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MATTOSO, GLAUCO (pseudônimo)
Pedro José Ferreira da Silva (São Paulo SP 1951)

Também conhecido como "poeta da crueldade" (segundo alguns) e "poeta dos bassês e periquitos" (segundo outros), ou ainda como "poeta do pé" (segundo o resto), pratiquei, entre outros gêneros (haikai, limerick, glosa, concretismo), o soneto em seu cânone clássico (decassílabos heróicos rimados em ABBA ABBA CDC DCD) e em sua vocação satírica e fescenina, sem fugir à responsabilidade perante as graves questões humanas. De livros publicados e inéditos seleciono os onze mais típicos, tópicos ou auto-referentes, seguidos de outros onze, explicitamente "cruéis", que compõem o ciclo "Coprofagonia", dos oito que compõem o ciclo "Aventuras de João Lenão, o Poeta-Revelação" (estes alusivos ao próprio sonetismo enquanto bandeira de luta), e dos sete que compõem o ciclo "Os sete pecados capitais".



SONETO 251 QUANTITATIVO

Centenas de sonetos são legado
de nomes tidos como monumentos.
Apenas de Camões, mais de duzentos,
registro que é por poucos superado.

Não fossem os Lusíadas o dado
que faz dele o primeiro entre os portentos,
ainda assim Camões marca outros tentos,
e, entre outros tantos, este é consagrado:

"Sete anos de pastor", o vinte e nove,
que, se não for mais belo, é o mais perfeito,
a menos que em contrário alguém me prove.

Mas, como dois é dom, três é defeito,
também um "Alma minha", o dezenove,
ocupa igual lugar no meu conceito.


SONETO 252 QUALITATIVO

Repito que um é dote, dois é dom,
mas três já é defeito, tenha dó!
Camões fez "Alma minha" e o do Jacó:
Terceiro é mui difícil ser tão bom.

A tanto inda acrescento, alto e bom som:
Falar de sentimento, por si só,
não faz de nenhum verso um pão-de-ló,
nem temas de bom tom são só bombom.

Fazer soneto às pencas, outrossim,
não dá patente máxima a ninguém,
nem livra alguém do nível do ruim.

Fiquemos no bom senso, que mantém
a média de dois bons, até pra mim,
que, perto de Camões, sou muito aquém.


SONETO 351 KÁRMICO

Quinhentas e cinqüenta e cinco peças
perfazem as sonatas de Scarlatti.
Nivelam-se, em altíssimo quilate,
à Nona, à Mona Lisa, qualquer dessas.

Farei tantos sonetos? Não mo peças!
É meta muito hercúlea para um vate!
Recorde desse porte não se bate:
no máximo se iguala, e nunca às pressas.

Já fiz mais que Camões, mais que Petrarca:
dois, dois, dois; três, três, três; de pouco em pouco,
que a lira também broxa... É porca. É parca.

Poeta que for cego, mudo ou mouco
compensa a privação com a fuzarca:
diverte-se sofrendo. É glauco. É louco.


SONETO 1000 AMEALHADO

Cinqüenta anos em cinco foi projeto
político e econômico em Brasília
quando esta se fundou, e hoje há quem grile-a
da Praça até às satélites, sem veto.

Mil gols Pelé emplacou e foi completo
no físico e no gênio. Só uma filha
e um filho lhe complicam a partilha
da fama e da fortuna, à parte um neto.

Embora meus tropeços, também busco
a marca que ninguém pode igualar:
sonetos por milheiro em prazo brusco.

Em cinco anos ter mil é um patamar
que até face a Delfino não me ofusco
galgando, pois lhe mordo o calcanhar!


SONETO 234 CONFESSIONAL

Amar, amei. Não sei se fui amado,
pois declarei amor a quem odiara
e a quem amei jamais mostrei a cara,
de medo de me ver posto de lado.

Ainda odeio quem me tem odiado:
devolvo agora aquilo que declara.
Mas quem amei não volta, e a dor não sara.
Não sobra nem a crença no passado.

Palavra voa, escrito permanece,
garante o adágio vindo do latim.
Escrito é que nem ódio, só envelhece.

Se serve de consolo, seja assim:
Amor nunca se esquece, é que nem prece.
Tomara, pois, que alguém reze por mim...


SONETO 500 VICIOSO

Poema lembra amor, que lembra carta,
que lembra longe, e longe lembra mar,
que lembra sal, e sal lembra dosar,
que lembra mão, e mão alguém que parta.

Partir lembra fatia e mesa farta;
fartura lembra sobra, e sobra dar;
dar lembra Deus, e Deus lembra adiar,
que lembra carnaval, que lembra quarta.

A quarta lembra três, que lembra fé;
fé lembra renascer, que lembra gema,
a gema lembra bolo, e este o café.

Café lembra Brasil, que lembra um lema:
progresso lembra andar, que lembra pé,
e pé recorda alguém que faz poema.


SONETO 501 URBANIVERSADO

Feliz aniversário, Paulicéia!
Do Pátio do Colégio ao infinito,
o imenso não é feio nem bonito:
darás de megalópole uma idéia?

Tens cara de africana ou de européia?
Tens árvore de figo ou de palmito?
Tens catedral de taipa ou de granito?
Tens flor? É rosa, hortênsia ou azaléia?

Te tornas, ano a ano, mais mudada:
quem chega não se encontra com quem parte;
a rua não se avista da sacada.

Poetas não têm jeito de saudar-te;
tu, pois, que cantes, antes de mais nada,
que és obra, em fundo e forma, in progress: arte!


SONETO 623 ANIMADO

Segundo a renomada enciclopédia,
"alegram o ambiente com seus gritos".
Refere-se a Larousse aos periquitos,
que, para alguns, são tipos de comédia.

Por quê? Porque o que a faz gozada e mede-a
é o máximo de intriga em seus conflitos
humanos, de limites não restritos
à falsa discrição da classe média.

Burguesas, as comadres fofoqueiras
parecem maritacas na conversa,
levando intimidades para as feiras.

Se a chuva ameaçar, logo dispersa
o grupo, combinando olhar das beiras
dos prédios quem na enchente foi submersa.


SONETO 759 DA BASSEZINHA

Gostava de jujubas, a danada!
Ficava rodeando quando, à mesa
do almoço eu me servia e, à sobremesa,
filava seu nacão de goiabada.

Andava até nas unhas esmaltada!
Seu passo tinha a classe da princesa,
embora nem viesse da nobreza.
Foi minha, ela, a primeira namorada.

As grossas sobrancelhas amarelas
no preto pêlo expunham seu contraste.
E as patas dianteiras? Tortas, belas!

Caminha rente ao chão, sem que se arraste.
Vaidosa, nada tem de outras cadelas.
"Bassê", me dizes tu, e adivinhaste!


SONETO 241 ENSAÍSTICO

Chamemo-la de fase iconoclasta,
à minha poesia antes de cego.
Pintei, bordei. Porém não a renego.
Forçou-me a invalidez a dar um basta.

A nova não é casta, nem contrasta
com velhas anarquias. Só me entrego
ao pé, onde em soneto a língua esfrego.
Chamemo-la de fase podorasta.

Mas nem por isso é menos transgressiva.
Impõe-se um paradoxo na medida
da forma e da temática obsessiva:

Na universalidade presumida,
igualo-me a Bocage, Botto e Piva.
Ao cego, o feio é belo, e a dor é vida.


SONETO 509 ASSUMIDO

Mattoso, que nasceu deficiente,
ainda foi currado em plena infância:
lambeu com nojo o pé; chupou com ânsia
o pau; mijo engoliu, salgado e quente.

Escravo dos moleques, se ressente
do trauma e se tornou da intolerância
um nu e cru cantor, mesmo à distância,
enquanto a luz se apaga em sua lente.

Tortura, humilhação e o que se excreta
são temas que abordou, na mais castiça
e chula das linguagens, o antiesteta.

Merece o que o vaidoso não cobiça:
um título que, além de ser "poeta",
será "da crueldade" por justiça.


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COPROFAGONIA: INDIGESTO CICLO DIGESTIVO SONETO 602 APRIORÍSTICO Não canto aqui, Leitor, luzentes teses que sábios e acadêmicos sustentem. Só mostro onde, na História, os livros mentem e omitem, das paróquias às dioceses. Consulto do Hermeneuta as exegeses e afirmo: o asco maior que os Homens sentem é o caso em que dum réu no rosto sentem e caguem-lhe os carrascos justas fezes. É deste torpe tema que aqui trato, embora desagrade a réus e algozes, ferindo, uns no regalo, uns no recato. Não sei se irei fazer, Leitor, que gozes. Porém, dada a crueza dum tal fato, sugiro-te a leitura em parcas doses. SONETO 603 PRIMITIVISTA Jamais a Humanidade se liberta da primitiva prática penal: malgrado algum progresso ocidental, tendência a torturar ninguém conserta. Conquanto se mantenha inda encoberta, a mais nojenta pena leva aval de cem nações, nas quais à carga anal a boca dos forçados foi aberta. O culto a Belfagor, o estercorismo, vodu, macumba, nada justifica castigos de coprófilo sadismo! Mas eis que o obrar fecal se comunica na marra à boca aberta, avesso trismo propício à oral descarga da titica! SONETO 604 CASUÍSTICO #1 Vejamos este exemplo. Na Coréia ainda se pratica o que a Anistia em graves relatórios denuncia: punir com dejeção crimes de idéia. Um preso, cuja origem é plebéia, serviu, como outros tantos, de bacia durante um dia inteiro à burguesia, da qual levou no rosto a diarréia. Ficou, sob uma tampa de privada, em pé, cara voltada para cima, imóvel, entalado, olhando cada traseiro que se sente e que comprima o reto até que o fétido ar invada o céu de quem perdeu toda a auto-estima. SONETO 605 CASUÍSTICO #2 Depois do peido, pisca o cu de novo e já dejeta, em jato, o resto mole daquilo que na mesa é... (Ravioli? Lasanha? Peixe? Arroz? Sushi com ovo?) A merda ofende e humilha o homem do povo, lhe escorre pela face, e o pobre engole um pouco, pois forçoso é que lhe role garganta adentro parte do desovo. Levanta da privada, sorridente e leve o disentérico burguês, tão já mijo a molhá-lo o preso sente. E mal seu caldo grosso um deles fez, um outro não demora que se sente e faça igual quinhão, por sua vez. SONETO 606 CASUÍSTICO #3 Diverso deste caso é o que, no Congo, reporta um antropólogo, atravessa o tempo em seu folclore. Me interessa, portanto, e neste ponto me prolongo. Guerreiros inimigos passam longo período em cativeiro até, sem pressa, morrerem na tortura. Aqui começa o rito bronco desse povo mongo. Até o pescoço enterra-se o cativo, apenas a cabeça, para trás recurva, a boca aberta, inda bem vivo. Segundo o ritual, somente faz cocô naquela boca quem tem tido prisão de ventre e é quase já rapaz. SONETO 607 CASUÍSTICO #4 Meninos e marmanjos fazem fila, se agacham, um por um, colando a prega ao lábio do cativo, que se entrega a Deus, na fé que o espírito lhe asila. A merda sai a custo e, até engoli-la, ao olho lhe aproximam, quase o cega, o espinho que ameaça. Descarrega o próximo moleque outra morcila. Tolete após tolete, seco e duro, afunda na goela que ora engulha, se entope do carnívoro monturo. Se não morrer no engasgo que lhe atulha a glote, ganha, ao fim de tanto apuro, o prêmio de pilhar-se livre o pulha. SONETO 608 CASUÍSTICO #5 Terceiro caso, em solo muçulmano, ocorre mais no Iraque que no Egito: punir dos dissidentes o delito é o mais comum pretexto a algum tirano. Aqui não é na terra nem no cano que o preso está entalado, mas, num rito diverso, frente ao povo e sob o grito selvagem da torcida, encara o dano. Arenas com platéia, a cena exata que cerca a aplicação da fecal pena, apenas precedida da chibata. Embora a lotação seja pequena, o público é fanático e retrata a sádica pulsão de quem condena. SONETO 609 CASUÍSTICO #6 Despido, o condenado ao centro fica, aberta a perna, expondo o viril dote, enquanto o algoz faz uso do chicote e excita uma assistência nobre e rica. O látego se enrola e já se estica de novo, como cobra dando o bote, até que o sangue rubro à pele brote e alguma porra escorra em cada pica. Então, o principal: posto de gatas, defronte ao torturado há uma gamela repleta do cocô de escravocratas. Ao toque do chicote, afunda nela as fuças o coitado, e as tais batatas fecais logo lhe descem pela goela. SONETO 610 CASUÍSTICO #7 Por fim, na nossa América Latina também se verifica, e nada inibe, aquilo que nas ilhas do Caribe e até no Cone Sul mal se imagina. Em muitos dos presídios, a latrina é mais que mero vaso ao sujo quibe: por trás duma censura que proíbe denúncias, é dos presos a cantina. Ali, o que alguém cagou outro já come na marra, debruçado e sob abuso verbal dos que bem matam sua fome. Não sou eu que primeiro o fato acuso, mas quero enfatizar que logo some da mídia o azo ao "sadismo", termo intruso. SONETO 611 CASUÍSTICO #8 Relato um episódio no Equador, no qual os prisioneiros, um por vez, dum cheio comem tudo o que se fez até que esvaziasse o evacuador. Naquele quem cagou não quis dispor da válvula, na vil desfaçatez de ver acumular a humana fez que nunca do alimento terá cor. Enquanto um dos forçados se ajoelha a fim de abocanhar o que lhe cabe, o guarda diz o que lhe der na telha. Com tal mastigação até que acabe, recebe pontapés e olha de esguelha aquele a quem não pede que o enrabe. SONETO 612 TERMINOLOGISTA Cantei num breve rol como se come dejeto por castigo ou por maldade de guardas carcerários fãs de Sade e não por clamor último da fome. Embora por mendaz alguém me tome, apenas fui fiel à realidade; e ainda que aos puristas desagrade, forçoso é dar ao método seu nome. Chamar-se-ia como a penal lei que algo mais lembre além de merda pura? Lei Plúmbea? Férrea? Pétrea? Oral? Não sei. Eis, pois, Leitor, que enquanto alguém procura melhor nomenclatura, chamarei de "coprofagonia" tal tortura.
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AVENTURAS DE JOÃO LENÃO, O POETA-REVELAÇÃO SONETO 517 RESSURRETO João Lenão nasceu em Salvador durante inda o regime militar. Seu pai tinha acabado de voltar após dez anos "barra" no exterior. O filho do esquerdista foi ator, palhaço, engolidor, garçom de bar, até que escrevinhou e quis tentar carreira de poeta e à luz se expor. Aos vinte, em pleno ocaso do milênio, fazer o quê? Haicai neobarroco? Um "contraconcretismo" que envenene-o? Sem ver, do discursivo ao verbivoco, saída, alguém já jura que ele é gênio num gênero que andava dorminhoco. SONETO 518 RESOLUTO Aquilo em que Lenão foi pôr o dedo já deu pano pra manga e mais de metro (com rima e tudo), império cujo cetro andara em mãos baianas desde cedo. Gregório o praticou sem pejo ou medo. Botelho também brilha nesse espectro. Entre outros, cujos nomes mal soletro, até Moniz Barreto usa o brinquedo. Por que não eu? (indaga-se o novato) Farei como Espinheira ou Cajazeira, que ainda tiram lebre desse mato! Não é como vender cordel na feira, mas sim questão de fé por que me bato: vender peixe que cheira e achar quem queira! SONETO 519 REDUTO O livro de João Lenão se esgota. Circula, cult, o bardo em bastidores. A mídia dá notícia. Outros autores dividem-se: uns, confete; alguns, chacota. Ninguém levava a sério um Omar Motta que em Lenão via "vícios amadores", mas dum Mauro de Moura tomam dores aqueles que nos clubes são quem vota. O Moura era dos tais empedernidos, mais crítico que vate criativo, porém reputadíssimo aos ouvidos. Chamou João "Não Lê", montou motivo pra dar calor aos calos ressentidos... e a claque exclui João do crível crivo. SONETO 520 RETRIBUTO De tanto boicotarem o Lenão os críticos já têm papel suspeito: indício de algo mais do que despeito, talvez enrustimento dum tesão... João acusa o golpe: tenta em vão, usando de resposta seu direito, com classe rebater o preconceito... mas Moura é monstro em toda redação. Que faz o nosso herói? Chama a patota dos párias, porraloucas e malditos: até se alia ao cínico Omar Motta! Unidos, lançarão MOTES & MITOS, revista irreverente onde uma nota aponta em Moura plágios de dar gritos. SONETO 521 PELEJADO Começa uma batalha pela imprensa: a MOTES contra Moura e sua claque. Em vez duma polêmica de araque, parece aprofundar-se a desavença. O Moura tem canais, por isso pensa que isola o audaz Lenão com seu ataque. Diz Moura: "É como Zé contra Bilac: ninguém vai pretender que um Zé me vença!" Até que um suplemento literário propõe que os dois duelem no poema e não trocando farpas por sicário. Supondo que o jogral João lhe tema o verso venenoso, Moura é páreo. Lenão, tranqüilo, topa: "Sem problema!" SONETO 522 MOUREJADO Querendo rotular Lenão de inculto, alude Moura a "espíritos obscenos, como no corpo, no moral pequenos", roubando (ninguém nota) o já sepulto: "Espremeis a impotência do ódio estulto em pérfidos esguichos de venenos... Tendes baixeza em tudo: nem, ao menos, força na inveja e elevação no insulto!" Bilac ainda à mão (ninguém descobre), pra Moura é Lenão "voz dos lupanares contra os bons, contra os fortes de alma nobre": "Línguas e dentes dardejais nos ares! Mas só podeis ferir, na raiva pobre, em vez dos corações, os calcanhares!" SONETO 523 MOTEJADO Por Motta prevenido de que Moura metera a mão no Olavo para o ataque, Lenão acha "pior que ninguém saque que o tal sacal saqueia outra lavoura": "Sou tipo que uma pílula não doura! Você, com seu pedeuma de almanaque, chupando aqueles versos do Bilac, será que meu balão pensa que estoura?" "Não chupo desse jeito a língua alheia: só mordo o calcanhar de quem me pisa, mas beijo o coração de quem me leia!" "Se falo da sujeira, é que ela visa mostrar qual é o odor de quem saqueia defuntos e os mais burros escraviza." SONETO 524 TRAQUEJADO Aqui não foi peleja de folheto. Lenão não ganhou causa nem aposta, apenas demonstrou como se arrosta um Moura e se lhe diz: "Não me submeto!" Ninguém morreu, ninguém traiu seu gueto; do Moura cada vez mais gente gosta; João Lenão firmou-se nesta josta que se convencionou chamar soneto. Enquanto não publica outra seleta, prossegue com o Motta na revista, que alguns novos valores até veta. Já surge quem o acuse de "elitista", "epígono do Moura"... Nada afeta, contudo, um bom bordão e uma conquista...
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OS SETE PECADOS CAPITAIS, SEGUNDO GM SONETO 829 DA GULA No bolo, a cobertura em creme é grossa! A massa, em três andares de recheio, não deixa que a vontade enfrente um freio, e a cor do chantili na vista coça! Uma fatia só, não há quem possa achar suficiente! Mesmo cheio, àquilo não resisto: já papei-o até a metade, e a gula inda me acossa! Lambuzo-me nos dedos, pelo queixo escorrem os farelos, e no prato me aguarda inda um pedaço, que não deixo! Da vida, o que se leva é o que, constato, sabor tem, e pecado é só o desleixo de quem tal bolo perde por recato! SONETO 830 DA INVEJA Galinha do vizinho é sempre mais gorducha do que a minha! Até seu lixo tem mais sobra gostosa e menos bicho que o meu, cujo fedor não vê rivais! Pequeno, eu não ganhava dos meus pais brinquedos tão bonitos quanto o mixo revólver dum colega! Por capricho, também não eram nossos paus iguais! Dos tênis, nem se fala! Os meus, novinhos, morriam de vergonha do encardido conguinha chulepento dos vizinhos! Um dia, ainda afano dum bandido seu cano e seu pisante, e, com carinhos, farei que seus pés deixe eu ter lambido! SONETO 831 DA PREGUIÇA Levanto-me bem tarde, rádio escuto enquanto inda deitado. Meu café adoço com vagar, mexendo até que fique bem cremoso, e então desfruto-o! Da mesa, levantar é jogo bruto! Até que me decida, quase que é já meio-dia, e aí não dá mais pé sair pra voltar logo! Resoluto, me deixo ali ficar! Enfim, o almoço no prato está servido: ponho a pressa de lado, a mastigar sem alvoroço! À noite, a mesma coisa recomeça: depois que me recheia um pau bem grosso, não tiro nem que, farto, o cara peça! SONETO 832 DA LUXÚRIA Pensei que insaciável era a puta que fode por prazer, mais que por grana! Que nada! Um velho ainda é mais sacana e nunca satisfaz a rola hirsuta! Na foda, pela língua ele permuta a frágil ereção: o odor que emana da velha sem pudor na suja xana lhe dá mais apetite que uma truta! Assanha-se o ancião quando a consorte tem cócegas por dentro! Então chupita o caldo que, escorrendo, fede forte! Qual sopa, chá, nem suco! Ressuscita aquele exausto membro, em grande porte, o gosto da sardinha antes de frita! SONETO 833 DA IRA Putíssimo fiquei depois de ter notícia de mais outro escandaloso desfalque que um político esquifoso perpetra, mal se pilha no poder! Que raiva! Dá vontade de fazer com ele o que o Bin Laden fez com gozo nas torres gêmeas! Pôr-lhe um caloroso foguete bem no cu, que o faça arder! Mas isto só não basta! Uma vingança é feito um prato frio, que se come depois de muito tempo, e estufa a pança! Vá lá que nunca a grana alguém lhe tome de volta, mas ao menos não descansa o vil ladrão, no câncer que o consome! SONETO 834 DA SOBERBA Olímpico, ele olhava para nós com cara de quem pisa num cocô! Na sua companhia, autor pornô não tinha estirpe, mérito nem voz. Pra ele, interessava só alguém "pós", "vendável", "palatável"! Mais retrô que um reles sonetista, nem o avô materno do Camões, dizia o "boss"! Agora outra editora lhe disputa a ponta na vendagem, publicando quem tira rima ao ramerrão da puta! Tentando inda manter-se no comando do ramo literário, ele perscruta a hipótese dum Miller menos brando... SONETO 835 DA AVAREZA Pão-duro mesmo é o dono do segredo do cofre virtual, que só especula jogando com papéis, e cuja gula não cede nem do Inferno sente medo. Perverso, esse agiota escolhe a dedo a quem desfalca o lastro e o câmbio anula: se o quintal tropical que elege o Lula ou terras onde o sol se põe mais cedo. É tão cara-de-pau, que em casa cria a "agência" e impinge o "risco" dum país conforme dá na telha, a cada dia! Bem feito pra quem crédito lhe quis pagar! Bastava dar-lhe a nota fria, mandá-lo se foder com seus ceitis!
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Û Ý ´ ¥ Ü * e-mail: elson fróes