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Bernardino da Costa Lopes (Boa Esperança RJ 1859-1916)

Reuniu todos os pré-requisitos duma maldição que se preze: mestiço, boêmio, alcoólatra e epiléptico. Querem mais? Usava roupas espalhafatosas, chegou a ser internado como louco e largou a esposa por causa duma mulher fatal. Tudo isso além de assinar os primeiros manifestos simbolistas junto com uma rapaziada que, na época, era conhecida como "decadentista". Só tem um detalhe: sua poesia não reflete tanta piração nem tanta rebeldia; fica entre o resquício parnasiano e os fluidos clichês simbolistas, razão pela qual seus sonetos não oferecem maior curiosidade ao leitor ávido de morbidez que costuma se saciar, por exemplo, em Cruz e Souza.


SONETILHO DO ACAMADO

Na alcova sombria e quente
Pobre demais, se não erro,
Repousa um moço doente
Sobre uma cama de ferro.

Pede-lhe baixo inclinada,
Sua mulher — que adormeça,
Em cuja perna curvada
Ele reclina a cabeça.

Vem uma loira figura
Com a colher da tintura,
Que ele recusa, num ai!

Mas o solícito anjinho
Diz-lhe com riso e carinho:
— Bebe que é doce, papai!


QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer em véspera tranqüila,
Num pôr-de-sol de goivos e saudade,
Da velha igreja, que a Madona asila,
O sino grande a soluçar Trindade;

Quando o tufão do mal que me aniquila
Soprar minh'alma para a Eternidade,
Todas as flores dos jardins da vila,
Certo, eu terei da tua caridade.

E, já na sombra amiga do cipreste,
Há de haver uma lágrima piedosa,
A edênea gota, a pérola celeste,

Para quem desfolhou, terno, e as mãos cheias,
O lírio, o bogari, o cravo e a rosa
Pelas estradas brancas das aldeias.


CROMO

Pitangueiras, arreando, carregadas
— Esmeralda e rubim que a luz feria —
Cintilavam, em pleno meio-dia,
Na argêntea praia de um fulgor de espadas.

Sob o largo frondel eram risadas,
Toda uma festa, um chalro, a vozeria
De um rancho alegre e simples que colhia:
Moças — frutas, e moços — namoradas.

Em cima outra aluvião, por todo o mangue,
De sanhaços, saís e tiês-sangue,
Policromia musical da mata.

E através da folhagem miúda e cheia
Bordava o sol, ao pino, sobre a areia
Um crivo de oiro num sendal de prata!


BERÇO

Recordo: um largo verde e uma igrejinha,
Um sino, um rio, um pontilhão e um carro
De três juntas bovinas, que ia e vinha
Rinchando alegre, carregando barro.

Havia a escola, que era azul e tinha
Um mestre mau, de assustador pigarro
(Meu Deus! que é isto, que emoção a minha
Quando estas cousas tão singelas narro?)...

"Seu" Alexandre, um bom velhinho rico,
Que hospedara a Princesa; o tico-tico
Que me acordava de manhã, e a serra...

Com o seu nome de amor Boa-Esperança,
Eis tudo quanto guardo na lembrança
Da minha pobre e pequenina terra!

Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes