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Marcos Satoru Kawanami (São Paulo SP 1975)
Cultivador inédito do soneto, este professor de português e inglês
manipula consciente e eficientemente estilos e escolas, metros e rimas
(mesmo quando estas parecem pobres, insistidas na mesma categoria
gramatical ou em verbos da mesma conjugação) para obter resultados
objetivos tanto a sério quanto na sátira e na paródia: "A Coisa", por
exemplo, é um soneto sem verbos satirizando o simbolismo; "O Buraco",
por sua vez, satiriza o parnasiano Alberto de Oliveira, cujo original
vai abaixo, seguido da poesia de Kawanami:
O MURO [Alberto de Oliveira] É um velho paredão, todo gretado, Roto e negro, a que o tempo uma oferenda Deixou num cacto em flor ensangüentado E num pouco de musgo em cada fenda. Serve há muito de encerro a uma vivenda; Protegê-la e guardá-la é seu cuidado; Talvez consigo esta missão compreenda, Sempre em seu posto, firme e alevantado. Horas mortas, a lua o véu desata, E em cheio brilha; a solidão se estrela Toda de um vago cintilar de prata; E o velho muro, alta a parede nua, Olha em redor, espreita a sombra, e vela, Entre os beijos e lágrimas da lua. O BURACO Na existência do homem, o buraco é tudo: De um buraco ele vem, e para outro ele vai; E outro buraco, ainda, bastante o distrai Furtando-lhe a razão num louco anelo agudo. O buraco será sempre coisa enigmática, Esfinge alcandorada para a confraria Dos homens indefesos perante a magia Magnética, hipnótica, orificiática. O buraco é ornado por pomposa flora A qual mais seu mistério vela, encobre, oculta. Buraco, és flor, não do Lácio, mas inculta! E tanto o peito másculo, voraz, devoras Que se o levas ao val sombrio da sepultura, Ser fiel ao buraco eterno o homem jura. O BURACO (2) O buraco tem um quê de absoluto: Não é palpável, mas claro é que existe; Seu não-ser o faz ser, e assim persiste. Sina humana, buraco, és cabal luto. A terra cava de naco em naco O menino que brinca angelical E, ingênuo, conclui filosofal: Jamais pode existir meio buraco! Oráculo o buraco é do mistério, Do insondável, da coisa indefinida: Um buraco nos deu o dom da vida! E nos espera lá no cemitério à espreita, na tocaia escondida, O Buraco, ironia sem medida. RÉPLICA A CAMÕES Alma minha gentil, qual hei deixado, quiçá mesmo em favor da Humanidade que hora ganha a lusa celebridade das armas e barões assinalados; se cá pr'onde subi contrariada memória da outra vida se consente nunca me esquecerei do ódio ardente às rimas pelas quais fui eu trocada. E se vires que pode merecer-te algu'a migalha de ira que sobrou cuida que obrando estou por socorrer-te rogando aO que meus anos encurtou que tão cedo Amor venha a abater-te quão cedo em meu soçobro soçobrou. SONETO DE NASALIDADE De tudo ao meu nariz serei atento; e tanto e pouco e no jamais e antes, que mesmo em face de dois elefantes m'nha tromba cause mais alumbramento. Por ele hei de viver sempre asmático de assoar minha alma, e escarrar sua escória; enamorado e não menos pneumático... da sublime função respiratória. E assim, quando mais tarde me procure quiçá o vexame, angústia de quem vive, quiçá a rinite, conforme Deus mande; possa eu me dizer do nariz (que tive): que não seja imoral, inda que grande, mas que seja aquilino, e não pendure. A COISA (a Constança, noiva morta e prima de Alphonsus de Guimaraens) Coisa coisal, coisinha casual... Coisona, que coisa mortal, que morte! Enxoval de mortalha sepulcral Ao léu, na Penumbra, da vida a Sorte... Em brancas nuvens agora eternal, Suspensa nos adocicados sons Sem o peso das coisas do coisal... Na harmonia veludosa dos bons. Coisa angélica, gélida coisinha... Absoluta coisona de um rapaz, Meu choro cinza, triste Coisa minha... Coisal esperança, aliança, paz! Pertinentemente complementar, Coisinha essencial ao pé do altar. CARTA DO MALANDRO ESCRUPULOSO Minha querida Daisy, custa-me dizer... Para teu bem-estar, por tua dignidade, ver-me-as nunca mais. E não sintas saudade deste vadio que te tanto fingiu querer. Eu bem sei..., alma pura, jamais vês maldade; mas esta virtude há de desaparecer com a ilusão que só inspirou-te o padecer por partilhar de minha vil intimidade. Esquece do Brasil, do Rio, do meu franzino e fingido sorriso de ingênuo menino. É inevitável: nova ilusão vais achar. Porém se, por ventura no teu fog londrino, lembrança vier, lembra deste alexandrino: "Eu te desprezo para não te ver chorar". CÂNTICO EM DESCOMPASSO (para uma mulher bem mais velha do que eu) Uma insone prantina, orvalhando o lençol, a cintilar, reflete o que não há de sonho no cântico ideal feito réquiem medonho em pentagrama impresso ao arribar do Sol. Mas, a cada manhã, revigorar suponho o cântico, alentando-o mais em cachecol insano e espiralado qual um caracol a furtar-se do agreste, gris mundo enfadonho... Mundo enfadonho!, duro, rijo em teus limites: por que dás-me esperança?, se tanto é proibido sob a tua foice atroz; por que sonhar permites? Amo, sabes?, mas este bem vem preterido pelo tempo de eu não-ser, e nada há que evite se aflora-me anacrônica cruel libido. ARTE METAFÍSICA Estranha arte é esta de escrever... Sem pincel, sem cinzel a obra cresce E toma forma, e nem forma carece Para que a outrem venha a entreter! Um papel sujo basta ao seu mister, Um papel que no lixo alguém esquece... Na folha rota que o desdém merece, É nela que o poema vai nascer. Poesia, prima-irmã da Matemática Que no papel também faz teorema, Acha ela sempre musa mais simpática. Seguem Música e Dança o mesmo esquema, Brotando da sublime e etérea prática Qual do nada também brota um poema. SEM JUÍZO Perdão, amor, se eu pouco falo sobre amor. Mas é que é tema muito batido e banal. Falemos sobre coisa mais original: A oculta anatomia fecunda da flor? Bonita, certo? -para um órgão genital... Beleza é relativa, e também o pudor. Pois, deixa a flor de lado, se de agrado for. Eu vou falar da dor; é coisa bem geral! O quê? É geral, mas também muito batida? Olha, o soneto está findando e sem juízo! Ao poeta não pode mesmo haver saída: Ou canta Amor, ou Flor, ou Dor, ou perde o siso. Então, vamos sair já do sério, querida: Dá-me um sorriso, só posso cantar o riso! WE? Lonelyness is a so natural state of any living matter you will find; 'cause when I was a child, now I remind myself: I was alone, that was my hate! I had a mother, a father, a faith, and the true love of my sister, so kind... come from the very equal flesh of mine, and, yet, I was I behind the soul's gate! Now, where's my faith, my sister, where am I? in this spinning sphere which just says good bye to teach us good bye, to teach us to pass... As our life goes too fast, we're lonely as the fast space-ship that goes faster as far it is from us, from the Origin we are!
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |