|| | ||S|| | ||O|| | ||N|| | ||E|| | ||T|| | ||Á|| | ||R|| | ||I|| | ||O|| | ||||| | ||||| | ||||| | || |
Antônio Augusto de Lima (Nova Lima MG 1860-1934)
Mineiro como político, parnasiano como poeta e primoroso como sonetista,
teve mais prestígio como acadêmico ou deputado que pelo mérito de sua
poesia, que no entanto sobrevive à mortalidade dos academicismos e à
mineiridade das politicagens.
VOLTA AO PASSADO Quis rever em memória o santo abrigo Onde deixei as ilusões dormindo. "Vou despertá-las", murmurei, partindo, "E hei de trazê-las outra vez comigo". Nova e última ilusão. No sítio antigo, Jardim outrora florescente e lindo, Já ninguém dorme. Tudo é morto e findo. Só de cada ilusão resta um jazigo: Campas sem epitáfio... Agora é tudo Um cemitério pavoroso e mudo, Bem que inda de flores se alcatife. E dos ciprestes na última avenida, Vejo a última ilusão que me convida, Martelando nas tábuas de um esquife! ESPERANÇA E SAUDADE Sorte falaz a que nos guia a vida! Por que há de ser tão rápida a ventura, Que só a amamos quando é já perdida Ou depende de uma época futura? O que ao presente, mal nos afigura, Era esperança, há pouco apetecida, E uma vez no passado, eis que perdura Como saudade que não mais se olvida. Há sempre queixas do atual momento, E entre as datas se eleva o pensamento, Como uma ponte de sombrio aspeto. Em busca da ventura que ignoramos, Temos saudade ao bem que não gozamos, Ilusão de ilusões, sonho completo. FLOR MARINHA Há nos seus ademanes curvilíneos, A doce languidez da vaga esquiva. Seus olhos são dois fúlgidos escrínios De gemas com que o afeto nos cativa. Flor das espumas, dos corais sangüíneos, Nenhum tem de seus lábios a cor viva. Quanto aos cabelos, meu amor define-os: "Fios de ébano em onda fugitiva". Não sou homem do mar, contudo afago Na alma um doido capricho, um sonho vago, Um vago sonho singular talvez: É de um dia, na praia, surpreendê-la, E unir minha sorte à sorte dela, Sobre o dorso espumante das marés. PAISAGEM NOSTÁLGICA Deixei meu berço por destino incerto, Mas a paisagem, guardo-a na pupila. Guardo-a no coração, donde se estila Toda a essência das lágrimas que verto. Sons de sino perdidos no deserto... Campanários da quase oculta Vila... Serros magoados que a distância anila, Mais formosos de longe que de perto. Não vos esquecerei, por me lembrardes, Enquanto prantear do alto das tardes, A estrela Vésper que me viu partir. Do astro do sonho onde minha alma adeja, Quando colher as asas, só deseja, No vosso seio maternal dormir. EVANGELHO E ALCORÃO Num tom de voz que a piedade ungia, Falava o padre ao crente do Alcorão, Que no leito de morte se estorcia: "Implora de Jesus a compaixão." "Deixa Mafoma, ó filho da heresia, E abraça a sacrossanta religião Do que morreu por nós..." E concluía: "Se te queres salvar morre cristão." Ao filho de Jesus, o moribundo, Ergueu o olhar esbranquiçado e fundo, Onde da morte já descia o véu. Mas logo se estorceu na ânsia extrema E ao ver da Redenção o triste emblema, Ruge expirando: "Alá nunca morreu!". DE TARDE Eu vi voando caminho do Ocidente, O bando ideal de minhas ilusões; Do sol, um raio trêmulo, dormente, Dourava-as com seus últimos clarões. Para longe corriam doidamente A crença, o amor, meigas aspirações... Creio até, que entre as aves, tristemente, Iam partindo os nossos corações. Além, além... e os pássaros risonhos, Foram-se todos. Vênus lacrimosa Brilhou. No mais, deserta a imensidade. Não! No ocaso do sol e de meus sonhos, Ficou, ainda a pairar triste e formosa, A ave formosa e triste da saudade. NOSTALGIA PANTEÍSTA Um dia interrogando o níveo seio De uma concha voltada contra o ouvido, Um longínquo rumor, como um gemido Ouvi plangente e de saudades cheio. Esse rumor tristíssimo escutei-o; É a música das ondas, é o bramido Que ele guarda por tempo indefinido Das solidões marinhas donde veio. Homem, concha exilada, igual lamento Em ti mesmo ouvirás, se ouvido atento Aos recessos do espírito volveres. É de saudade esse lamento humano, De uma vida anterior, pátrio oceano Da unidade concêntrica dos seres. A DESCIDA Homem, remove este rochedo e a rara Galeria interior, contempla, e estuda; Desce, e da terra pela ossada muda Leva tua razão de ciência avara. Na treva expira a luz há pouco clara, O ar em sulfúreo gás já se transmuda: Coragem! desce, e os séculos saúda, Desce mais, desce mais... agora pára! Mas não! Lá fulge um fogo subterrâneo: E mergulhas no cérebro do globo E lhe penetras do outro lado, o crânio. Desce! Não! Sobe agora; um brilho intenso Banha-te o corpo, e num heróico arroubo Eis-te boiando no oceano imenso. O CÉTICO "Percorro da ciência o labirinto, Em tudo encontro um eco duvidoso: Matéria vã, espírito enganoso, Mentis, tudo é mentira, eu só não minto. Vejo, é verdade, a vida e a vida sinto, A caloria, a luz, a dor e o gozo, A natureza em flor, o sol formoso E o céu das cores da Aliança, tinto. Mas quem, senão eu mesmo, vê tudo isto E quem pode afirmar-me que eu existo, Visões celestes, velhas nebulosas?" E em seu crânio a razão desponta e morre, Como o santelmo fátuo, que discorre Na solidão das minas tenebrosas. DOIS DESERTOS Cerca-me a solidão, vasta ruína De sonhos mortos, arraial funéreo, Arcabouço tristíssimo do império Que edifiquei na mente peregrina. Vivo porque me lembro e me calcina, Ainda, a dor humana. O mais, mistério... Nesta arena, teatro e cemitério, Que termo estranho a sorte me destina? Por fim a própria dor, preço da vida Saciada fera, após luta renhida, Há de me um dia abandonar de certo. E insensível, aos gozos e à tristeza, Hei de ficar em frente à natureza, Como um deserto em frente a outro deserto! VIAGEM ETERNA Céu e areia; no céu um sol candente, E na areia os seus raios... Caravana, Suspende a marcha audaciosa e insana Para volver ao teu país. Detém-te! Não! Que além no horizonte, lentamente Surge um sinal de habitação humana. Ergue-se um verde bosque, uma choupana E teu olfato eflúvios bons pressente. Prossegue a caravana e quando pensa Estar do termo da jornada perto, Vai-se a miragem, era uma miragem... Cumpres Humanidade, atroz sentença Hás de, em vão, percorrer todo o deserto, Não chegarás ao termo da viagem! A SERENATA Plenilúnio de maio em montanhas de Minas! Canta ao longe uma flauta, e um violoncelo chora. Perfuma-se o luar nas flores das campinas, Sutiliza-se o aroma em languidez sonora. Ao doce encantamento azul das cavatinas, Nessas noites de luz mais belas do que a aurora, As errantes visões das almas peregrinas, Vão voando a cantar pela amplidão afora. E chora o violoncelo e a flauta ao longe canta. Das montanhas, cantando, a névoa se levanta, Banhada de luar, de sonhos, de harmonia. Com profano rumor, porém, desponta o dia, E na última porção da névoa transparente, A flauta e o violoncelo expiram lentamente. A UMA POETISA SATÍRICA Se bem me lembro, um dia me disseste, Que o gênero das sátiras cultivas. Urtiga, tu, a flor das sensitivas? Anjo de amor um Juvenal agreste? Não com certeza! A forma que reveste Tuas composições, belas e altivas, É bem diversa, embora, pungitivas, Firam, pois nascem do ideal celeste... Astro, o fogo da sátira te inflama! Rosa, tens os espinhos do epigrama! Feiticeira, alfinetas em arminhos... Fizeste-me, entretanto, a alma ditosa Ferindo-a, pois bem sei que guardas, rosa, As setas de Cupido, entre os espinhos... ALMAS PARALELAS Alma irmã de minha alma, espelho vivo, De outro espelho fiel que te retrata. Alma de luz serena e intemerata, Cujo influxo de amor me tem cativo. Bem sinto que em mim vives e em ti vivo, No entanto, (eis o desgosto que me mata) Do amor a doce vaga me arrebata E não posso atingir teu vulto esquivo. O mesmo curso têm nossos destinos. Do gozo o mel, da dor os desatinos, A um nada inspiram sem que ao outro inspirem. Mas, triste sorte! Ó bela entre as mais belas! Eles são como duas paralelas: Próximos correm sem jamais se unirem!... O GEMIDO Há no gemido uma poesia triste, Um conjunto dramático, pungente. Uma idéia sem forma equivalente, E para a qual nenhuma nota existe. No longínquo gemido, não ouviste Alguma vez chorar uma alma ausente? Uma alma que soluça, porque sente A agonia que aos bálsamos resiste? Será queixa? Mas a alma se exaspera E conforto nenhum jamais espera... Será protesto? Falta-lhe energia. Para quem apelar? Nenhum ouvido. Nele um conjunto vejo todavia: Queixa, protesto e alívio. Eis o gemido. HUMUS HOMO Há qualquer coisa que nos solicita Dentro da terra e liga (obscuro arcano) Seu coração e o coração humano: Quando um deles palpita, o outro palpita. Urna sem par da humanidade aflita, Ceres nutriz, faz do suor insano, O homem que, por castigo, é soberano, Seu ventre famulento não evita. A terra é do homem, o homem é da terra. Tudo quanto este encerra, aquela encerra, A mesma essência, idênticos destroços. Oh! Quando encaro a terra pelo instinto Fatal de meu destino, tremo e sinto Dentro da carne estremecer meus ossos. DE PROFUNDIS Não serei eu quem lamentoso brade, Do profundo negror da infanda sorte, Pois já não teme o aniquilado a morte, Para que aos céus implore piedade. Pela turva espiral de trevas, há de Ir minha alma descendo altiva e forte, Até que por destino, enfim, suporte O destino comum à humanidade. Sucede à dor que punge, dor pungente, E se a esperança ao coração se abraça, É que mais rudes golpes já pressente. Mas um consolo há na mor desgraça: Não piorar a condição presente, Pois do fundo do abismo ninguém passa! VOZ DAS COISAS Aos ouvidos do vulgo, indiferente, Passa o rumor das coisas. Quem me dera, Vertê-lo em notas de harmonia austera, O original guardando fielmente! Quem não sabe cantar, também não sente, A sinfonia que o silêncio gera, Através dos espaços, onde impera A música dos sóis eternamente. Sons vagos, indecisos e serenos, Passam por ti, ó vulgo, sem ao menos, Este rumor das coisas entenderes. Entendê-lo somente ao poeta é dado, Que é seu destino andar arrebatado Na sugestiva música dos seres. REQUIESCAT Dorme em paz, alma outrora altiva e forte. Dorme agora, mesquinha, em tua tumba; Não mais a glória ardente que retumba Vibrará teu olhar que sela a morte. Sonha em paz; não há luta que conforte, Nem há vivo ideal que não sucumba. Da grilheta imortal que ao chão te chumba, Nunca mais te liberte a vária sorte. Descansa em paz, do torvelim medonho, Em que andaste envolvida sem bonança, Em busca da miragem e do sonho. Descansa, sonha e dorme. O tempo avança. Não me sigas no abismo que transponho, Dorme em paz, sonha em paz, em paz descansa! NUNCA! "É cedo!" Ao homem uma voz responde, Quando, recém-nascido, o olhar aberto Pela primeira vez, levanta incerto, Interrogando o fado que se esconde. "É cedo ainda". Do zênite já perto O espírito, por mais que inquira e sonde, A mesma voz, que vem não sabe donde, Repete o cruel dístico encoberto. Fitando o ocaso, afaga uma esperança. "Espera", diz-lhe a voz, e não se cansa De esperar que do ocaso venha a aurora. E a noite vem. No vítreo olhar silente, Morto, ainda interroga avidamente... Porém, responde a voz: "É tarde agora!"
Û Ý ´ ¥ Ü | * e-mail: elson fróes |