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José Limeira (Teixeira PB 1886-1954)

O lendário repentista que ficou conhecido como "poeta do absurdo" utilizava, como de praxe na tradição oral e na literatura de cordel, a redondilha maior em que são compostas as décimas para glosar motes correntes. O insólito nonsense de Limeira ensejou ao conterrâneo Bráulio Tavares a idéia de adaptar a escalafobética comicidade do limerick inglês ao clima brasileiro, donde o trocadilho "limeirique" criado por Bráulio para o tipo de epigrama cujo molde em quintilha também pratiquei.

Menos conhecida, porém, é a habilidade de Limeira no decassílabo, bem como sua faceta sonetífera, comprovada por vários pesquisadores que lhe recolheram amostras do gênero. Tratando-se de cultura popular, é natural que de alguns sonetos houvesse variantes, tanto quanto nomes de terceiros (como outro paraibano, chamado Stilon Wanzek) disputando com Limeira a autoria deste ou daquele poema. Prefiro seguir a política de atribuir a César o que já é creditado a César. Vejamos como o estapafúrdio estilo limeiriano é nitidamente reconhecível nestes exemplos:


PERFUME DE FLOR

Um urubu voava pelo espaço
Buscando uma carniça "petrefata".
Engasgado com casca de batata,
Vomitou na cabeça de um cabaço.

E depois, lentamente, passo a passo,
Ele disse: "Essa vida é tão ingrata!
Pois viver lá por cima é cousa chata!
Vou dormir sobre as grades dum terraço!"

Diz o povo que o espaço é cousa rica,
Mas quem vai para lá, por lá não fica
E o diabo é quem vai, só corta jaca!

Ao findar a conversa foi descendo;
Logo cedo um rapaz o viu comendo
Merda seca na ponta duma estaca.


VIDA HODIERNA

Um velhinho bem velho, um ancião,
Fez de palha uma cama de aroeira.
Escorou-se na ponta dum ferrão
E deitou-se na verde capoeira.

De repente chegou-lhe uma soneira
E o pobre do velhinho adormeceu.
Acordou-se nos braços de Morfeu.
Novamente dormiu a noite inteira.

Lá por fora cantava um passarinho
E na cama gemia. Era o velhinho:
"Quem eu era? Quem fui? Quem diabo sou?"

"Quem me dera u'a pitada de rapé!"
Um mosquito lambia um jacaré
E um soldado prendia um gigolô!


MULHER ADÚLTERA

Cinco touros brincavam no quintal;
Dez galinhas brincavam no terreiro;
Três navios no Rio de Janeiro
Navegavam pensando em Portugal.

Recordando a viagem de Cabral,
De Colombo e de um tal de Omar Kaiã,
Um cachorro às três horas da manhã
Trafegava do Rio à capital.

Fidel Castro, o maior mandão de Havana,
Zangando-se, agarrou uma cigana
E mandou que a botassem na prisão!

E Getúlio dizia a Salazar:
Nós agora podemos processar
Virgulino Ferreira Lampião.


O soneto acima tem noutras fontes a seguinte variante:


OS TRÊS PODERES

Quatro vacas brincavam no quintal,
Cinco burros dançavam no terreiro.
Dez navios no Rio de Janeiro
Navegavam pensando em Portugal...

Recordando a viagem de Cabral,
De Lumumba, Kruchove e Mubutu,
Iracema, banhando-se no Ipu,
Não pensava morrer de morte tal.

Lá nas margens do velho Rio Doce,
Um macaco tarado deu um coice
E Getúlio atirou no coração.

E Kruchove dizia a Salazar:
Nós agora podemos processar
Virgulino Ferreira — Lampião.


Outro soneto limeiriano que registra variantes é o duplamente incluído
abaixo:


SAÚDE DE FERRO

Um jumento ciscava num quintal,
Procurando fagulhas de xerém.
Ao comer o xerém, não se deu bem;
Como não se deu bem, sentiu-se mal.

Lá por fora, passava o carnaval,
E o jumento correu dando sopapo;
O xerém quis inchar dentro do papo
E rinchando dizia ao pessoal:

— Comi duma comida, e me ofendeu!
Quem me ensina um remédio para eu
Ficar bom da doença? Dá, que eu tomo!

Ensinaram "Saúde das Mulheres":
O jumento bebeu trinta colheres,
Vomitando o xerém para o Rei Momo.


JUMENTO CARNAVALESCO

O jumento ciscava no quintal,
Procurando pedaços de xerém.
Ao comer o xerém, não se deu bem;
Como não se deu bem, sentiu-se mal.

Lá por fora passava um carnaval
E o jumento correu, dando sopapo.
O xerém quis inchar dentro do papo,
E ele disse, bem alto, ao pessoal:

— Comi duma comida e me ofendeu.
Ensinem-me um remédio para eu
Ficar bom da doença, que eu já tomo.

Ensinaram saúde das mulheres,
O jumento tomou trinta colheres,
Vomitou o xerém para o Rei Momo!

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes