas do regato os anos não pararam... Uma cousa porém, existe, eu vi depois: é aquele coração com os nomes que eu gravei no tronco da mangueira a relembrar nós dois!... À ESPERA Ela tarda... E eu me sinto inquieto, quando julgo vê-la surgir, num vulto, adiante, os lábios frios, trêmula, ofegante, os seus olhos nos meus, linda, fitando... O céu desfaz-se em luar... Um vento brando nas folhagens cicia, acariciante, enquanto com o olhar terno de amante fico à sombra da noite perscrutando... E ela não vem... Aumenta-me a ansiedade... O segundo que passa e me tortura, é o segundo sem fim da eternidade... Mas, eis que ela aparece de repente!... E eu feliz, chego a crer que igual ventura bem valia esperar-se eternamente!... SURPRESA Começamos assim: eu, tendo em mente, fingir gostar apenas, namorar, como chamam na vida comumente aos primeiros encontros de algum par... Tu, disposta a prender-me ao teu olhar por um mero capricho, e fatalmente, depois que eu me curvasse a te adorar trocar-me-ias por outro facilmente... Começamos assim, logo, no entanto, aquilo que pensei, não consegui, nem conseguiste o que querias tanto... E afinal, que belíssima surpresa!... Eu, de tanto fingir: gostei de ti! Tu, querendo prender: ficaste presa!... LÁGRIMA Orvalho do sofrer dentro do peito nasce e nos olhos em pranto sem querer floresce; aumenta a pouco e pouco, e cada vez mais cresce... e rola finalmente em gotas pela face... Sublime florescer da dor se ela falasse diria para o mundo a mais sentida prece, no entanto, em seu silêncio humilde é que enternece pois guarda na mudez um triste desenlace... Repentina, ela brota, assim como se fosse (de um mar que em nosso peito as ondas estrugisse) uma gota que o vento, aos nossos olhos, trouxe... Nuns olhos de mulher, porém, ainda não disse: é a pérola de um mar completamente doce, de um mar feito de amor... de sonho e de meiguice! MULHER "Já é demais! me disseste, o teu ciúme é irritante e há de acabar na certa por nos indispor, fazes do meu viver um martírio constante e ao que vês, tu dás sempre afinal outra cor!" Eu resolvi então, daquele dia em diante, sem nada te dizer, e sem nada propor, sufocar esse amor egoísta e dominante e o ciúme... que era o fel que punha em nosso amor! Hoje... Tu sofres mais quando em minha presença... E há pouco, (creio até que bateste com os pés!) já achavas ser demais a minha indiferença... E possa eu compreender, afinal, o que queres, quando enfim descobri, sem surpresa, que tu és incoerente... e igualzinha a todas as mulheres! CARTAS Vou correndo a buscá-las, são tão leves mas trazem à minha alma um grande encanto, por que as cartas que escreves custam tanto? por que demora tanto o que me escreves? Não deves torturar-me assim, não deves, do teu silêncio muita vez me espanto... Mando-te longas cartas, e entretanto como as tuas respostas são tão breves!... Recebes cartas minhas todo dia, e elas não dizem tudo o que eu queria mas falam-te de amor... de cousas belas. Tuas cartas... Mas dou-te o meu perdão... Que me importa afinal ter a razão, se gosto tanto de esperar por elas! FATALISMO Se eu for contar, hão de sorrir talvez... é o fim de um grande amor sereno e nobre que um fatalismo estranho já desfez com razões torpes que este mundo encobre... Morreu... e que se apague de uma vez! que dele nada subsista ou sobre... onde a pureza e o amor?... se a vida fez um nascer rico e o outro nascer pobre? Que guardem esse amor. Eu o desconheço. Não tenho em moedas o seu alto preço e sou feliz por ser tão desgraçado. Que o guardem!... Para os ricos! Para os reis! o amor que eu quero não tem preço ao lado, não tem correntes, nem conhece leis! O VERBO AMAR "Te amei": era de longe que te olhava e de longe me olhavas vagamente... Ah, quanta coisa nesse tempo a gente sente, que a alma da gente faz escrava... "Te amava": como inquieto adolescente, tremendo ao te enlaçar... E te enlaçava adivinhando esse mistério ardente do mundo, em cada beijo que te dava! "Te amo": e com o tempo, assim, vou conjugando os tempos todos desse amor, enquanto segue a vida, vivendo... e eu, vou "te amando"... "Te amar" é mais que um verbo, é a minha lei: e é por ti que o repito no meu canto: "te amei, te amava, te amo e te amarei!" VAIDADE Tua vaidade é como um deus antigo exige sacrifícios aos seus pés... Olhar-te, é desafiar algum perigo, amar-te, é procurar algum revés... Olhei-te, e desde então teus passos sigo... Amei-te, e mesmo assim, não sei quem és... Meu amor, pobre amor, quase o maldigo, talvez seja outra vítima a teus pés... Amores, esperanças e desejos ardem nos castiçais dessa vaidade ao incenso sensual que há nos teus beijos... Eis que te trago aqui meu coração: já de nada me serve, se em verdade converteu-se a tão fútil religião! BOM-DIA, AMIGO SOL! Bom-dia, amigo Sol! A casa é tua! As bandas da janela abre e escancara, deixa que entre a manhã sonora e clara que anda lá fora alegre pela rua! Entra! Vem surpreendê-la quase nua, doura-lhe as formas de beleza rara... Na intimidade em que a deixei, repara que a sua carne é branca como a lua! Bom-dia, amigo Sol! É esse o meu ninho... Que não repares no seu desalinho nem no ar cheio de sombras, de cansaços... Entra! Só tu possuis esse direito de surpreendê-la, quente dos meus braços, no aconchego feliz do nosso leito!... PIANO DE BAIRRO Na rua sossegada onde eu moro, à tardinha, quando em sombras o céu lentamente escurece, um piano solitário, em surdina, parece acompanhar ao longe a tarde que definha... Nessa hora, em que de manso a noite se avizinha, seus acordes pelo ar têm murmúrios de prece... Ah! quem não traz como eu também, na alma sozinha, um piano evocativo que nos entristece? Há sempre um velho piano de bairro, esquecido na memória da gente, e que nas tardes mansas sonoriza visões de outrora ao nosso ouvido. Seus monótonos sons, seus estudos sem cor, repetem no teclado branco das lembranças o inconcluso prelúdio de um longínquo amor! POR QUE FALAR DE AMOR? Sonhei fazer-te minha só: rainha! Quiseste ser apenas cortesã. E o desejo a crescer, planta daninha foi tornando este amor sem amanhã. Para mim, não bastava seres minha; quis no céu, pôr a estrela da manhã, e acabei por moldar-me ao que convinha a essa tua paixão de terra chã. Se não deste valor ao coração, mas aos sentidos, em que se consomem restos de um erotismo em combustão, por que falar de amor? Foste lograda: tu não tens aos teus pés o amor de um homem, tens um fauno de rastros... e mais nada! SONETINHO Não tenho jeito pra trova apesar das que já fiz, a quadra lembra uma cova com a cruz dos versos em X... Ainda estou vivo e feliz e do que digo dou prova: tentei cantar, numa trova, e o meu amor pediu bis. Bem sei que é meu o defeito mas uma trova é tão pouco que ao meu cantar não dá jeito... Só mesmo um poema é capaz de conter o amor demais que trago dentro do peito. CRUCIFIXO NA PAREDE Puseste na parede, sobre o leito, um belo crucifixo de madeira; é essa imagem de amor, puro e perfeito, que há de guiar-nos pela vida inteira... A tua idéia, eu, em princípio, a aceito, pois sei que tua fé é verdadeira, também eu, a esse Cristo, rendo preito, se fez do Amor sua missão primeira. Mas deixa que te diga meus receios: como ter-te em meus braços, te colher, dar completa evasão aos meus anseios ante essa imagem de pureza e dor? Como é que esse bom Cristo há de entender as loucuras sem fim do nosso amor? ANSEIOS Água eu quisera ser, pela alegria de te dar a beber meu próprio ser, por tua sede, que eu não mataria, para molhar teus lábios por prazer... Vento eu quisera ser, e à noite, iria adormecida, te surpreender ressonando em teu leito, e então seria o ar que precisas pra poder viver! Fogo eu quisera ser, e em rubras chamas num delírio de amor, toda, abrasar-te, para ter a certeza de que me amas... Depois, para possuir-te, de verdade, terra eu quisera ser!... E disputar-te ciumento, à morte, pela eternidade!
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |