|| ||S|| ||O|| ||N|| ||E|| ||T|| ||Á|| ||R|| ||I|| ||O|| ||||| ||||| ||||| ||

Luís Caetano Pereira Guimarães Júnior (Rio de Janeiro RJ 1845-1898)

Se muitos poetas primam pelos extremos, este primou por fazer média: além da carreira diplomática, fez a ponte entre poetas portugueses e brasileiros, entre a música e a pintura (biografou Carlos Gomes e Pedro Américo) e entre o romantismo e o parnasianismo. Num particular campo temático, não foi tão podólatra quanto Delfino ou quanto este que vos digita, mas deixou uma jóia de soneto que vale por um cento:


A BORRALHEIRA

Meigos pés, pequeninos, delicados,
Como um duplo lilás, se os beija-flores
Vos descobrissem entre as outras flores,
Que seria de vós, pés adorados!

Como dois gêmeos silfos animados,
Vi-vos ontem pairar entre os fulgores
Do baile, ariscos, brancos, tentadores,
Mas, ai de mim! como os mais pés, calçados.

Calçados como os mais! Que desacato!
Disse eu... Vou já talhar-lhes um sapato
Leve, ideal, fantástico, secreto...

Ei-lo. Resta saber, Anjo faceiro,
Se acertou na medida o sapateiro:
Mimosos pés, calçai este soneto.


Embora meu preferido, o soneto acima não é o mais famoso do autor. Seu
mais (re)citado é o que se segue:


VISITA À CASA PATERNA

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos — olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que, da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha Mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
— Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade...


Previsivelmente, o soneto acima suscitaria paródias, como a do
pseudônimo abaixo (duvidosamente de Bilac ou Alberto de Oliveira), a
propósito dum pedante governante carioca da época:


VISITA AO TESOURO [Acácio de Xexas]

Como um' ave que volta ao ninho antigo,
Depois de fazer muito desaforo,
Eu quis também rever este Tesouro,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio pérfido e inimigo
(Era o espectro do Déficit!), num choro,
Por entre ratos e gambás em coro,
Tomou-me as mãos, e caminhou comigo.

Aqui, outrora... (Oh! se me lembro e quanto!)
Houve muito dinheiro acumulado!
E hoje, Papai, nem um vintém... O pranto

Jorrou-me em ondas... Meu tesouro amado!
Um "compadre" comia em cada canto,
Comia em cada canto um "emboscado".


Mais bem-humorada e inteligível é a paródia abaixo:


VISITA À CASA DA SOGRA [Itamar Siqueira]

Como urubu que regressasse ao ninho,
A ver se ainda um bom caminho logra,
Eu quis também rever a minha sogra,
O meu primeiro e virginal carinho.

Entrei. Pé ante pé, devagarzinho,
O fantasma, talvez, daquela cobra...
Tomou-me as mãos, olhou-me bem, de sobra...
E levou-me para dentro, de mansinho.

Era este quarto, oh! se me lembro, e quanto...
Em que, à luz da lua que brilhava,
O pau roncava forte, tanto e tanto,

No costado da gente, sem piedade,
Um cacete bem grosso lá no canto...
Minhas costas choraram de saudade...


Outros sonetos de Guimarães Júnior:


FORA DA BARRA

Já vamos longe... Os morros benfazejos
Metem na bruma os cimos alterosos...
Ventos da tarde, ventos lacrimosos,
Vós sois da pátria os derradeiros beijos!

As alvas plagas, os profundos brejos
Ficam além, além!... Adeus, gostosos
Tormentos do passado! Adeus, ó gozos!
Adeus, ó velhos e infantis desejos!

Na fugitiva luz do sol poente
Vai-se apagando, ao longe, tristemente,
Do Corcovado a majestosa serra...

O mar parece todo um só gemido...
E eu mal sustenho o coração partido,
Ó terra de meus pais! ó minha terra!


NOITE DE SÃO JOÃO

Noite de S. João! Quantas legendas
Na terra espalhas! Noite imensa e bela!
Quereis senti-la bem e compreendê-la?
Ide aos campos do Sul, ide às fazendas.

Do céu nas alvas e orvalhadas rendas,
Favorita de Deus, nua resvela
A lua cheia... É sua noite aquela!
E das bruxas também, dizem legendas.

Eu, livre pensador, de grave siso,
Eu, que me ria dessas frioleiras,
Depois que vi, ó flor do Paraíso,

Brilhar à luz vermelha das fogueiras
Teu divino semblante num sorriso,
Creio em feitiços, creio em feiticeiras.


O FILHO

A vida dele era uma gargalhada,
A vida dela um pranto. Ela chorava
Sob o cruel trabalho que a matava,
Ele ria na tasca enfumaçada.

Jamais nos lábios dela a asa doirada
De um sorriso passou; jamais na cava
E horrenda face dele resvalava
Sequer de um pranto a pérola nevada.

Mas Deus, que deu à entranha de Maria
O redentor dos homens, Deus lhes fez
Uma esmola: — Deus fê-los pais um dia;

E, enfim, beijando ao filho os níveos pés,
Pela primeira vez ela sorria
E ele chorou pela primeira vez.


O SONO DE UM ANJO

Quando ela dorme, como dorme a estrela
Nos vapores da tímida alvorada,
E a sua doce fronte extasiada,
Mais perfeita que um lírio, e tão singela,

Tão serena, tão lúcida, tão bela,
Como dos anjos a cabeça amada,
Repousa na cambraia perfumada,
Eu velo absorto o casto sono dela.

E rogo a Deus, enquanto a estrela brilha,
Deus que protege a planta e a flor obscura,
E nos indica do futuro a trilha,

Deus, por quem toda a criação se humilha,
Que tenha pena dessa criatura,
Desse botão de flor — que é minha filha.


A PRIMEIRA ENTREVISTA

Ela não tarda. Disse-me que vinha:
Mas quem sabe! Se acaso acontecesse
Qualquer cousa imprevista, e não viesse!
Oh! Deus do céu! que situação a minha!

E este relógio vil que não caminha!
E o tempo! — uma hora apenas e parece
Noite fechada já! Ah! se chovesse!...
Mas, não: alguém tocou a campainha,

Alguém subiu veloz a minha escada:
Ouço um rumor de seda machucada
E uns miudinhos, uns nervosos passos...

Duvido ainda! Espreito delirante:
Abro a tremer — e toda palpitante
Ela cai a sorrir entre os meus braços.

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes